A Constituição Brasileira traz direitos fundamentais -direitos humanos-, que protegem as pessoas contra abusos. Esses direitos devem ser compreendidos e adequadamente exercidos e respeitados.
Um deles é a liberdade de expressão. Trata-se, sem dúvida, de um dos mais importantes, conquistado após muitos anos. A liberdade de expressão é protegida em todos os países civilizados onde a liberdade impera.
Por outro lado, a Constituição, entre os mesmos direitos fundamentais, também estabelece ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Trata-se de outro direito fundamental, tão importante quanto a liberdade de expressão.
Dessa forma, não é permitido a ninguém, supostamente em nome da liberdade de expressão, ferir crenças religiosas, utilizando de forma desrespeitosa símbolos sagrados para milhões de pessoas.
Valores do Evangelho
É fácil verificar que mesmo direitos fundamentais são limitados por outros direitos fundamentais. Fica claro que a liberdade de expressão deve ser exercida de forma responsável, respeitando direitos alheios.
Atitudes que, em nome da liberdade de expressão, excedem os limites morais e éticos geram caos social, vingança e ódio entre as pessoas, ameaçando até mesmo a paz, como se tem assistido em conflitos entre culturas diferenciadas, com reflexos nas comunidades internacionais.
Lamentavelmente, têm sido frequentes esses abusos praticados em nome da liberdade de expressão.
Muitas pessoas, em busca desesperada por alguns minutos de exposição na mídia, desprezam os direitos alheios, enlameando vidas, culturas, valores e até mesmo a fé. Zombam, caricaturam e ridicularizam o que têm de mais sagrado nos corações de outras pessoas.
Alguns grupos fundamentalistas destroem verdadeiras obras de arte do passado. Assistimos aqui no Brasil a outros tipos de fundamentalismos, contra os valores e símbolos que nosso povo venera e que fazem parte de nossa cultura.
Nosso Estado é laico. Mas o Brasil assegura a liberdade de consciência, a profissão da própria fé, bem como a proteção ao culto e à liturgia, que abrange a proteção dos símbolos que marcam as crenças.
O Estado, ao consagrar na Constituição tais direitos, tem o inafastável dever de protegê-los, assegurando o devido respeito com seus símbolos.
Fato notório recente na imprensa escrita: um órgão desrespeitou a fé religiosa e cultural de nossa formação pátria. A pretexto de comentário esportivo, uma revista publicou o signo sagrado da cruz, que se ergueu soberana sobre o sangue dos mártires, nela substituindo a imagem do filho de Deus, que por nós deu a vida, como cabeça de todos os mártires -na expressão de Santo Agostinho- pela de um atleta.
Repudiamos o ocorrido, que gerou em todos os que professam a fé católica uma dor muito grande, ao ver um símbolo nosso profanado.
Feriu-se também a mente e o coração de todos que reconhecem os valores do Evangelho e das pessoas de bom senso e boa vontade. Poderia enumerar muitos outros fatos, como fotomontagens, charges ou escritos, que têm ferido, última e constantemente, o sentimento cristão.
Julgamento da história
Infelizmente, esse fato não foi o único que ocorreu nesses últimos tempos, em que também se vê a ridicularização da palavra de Deus, usada como galhofa nas representações cênicas, ou mesmo a tentativa de caracterização negativa da figura de um sacerdote e de outros representantes, cristãos ou não.
A sociedade não pode se calar diante de tais transgressões desrespeitosas, que disfarçadas de liberdade de expressão aviltam o que é mais caro a outras pessoas apenas para satisfazer propósitos egoísticos.
Um órgão de imprensa, formador de opiniões, até quando quer satirizar tem o dever de fazê-lo criteriosamente. Há muitos meios de se fazer uma brincadeira, um comentário alegre e até uma cobrança, sem necessidade de ofender a quem quer que seja. A veiculação da imagem não denotou criatividade alguma, sendo apenas inadequada e desrespeitosa.
A história deverá julgar os caminhos que estão sendo percorridos atualmente em nossa sociedade ocidental. Em nota oficial, a nossa Conferência Episcopal (CNBB) pede a conscientização da comunidade cristã sobre o fato, que deve prosseguir no seu trabalho de evangelização para que sejam sempre respeitados os direitos e se possa viver na paz.
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[Dom Orani João Tempesta, 62, é arcebispo do Rio de Janeiro]