Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

As pesquisas e a volatilidade das nuvens

Não dá para não desconfiar: Fernando Haddad 47% vs. José Serra 37% (Datafolha, 11/10)! Mas, como? No domingo das eleições (7/10) o resultado não foi Serra 31% e Haddad 29%? Elementar, meu caro: “2º turno é outra eleição”. Sim, mas a decisão e a migração são assim tão automáticas? Dia seguinte, o Ibope confirmatório: Haddad, 48% vs. Serra, 37%. Mas assim mesmo, cifras exatamente iguais? Será que os dois institutos “combinaram”? Só falta aparecer o Vox Populi e dar Serra 52% vs. Haddad 48%… Para o eleitor, principalmente aquele que se guia pelas pesquisas – muito mais gente do que se pensa –, é um nó na cabeça.

Nestas eleições, mais uma vez, os institutos acertaram muito mais que erraram, mas a visibilidade dos erros em algumas capitais distorce esta percepção. No Rio, que era o resultado mais previsível, a reeleição do Paes foi quase milimetricamente de acordo com o previsto pelo Ibope e o Datafolha. Porém, no Recife, Geraldo Júlio (PSB) ganha no primeiro turno, 51,2%, ao contrário da previsão do Datafolha – mas o Ibope acertou. O Ibope errou em Curitiba (Fruet subiu mais de 7% às vésperas da eleição), Salvador (ACM Neto chegou à frente, invertendo o previsto), Natal (a pesquisa de véspera tinha dado Carlos Eduardo (PDT) com 51%, mas terminou com 40%), e errou feio, mesmo, em Manaus (era empate técnico na pesquisa, mas Artur Virgílio Neto chegou quase 20% na frente). Pegou mal, muito mal.

Conclusão óbvia

O Datafolha, bem intencionado em tentar explicar o fluxo errático dos números, aprofunda a análise da queda do Russomano (de 35% para 25%) e provoca um tsunami de percentagens difíceis de entender até para quem é do ramo: “Haddad lidera entre os não convictos em Russomano” (Folha de S.Paulo, 5/10). Inventou um tal de “grau de convicção”, e pergunta ao eleitor que é convicto em Russomano, mas cujo voto ainda pode mudar, quem teria mais chances de receber o voto”… Nesse perde-e-ganha, os não-tão-convictos em Serra (26%) podem votar Russomano (32%) ou Haddad (24%). E, já que as mulheres antecipam a tendência do eleitorado (segundo Mauro Paulino, diretor do Datafolha), e Russomano perdeu 12% entre elas, está na cara (dos candidatos) que o voto migra para Haddad, bonitão, e não para o Serra, óbvio (mulheres decidem seu voto também por esta característica, sim).

Na mesma época, o Ibope (Globo e Estado de S.Paulo) dava 34% dos votos válidos para o Russomano (!), e o Metrô News explica que a queda do Haddad era devido ao mensalão – e, cheio de malícia, não diz que a intenção de voto em Russomano, num levantamento anterior era de 41%…

Chega de explicações. Antes de prosseguir, relembremos um pouco de estatística, ou não – o leitor, em caso de ceticismo absoluto, pode saltar os parágrafos seguintes. Uma das maneiras de conhecer o que se passa nos corações e mentes de um grupo muito numeroso (a intenção de voto em um contingente eleitoral, por exemplo) é utilizar um método estatístico conhecido como amostragem-inferência probabilística, que consiste, molto grosso modo, em:

1. Os eleitores são embaralhados, isto é, procura-se uma maneira de que, idealmente, cada eleitor tenha a mesma probabilidade de ser sorteado que qualquer outro. Existem várias maneiras de embaralhar eleitores – não confundir com embromar eleitores. Isso depende do nível de informação que se tem sobre a distribuição desses eleitores no município, na região, no país.

2. Deste contingente eleitoral (o universo), devidamente embaralhado, sorteia-se uma amostra, que é um conjunto de tamanho muito menor do que o universo. O tamanho da amostra depende uma série de condições: tipo da amostragem, nível de confiança, quantidade de grana que o partido dispõe, e, principalmente, de uma medida chamada margem de erro, que é calculada (tem uma “formulinha” para isso). Se o candidato quer 5% (para cima e para baixo), sorteamos 384 eleitores; se deseja 4%, sorteamos 600 eleitores; 3%, 1.067 eleitores; 2%, 2.401 eleitores (este “1” é muito importante…); e, no caso do caixa 2 do partido permitir, margem de erro de 1%, 9.604 eleitores (!). Isto é muita grana. Para se ter uma ideia, a pesquisa do Datafolha em Curitiba, sobre o 2º turno, entrevistará 1.280 pessoas e custará 71 mil reais. [A esse propósito, ver, neste Observatório, “Pequeno manual para enfrentar a pesquisite”, parte 1 e parte 2.]

3. Aí, se for pesquisa do Ibope, alguém bate à porta do eleitor sorteado, e faz três perguntas:

>> P01: O(A) sr.(sra.) é eleitor(a) aqui na cidade? Se não, agradeça e encerre.

>> P02: Se a eleição fosse hoje, em qual dos candidatos (mostra os nomes dos candidatos, se for pesquisa estimulada, e espera pacientemente o eleitor se esforçar em lembrar, se for pesquisa espontânea) o(a) sr.(sra.) votaria?

>> P03: Se a eleição fosse hoje, em qual dos candidatos (idem, idem) o(a) sr.(sra.) não votaria de jeito nenhum? Muito obrigado.

Caso seja uma pesquisa do Datafolha, o eleitor, desprevenido, é abordado na rua, num local de grande movimento. É a pesquisa chamada “no fluxo”, que é um nome mais bacaninha do que “a esmo” (mas é a mesma coisa). Na pesquisa no fluxo, os coletores cumprem cotas, isto é, tem tantos homens, mulheres, jovens, adultos, ricos, pobres etc. para entrevistar. Este método, embora não seja rigorosamente probabilístico, tem as suas vantagens, por ser mais rápido e bem mais barato – as amostras podem ser maiores, e os eleitores são mais fáceis de “achar”. Parece simples, não?

Mas é justamente aí que mora o perigo. Calcular o tamanho da amostra é fácil, mandar coletores à rua, também, mas fazer um plano amostral eficaz (saber onde estão os eleitores a serem entrevistados) é briga de cachorro grande. É neste ponto onde o risco de derrapar é imenso. O pessoal dos institutos sabe do que eu estou falando.

4. Feitas as contas, o instituto divulga o resultado da enquête (como diria minha avó): candidato A, 32%; candidato B, 28%, e candidato C, 18%. E diz que a margem de erro foi de 2%, ou seja, o candidato A pode ter entre 30% e 34% (2% a mais ou a menos do que os 32% da pesquisa). O que o instituto não diz, ou diz com letrinhas de contrato (Arial, tamanho 6, cor cinza), é que isto é uma probabilidade, ou seja, há uma probabilidade de 95% de que a votação de A esteja entre 30% e 34%. E que há uma probabilidade de 5% de que sua votação esteja fora destes limites.

Dizendo mais, o candidato A pode ter até 51%, embora a probabilidade disso acontecer seja muito pequena – mas pode acontecer (é a mesma chance de alguém morrer atropelado por um velocípede desgovernado). Então, se você conseguiu percorrer essas tediosas linhas, deve ter concluído que… TODAS AS PESQUISAS ESTÃO CERTAS!

Mudanças bruscas

É isso mesmo. Eu, você, o instituto, o(a) candidato(a), aquele(a) chato(a) do boteco, a vizinha faladeira, seu chefe, sua senhora, e até aquele espumante militante do PT, todos nós estamos absolutamente certos quando atribuímos qualquer valor à intenção de voto em A, entre 0% e 100%. E que fique claro: não dá para prever nada se nossos prognósticos (como diria papai) forem únicos. Nós temos que refinar nossa prognose, dando, no mínimo, três palpites ao longo do tempo. É o que se chama de “verificar a tendência” do eleitor. E estaremos todos certos, e todos errados, embora com muito menos técnica, e muito menos embasados do que os institutos.

Mas o que interessa mesmo é atentar para um fato que está derrubando os ibopes da vida, e que me parece, no momento, impossível de ser incluído no modelo estatístico: o índice de abstenções. No Brasil, nessas últimas eleições, foram 22 milhões de eleitores: 13 milhões de pessoas que se deram ao trabalho de comparecer nas seções eleitorais e votaram “em branco” ou “nulo”; 9 milhões (mais de 16%), nem isso: simplesmente não compareceram às urnas para exercer seu direito.

No Rio, dos 4,7 milhões de eleitores habilitados, mais de 965 mil – o equivalente a 20,45% do total – fizeram no show (provavelmente foram tomar banho de mar, ou de bar). É mais gente do que os eleitores que votaram no candidato do Psol, Marcelo Freixo (2º lugar). Em São Paulo, são inacreditáveis 30% (!) entre ausências, votos brancos e nulos – a dupla Serra/Haddad foi votada por apenas 42,5% dos eleitores.

Na minha cidade, Juiz de Fora (MG), o percentual de gente quem nem foi votar chega a mais de 17%, o maior do estado, e muito superior à votação do candidato 3º colocado. E os especialistas preveem que este número será ainda maior, caso o dia 28/10 traga aquele sol de prometidas delícias, e o trânsito na cidade continue estúpido e desanimador (para dizer o mínimo). Para que sair de casa e enfrentar uma fila naquele calorão, para votar em “alguém que não vai fazer nada de bom, pelo contrário”, se tem aquele churrasco e aquela cerveja gelada me esperando, junto à piscina, com os amigos?

Mas, se estiver chovendo, não vai dar para sair, não, pode resfriar… e, depois, é só baixar na internet um formulário para justificar a ausência e levar ao cartório eleitoral, com um atestado médico (por exemplo, meu papagaio estava constipado). E, de tabela, que a estatística ainda registre meu protesto, meu desânimo e minha recusa a passar por trouxa, mais uma vez.

Finalizando, o que fazer? Abandonar as pesquisas e nos guiarmos pelos palpites da turma que fica fofocando nas “bocas malditas”? Nem pensar. Precisamos é de mais e mais pesquisas, mais e melhores, aperfeiçoadas à medida que os (bons) profissionais aprendam com os erros e acertos. Refinar os métodos estatísticos, as técnicas de pesquisas, buscar este retrato fugidio, este número-notícia que muda a cada hora.

Magalhães Pinto dizia que política é como as nuvens: você olha para o céu e elas estão de um jeito, olha de novo e elas estão fazendo outra figura. Intenção de voto é a mesma coisa. Segundo Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope, e excelente profissional, “um dia é muito, em se tratando de eleição municipal” (OGlobo, 9/10), e, para o Ibope, “está dentro das estatísticas” o instituto errar 5 em cada 100 pesquisas. “Eleição municipal é dinâmica, a volatilidade da decisão é maior e é comum ocorrerem mudanças bruscas. No sábado (6/10), 28% dos paulistanos não citavam candidato na pesquisa espontânea, o que demonstra que o eleitor está decidindo cada vez mais tarde. Pesquisa é retrato do momento, por isso apenas a boca de urna pode ser comparada ao resultado do TSE” (Folha, 11/10).

É isso aí, falou (contou, mediu) e disse.

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[Antonio Fernando Beraldo é engenheiro e professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora]