Há hoje em dia vários questionamentos sobre o verdadeiro papel da imprensa brasileira na vida política e social do país. Alguns jornalistas renomados a têm como o Quarto Poder. Outros, como o decano Alberto Dines, o mais crítico dos críticos da imprensa brasileira, acham que não. “Pode ser o quinto ou o sexto poder, mas nunca o quarto”, disse o criador do Observatório da Imprensa, numa entrevista que li tempos atrás aqui mesmo neste site. Dines justificou o seu posicionamento comparando a imprensa norte-americana com a nossa e dizendo que nos EUA a imprensa se posiciona nos editoriais e aqui, no noticiário, de forma a reproduzir fatos tendenciosos e inconvincentes.
A mistura de opinião com notícia faz deste alho com bugalho algo tão primitivo que nos faz refletir sobre esse atraso da nossa imprensa a caminho do terceiro milênio. Penso que a primeira coisa que o dono de um veículo de comunicação tem que fazer para dar credibilidade à sua empresa é separar a opinião, que é dele, do noticiário, que não tem dono. Somente assim, o veículo será objetivo e imparcial, ainda que o seu corpo editorial se declare partidário. A redação deve ser comparável a uma figura geométrica de vários lados, inclusive o do patrão, mas apenas um merece a preferência – o do interesse público.
O polêmico Augusto Nunes, editor da autobiografia de Samuel Wainer Minha Razão de Viver (o mesmo que em certa ocasião disse que não é função de jornalista investigar, embora seja ele um jornalista investigativo da melhor qualidade), tem a mesma opinião. Nunes tira o poder da imprensa brasileira dando como exemplo o fracasso dos veículos de comunicação em três episódios históricos: a volta de Getúlio Vargas ao poder, em 1951; a eleição de Leonel Brizola para o governo do Rio (1982) e de Lula para presidente (2002), todos eles eleitos a contragosto da grande imprensa. “Se ela (a imprensa) tivesse todo esse poder, nenhum desses políticos seria eleito”, espetou Nunes em uma de suas observações sobre o assunto.
Programas sociais
Outros jornalistas afirmam que a imprensa fracassou também no Estado Novo de Getúlio (1937-1945) e na consolidação da ditadura pelo governo militar, em 1968 (quatro anos após o golpe militar que durou até 1985), com a edição do AI-5 (1969-1979), e em tantos outros episódios históricos e antidemocráticos, pelo simples fatos de não conseguir mobilizar a opinião pública. E diante do fracasso iminente, uma parte bandeou para o lado mais forte – o do poder político. Ou seja, para os céticos, se os veículos de comunicação de massa fossem realmente o Quarto Poder, eles conduziriam o país conforme o seu desejo porque teriam força suficiente para isso.
Vejo essa polêmica traçando o oposto da imprensa ideal, aquela que age com subjetividade e parcialidade a serviço de grupos políticos e não do interesse público. Quando a imprensa deixa de prestar contas à opinião pública para atender outros interesses, ela perde força e credibilidade. A volta de Getúlio ao poder, em 1951, por exemplo, contrariava os barões do café (que mandavam na imprensa da época) devido ao trabalhismo getulista que, na opinião destes, trocava agricultores por operários. Já nas eleições de Brizola e Lula, os banqueiros, também donos da imprensa contemporânea, se diziam preocupados com a elevação do “risco Brasil” caso a esquerda tomasse o poder. Injetaram dinheiro nos donos da opinião pública, mas não puderam valer a sua vontade por total falta de credibilidade da imprensa bandida.
A verdade é que Getúlio venceu nas urnas em 1950 por causa do que ele fez para o trabalhador, como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), e até hoje é lembrado por esse legado. Algo tão relevante nos seus 18 anos de poder (1930-1945 e 1951-1954) que pouco importa a muitos historiadores e formadores de opinião a sua veia de ditador implacável. Já o então “perigoso” Lula derrotou a elite em 2002 por causa das medidas impopulares de Fernando Henrique Cardoso, como a venda da Vale, por exemplo. E deixou o governo, após dois mandatos, com uma aceitação recorde por causa de seus programas sociais. Brizola somente não fez tanto sucesso por conta da campanha difamatória movida contra o seu governo, principalmente pela Rede Globo.
Chateaubriand sempre usufruiu do poder
Quanto ao AI-5, este foi editado e vigorado pela linha dura do Exército em pleno regime de exceção. A sua instalação fugiu ao controle da imprensa e ainda ficou barato, porque o texto original redigido pelo ministro da justiça, Gama e Silva, era bem pior. O documento sugeria o fechamento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o Congresso, os poderes legislativos estaduais e municipais e deporia até os prefeitos de todas as cidades brasileiras. Seria a ditadura nazifascista mais cruel da América Latina. Até o truculento presidente Costa e Silva (1967-1969) se opôs a essa “dose cavalar”, assinando algo, digamos, menos letal, na palavra de seu ex-chefe da Casa Civil, Rondon Pacheco.
A verdade é que a imprensa pode muito e não pode nada ao mesmo tempo porque é movida pelo dinheiro. Quando colocamos em confronto o capital e o trabalho, a grande imprensa fica com a primeira opção e o povo com a segunda. Será sempre assim. O trabalhador é a parte menos favorecida nas decisões políticas e isso está provado pela história recente do Brasil, a partir da revolução de 1930, quando da revolta dos cafeicultores de São Paulo e a guerra travada entre Getúlio e Carlos Lacerda, batalha essa que se acirrou com a criação do jornal Última Hora, uma doação de Getúlio a Samuel Wainer, seu amigo, fato esse que Lacerda, concorrente direto da Wainer, não aceitou.
Essa briga acabou com o suicídio de Getúlio, que deu um passo para a eternidade e outro para a história, como ele escreveu na sua carta-testamento, mas as divergências continuaram em outros patamares. Assis Chateaubriand (1892-1968), por exemplo, que comandava o maior império jornalístico do país em meados do século passado, sempre usufruiu do poder. Apoiou as coisas erradas e certas de Getúlio, enquanto isso lhe interessou. O jornal Estado de Minas, do Grupo Associados – o chamado “grande jornal dos mineiros”, um dos poucos remanescentes do império de Chatô – sempre esteve com o governo onde o governo estiver porque herdou essa vocação do pai dos associados.
Um Quarto Poder conveniente
O único entrevero que o jornal teve com o governo do estado foi durante o mandato de Newton Cardoso (1987-1991) e a razão disso todos sabem. Newtão vetou a derrama de verbas publicitárias para o jornal que, em represália, partiu para cima do governador que sofreu uma das maiores perseguições feitas a um político neste país. Justas ou injustas, as denúncias foram motivadas pelo vil metal. Aliás, o rei da retórica política brasileira, Carlos Lacerda (1914-1978), ex-governador do antigo estado da Guanabara, sublinhou assim um comportamento nada ético do então famoso Jornal do Brasil, sobre a relação do diário com o então governador Negrão de Lima, que governou o mesmo estado de 1965 a 1970, em pleno regime militar. “O Jornal do Brasil pediu intervenção no Rio alegando que o governo de Negrão de Lima não prestava; 24h após restabelecer o recebimento da verba publicitária para o jornal, o governador passou a ser coberto de elogios pela mesma emissora; essa é a incoerência da imprensa nacional”, criticou Lacerda à ocasião, em entrevista à extinta TV Tupi, da Rede de Emissoras Associadas de Chateaubriand.
Dentro desse quadro de interesses, podemos dizer que a imprensa é um Quarto Poder conveniente. Quando o dono não interfere na redação – e essa é competente – empareda os poderes constituídos, mas quando age por interesses obscuros no noticiário, é inconveniente e nefasta para o interesse público e generoso com o poder dominante. Atualmente, podemos afirmar, com absoluta certeza, que a imprensa convencional já não tem o mesmo poder de antigamente. Perdeu no mínimo uma posição para a internet, onde o povo é quem forma a sua própria opinião. Ao invés do controle remoto da televisão ou do seletor do rádio e/ou do papel da mídia imprensa, essa nova geração de editores-leitores usa o teclado do computador para opinar, apagar ou salvar opiniões e fatos, conforme a sua crença.
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[José Cleves é jornalista]