Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Elementos para uma discussão

O jornalismo cultural vive atualmente uma situação emblemática. Por um lado, é cada vez mais crescente, em veículos impressos, portais e na televisão, a divulgação de acontecimentos artísticos, tornando tal segmento algo cada vez mais atrelado ao dia-a-dia do cidadão. Tal perspectiva rompe com o preconceito, há anos discutido, de que “cultura” é algo efetivamente efêmero e secundário, tendo em vista os problemas sociais existentes. Frise-se que com o aumento do nível de consumo e de renda da população, essa tendência mudou significativamente e a repercussão nos meios de comunicação, como citados acima, referenda essa ideia. Parafraseando um trecho ilustrativo da bela canção “Comida” do grupo paulista Titãs, “a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte”.

Não obstante, o jornalista Daniel Piza (2008, p.07), faz uma profícua reflexão acerca da real atuação do jornalismo cultural, destacando a queda da consistência e ousadia e, como causa e efeito, a perda da influência. Nesse sentido, os critérios avaliativos desse segmento jornalístico são questionados, quando se impõe uma visão subjetiva da realidade em detrimento da fundamentação teórica e da contextualização. Um exemplo evidente é quando se opina sobre determinado livro, desconhecendo a tendência literária defendida pelo autor e os valores sugestivos que se apresentam nas entrelinhas de quaisquer enredos. Ou quando se analisa um filme apenas pelo seu valor mercadológico, desprezando as referências utilizadas pelos roteiristas no percurso de construção ficcional.

Outra peculiaridade presente é a tendência de caracterizar como “subprodutos” o que a massa “culturalmente” consome, ignorando os fatores históricos e as diferentes noções de pertencimento identitário arraigadas em um país de dimensões continentais.

Atividade que instiga e transgride

É fato que por mais que se observe uma democratização do acesso aos bens culturais, ainda há setores da imprensa que adotam um tom “separatista”, com o intuito de manter a didática dos “valores de pertencimento”, que por muito tempo ocupou os espaços de revistas e tabloides dedicados a temática refletida. A título de curiosidade, têm-se: o cinema francês versus circuito comercial, Chico Buarque contra Aviões do Forró e as séries americanas em detrimento da teledramaturgia brasileira. Essa noção reforçada por tantos, tem como objetivo ampliar o “abismo conceitual” existente entre as classes sociais, apesar do incremente do setor médio que vem moldando algumas áreas da sociedade brasileira.

A argumentação acima instiga a seguinte indagação: quanto menor a condição financeira, menor o interesse por cultura? Sim e não. Sim porque o aumento no número de vendas de livros e de bilheteria está instrinsecamente ligado à melhoria do padrão de vida acentuado nos últimos anos. E não porque até os moradores mais pobres da zona rural sabem celebrar seu padroeiro e organizar festejos juninos que arregimentam toda a comunidade.

Nessa perspectiva, percebe-se que não é fácil o trabalho de um jornalista da área cultural e que a “doce vida” (PIZA, 2008) que alguns colegas intitulam não condiz com a prática de seu exercício profissional.

Exercer essa função vai muito além de simplesmente curtir uma boa sessão de cinema ou um livro à sombra de uma árvore, perpassar o que a estética nos apresenta (e tenta aprisionar) é uma atividade que instiga, limita e transgride. Contradições? Não há melhor definição para o bom jornalismo.

Referências

PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. São Paulo: Contexto, 2008.

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[Emilson Ferreira Garcia Junior é professor, Campina Grande, PB]