A Casa Rosada venceu mais uma batalha em sua guerra contra meios de comunicação privados. Na noite de quarta-feira (14/11), a Câmara argentina transformou em lei um projeto que autoriza a utilização do recurso per saltum para revolver casos judiciais de “gravidade institucional”. O mecanismo permite elevar automaticamente à Corte Suprema processos que estejam em instâncias judiciais inferiores, para que o tribunal adote uma resolução definitiva. Na opinião de dirigentes da oposição e representantes de meios de comunicação locais, o objetivo do governo Cristina Kirchner é utilizar essa ferramenta legislativa para obter uma vitória definitiva em sua disputa judicial com o grupo Clarín.
O grupo argentino, dono de licenças de rádio, TV e do jornal mais lido do país, entrou na Justiça para tentar impedir a aplicação de dois artigos da Lei de Serviços Audiovisuais (a chamada Lei de Meios), aprovada em 2009. Os artigos questionados (45 e 161) reduzem o número máximo de licenças permitidas a cada empresa e, no caso dos grupos que estejam acima do limite autorizado, exige um processo de adequação que pode ser voluntário ou compulsório. Para o grupo Clarín, que com isso perderia mais de 200 concessões de TV a cabo, os artigos são inconstitucionais, já que violam direitos adquiridos.
Lei não prevê restrição para estatais
As normas denunciadas pelo grupo também estabelecem um limite de 35% de controle do mercado, restrição que não será aplicada a meios de comunicação estatais. Ou seja, o canal 13, do grupo Clarín, só poderá ser visto na capital e na Grande Buenos Aires. Já o canal estatal de TV chegará a todo o país. O governo Kirchner afirma que mais de 20 grupos deverão adaptar-se às novas regras. No entanto, entre dirigentes da oposição e jornalistas locais, a sensação é de que a Casa Rosada está liderando uma cruzada destinada, principalmente, a enfraquecer o Clarín.
– O único grupo que conseguiu uma liminar da Justiça foi o Clarín; os demais já deveriam estar adaptados, não o fizeram e não foram perseguidos – afirmou o vice-presidente da Comissão de Liberdade de Expressão do Congresso, Gerardo Milman.
A liminar do Clarín suspendeu apenas temporariamente a aplicação dos artigos questionados. Por decisão da Corte Suprema, a liminar vence no próximo dia 7 de dezembro. Como vários grupos não se adequaram à nova lei, o governo decidiu estabelecer a data (apelidada de 7-D) como limite.
O Clarín argumenta que, em seu caso específico, nesse dia começa a valer o prazo de um ano estabelecido na lei para devolver ao Estado as licenças e os bens usados para operá-las. Já a Casa Rosada afirma que todos os grupos têm até o 7-D para apresentar seus planos de adequação voluntária. A partir desse dia, o Estado “usará todas as ferramentas que estão ao seu alcance” para aplicar a lei, informou o deputado e presidente da Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFSCA), Martin Sabatella. O temor da oposição é que as licenças recuperadas pelo Estado acabem com empresários ligados ao governo e, assim, se transformem em meios de comunicação oficialistas
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[Janaína Figueiredo, correspondente de O Globo em Buenos Aires]