Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A falência das instituições

A escola pública faliu e está aí o absurdo número de analfabetos funcionais que não nos deixa mentir; contaminada pela corrupção, a polícia encontra cada vez mais dificuldades para manter a ordem nas grandes cidades; sobrecarregada, temos talvez a Justiça mais lenta do mundo; o Congresso Nacional é isso que se vê: quanto mais avançamos em direção ao futuro, mais os congressistas se apegam às práticas do passado, ao fisiologismo. A sociedade ainda preservava um certo encantamento pelo Corpo de Bombeiros, mas pelo que se passou neste sinistro começo de 2013 em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o resto de admiração foi para o espaço. É mais uma instituição que deixa de cumprir a missão para a qual foi criada.

Ora, mas como é que os bombeiros de Santa Maria poderiam prever que um maluco iria soltar fogos de artifício dentro de uma boate abarrotada de jovens? Para evitar a tragédia, não seria necessário prever isso, pois afinal os incêndios não são causados apenas por fogos de artifício e não tem cabimento que o teto de uma casa de shows seja revestido por material altamente inflamável. Nenhuma casa de espetáculos deve ser autorizada a funcionar por uma só noite que seja sem oferecer segurança máxima a seus frequentadores. Todas elas precisam de vistorias de alta frequência.

Fica difícil saber quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, mas o certo é que a decadência das instituições no Brasil tem sido acompanhada de perto pela decadência do jornalismo, instituição que teria por razão de existir a missão de fiscalizar o adequado funcionamento de todas as demais.

Fontes radiativas

Faz tempo que o jornalismo fica à espera que as tragédias aconteçam para que possa criar a sensação de que cumpre o seu papel. Uma febre nacional de fiscalização das casas noturnas varre o país, do Oiapoque ao Chuí. O jornalismo mostra-se nessas horas excepcionalmente criativo: contratou especialistas para checar a segurança de casas noturnas em grandes cidades e o prédio onde funcionou, impunemente, a boate de Santa Maria foi reconstituído por recursos cenográficos pela líder das emissoras de televisão.

A febre uma hora passa, mas a infecção que a causou ficará latente até a próxima tragédia. E a instituição do jornalismo tornou-se apenas reativa. Sua missão é cumprida por espasmos, de tragédia em tragédia.

Faz 26 anos, por exemplo, que uma cápsula de material radiativo (césio) foi violada em Goiânia. O aparelho que a continha, de uso médico, foi abandonado por uma clínica dentro de uma edícula e posteriormente vendido a um ferro velho por um “catador de sucatas”. Já existia a Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e a tragédia que vitimou centenas de pessoas demonstrou que a instituição não tinha o menor controle sobre as fontes radiativas espalhadas pelo país. A pergunta que deve ser feita agora é esta: será que a Cnen tem o controle e fiscaliza o uso de todas essas fontes hoje em dia? É de se supor que sim. Será que algum jornal, revista, emissora de TV ou site noticioso esteve na Cnen neste período para saber se existe controle e como esse controle é exercido? É de se supor que não.

O futuro da jovem democracia

Tragédias iguais a essa de Santa Maria ocorrem em qualquer país – é um dos argumentos que estão na agenda do jornalismo. Acontece que, em todas elas, o Brasil é insuperável em matéria de desleixo, negligência, descaso, omissão. Podemos sair de Santa Maria e analisar as tragédias climáticas. O mundo inteiro se espanta com o número de vítimas que estas têm provocado no Brasil por falta de políticas preventivas em comparação com o que se passa em países como Austrália durante a ocorrência do mesmo tipo de evento.

Neste momento, com certeza, numa das dezenas de centenas de áreas de risco espalhadas pelo país, é cometido algum crime contra a segurança pública, seja pela liberação de alvarás de construção sobre encostas e morros, seja pela manutenção de famílias residindo em pontos de altíssimo risco, ou seja por atrasos em obras de necessidade extrema. Os crimes de hoje só serão denunciados após a tragédia de amanhã.

Com instituições em frangalhos e sem jornalismo que se ocupe pelo bom funcionamento delas, que futuro terá a ainda jovem democracia brasileira?

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[Dirceu Martins Pio é jornalista e consultor em comunicação corporativa]