Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A guerra robótica de Barack Obama

A administração Obama vem procurando uma justificativa legal para matar cidadãos americanos considerados terroristas fora do país. Sem julgamento ou qualquer envolvimento legal. Se não puderem ser capturados, serão executados. A coisa toda era para ficar fora das vistas da imprensa, mas depois que um documento de 16 páginas acabou por ser divulgado pela NBC, o New York Times (6/2) decidiu tornar público que os Estados Unidos têm, desde 2011, uma pista para pouso e decolagens de drones, aviões-robô sem pilotos e armados com foguetes e bombas de alta precisão, na Arábia Saudita. O Público (6/2) divulgou um parágrafo importante do jornal nova-iorquino:

“O primeiro ataque, segundo o jornal, aconteceu a 30 de setembro de 2011 e teve como alvo Anwar al-Awlaki, um norte-americano nascido no Novo México, formado nas universidades do Colorado e de George Washington, e tido pelos serviços secretos dos EUA como um importante membro da organização terrorista al-Qaida. O seu filho de 16 anos de idade e outros dois norte-americanos foram também mortos em ataques distintos, mas as autoridades dos EUA classificam-nos como ‘baixas resultantes de ataques contra operacionais da al-Qaida’.”

O emprego dos drones no Oriente Médio está sob a responsabilidade da CIA. A revista quinzenal Exame (8/2) descreveu bem o que é um drone, que é bem mais do que um simples avião-robô. Usados para reconhecimento desde 1994, os drones são da família “Predator” e fabricados pela General Atomics. O modelo original da série chamava-se MQ-1 e foi usado no Iêmen, Paquistão, Iraque, Líbia e Afeganistão. No início, servia apenas para reconhecimento, mas depois de 2001 foi armado com mísseis Hellfire (de médio alcance) e bombas guiadas a laser. Possuem sistema de navegação robótico e um sistema avançado de aquisição de alvos, mas não podem operar sozinhos: são “pilotados” à distância e cada ataque é conduzido por um operador que pode estar a milhares de quilômetros de distância. Ele controla o aparelho com um joystick, escolhe o armamento próprio para a ocasião e inicia o ataque: “O comando é feito à distância, de uma base em terra que pode estar no outro lado do planeta, já que a comunicação é feita via satélite. Nessa base secreta, um piloto vê, num conjunto de monitores, imagens captadas pelas câmeras do drone e dados registrados por sensores a bordo”, informou a revista.

Contra a Constituição

O New York Times também publicou que Obama foi acusado de hipócrita por seus opositores por ordenar a liberação ao público dos memorandos confidenciais da CIA sobre interrogatórios “aperfeiçoados” (tortura) da administração anterior, “enquanto os ataques dos drones continuam” sob sua autorização.

Agora os congressistas americanos, através de uma comissão bipartidária, querem saber mais sobre o assunto. Supostamente menos letal aos civis que os ataques aéreos com aviões comuns, o argumento da administração Obama está agora em questão: o Público informou que, presumivelmente, “só na fronteira entre Afeganistão e Paquistão poderão ter sido mortas mais de 3.000 pessoas entre 2004 e 2012, segundo dados do New American Foundation. Destes, pelo menos 176 era crianças, informou a organização sem fins lucrativos Bureau of Investigative Journalism.

O assassinato de um cidadão nacional sem o devido processo e fora de cenários de batalha é um ato que vai contra os princípios básicos da Constituição americana. Mesmo que a vítima seja um dos líderes operacionais da al-Qaida, ele ainda é um cidadão americano. Segundo o Público, somente norte-americanos membros do alto-escalão da al-Qaida envolvidos em ataques contra os Estados Unidos são alvos potenciais do “programa”. Outro problema relacionado é a preferência do presidente pelo mentor do “Projeto drones”, John O. Brennan, diretor da CIA, a organização responsável pelo emprego das letais aeronaves não-tripuladas no Oriente Médio.

“Arranjo informal”

Mas foi o blog do site de observação da mídia Fair (6/2) que denunciou o papel de um periódico que já sabia da existência da pista de lançamento dos drones há muito tempo e recusou-se a fazer seu dever de imprensa para colaborar com o governo. O Washington Post já vem com sua colaboração suja desde 2005, quando escondeu do público a existência de lugares secretos de tortura usados por agentes americanos contra suspeitos membros da al-Qaida, informou o blog.

Desde 1986 a vigiar a imprensa norte-americana, o Fair desmascarou a colaboração do Washington Post com o governo e fez um bom trabalho. Mas foi o Público que trouxe ao debate a principal questão: a Arábia Saudita é terra sagrada para os muçulmanos. O grande rancor de Osama bin Laden era contra as tropas americanas ali estacionadas. A construção da base para atacar outros países da região no país poderá tornar-se um problema, agora que a coisa veio a público: as populações sauditas e de países ao redor poderão pressionar pela destruição da pista e o regime dúbio e de baixa confiança da Arábia Saudita poderá ter que acabar com a base americana.

O pior de tudo, para a administração Obama, foi o fato da operação ter sido projetada para ficar “longe dos olhos da imprensa”. E parte dela colaborou com o silêncio oficial sobre o programa dos drones que a CIA tanto desejava. Com a aprovação do presidente. O Fair denunciou o infeliz arranjo:

“O Post soube na terça à noite que outra organização de notícias estava a planejar a revelação da localização da base, efetivamente terminando um arranjo informal entre vários órgãos de imprensa que tinham conhecimento de sua localização por mais de um ano.”

Operação baseada em assassinatos

A “organização de notícias” era o New York Times. O blog por sua vez concluiu:

“Então havia um ‘arranjo informal entre várias organizações de notícias’ para não reportar notícias importantes porque o governo sentiu que isso poderia tornar as coisas difíceis para ele.”

O New York Times apresentou uma reportagem grande e completa sobre o assunto. Fez o seu papel. O Público, de Portugal, complementou a mesma com mais dados e uma abordagem também bastante abrangente. A revista Exame trouxe ao leitor uma descrição acurada de um artefato voador de destruição, o drone. Mas foi o pequenino Fair, o observador da mídia americana, que desvendou o complô do encobrimento de parte da imprensa americana que já sabia de tudo e nada publicou.

O segredo da administração Obama sobre o assunto e a colaboração de parte da imprensa em calar-se tornaram tudo mais difícil para o presidente que decepcionou a população com suas promessas de uma política diferenciada para o Oriente Médio. Quanto ao Congresso e Senado, a preocupação maior é quem está a ser morto pelos ataques dos aviões não-tripulados. As duas casas concordam com o uso dos drones, mas querem saber que parâmetros orientam seu emprego e a escolha de seus alvos. E desta vez ninguém ficou satisfeito com a ousadia do poder executivo.

Uma política baseada em assassinatos e que inclui cidadãos norte-americanos que estejam no “alto escalão” da al-Qaida busca agora amparo legal para ações que ficaram escondidas por anos. Obama vai ter alguns momentos difíceis à frente: ele vai ter que explicar como nasceu esta expansão do executivo sobre os demais poderes. Críticos de sua administração também afirmam que uma operação baseada em assassinatos de líderes de uma organização terrorista lembra mais uma continuação aperfeiçoada dos métodos de Bush do que as esperadas mudanças que Obama prometeu ao povo americano.

Insulto e ódio

Ele e parte da imprensa americana ignoraram o regime democrático e o equilíbrio de poderes para realizar projetos secretos do poder executivo. Nesta ação mal pensada e executada de encobrimento, deixaram as instituições democráticas do país em estado de apreensão: agora a América tem um presidente à procura de uma estrutura jurídica que o permita ordenar a morte de cidadãos nacionais terroristas fora do território americano. Autorizar e legalizar assassinatos extra-judiciais fora do país pode ser arriscado demais e ter consequências imprevisíveis.

Exterminar pessoas à distância pode parecer seguro para quem está sentado na mesa de controle do aparelho letal. Mas colocar uma base de drones na terra do profeta maior dos muçulmanos é mais um insulto a inflamar ainda mais a região e a alimentar o ódio a tudo o que se refere ao Ocidente. Represálias vão acontecer. O presidente Obama e seus assessores estratégicos devem ter em mente que uma guerra de atrito como esta tende sempre a favorecer o lado mais fraco.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]