O Papa Bento XVI, que chocou o mundo católico esta semana ao anunciar que vai renunciar no próximo dia 28, pregou ontem uma renovação verdadeira da Igreja. E foi além: ele disse que o trabalho do Concílio Vaticano II – isto é, a série de mudanças iniciadas em 1962 e debatidas durante quatro anos por mais de dois mil bispos na tentativa de modernizar a Igreja e da qual ele participou – ainda não está completo.
– Há ainda muito o que fazer – afirmou Bento XVI, sem detalhar o que precisa ser feito.
Em audiência na quinta-feira (14/2) com padres e autoridades das igrejas de Roma, o Pontífice anunciou também que vai ficar “escondido para o mundo”, mas continuará presente na Igreja:
– Mesmo se me retiro agora, estou sempre perto de todos vocês nas rezas e vocês estarão perto de mim mesmo se permaneço escondido para o mundo.
Com esta frase, Bento XVI acabou tocando numa questão delicada que intriga muitos: como vai ser o convívio no Vaticano de dois Papas – o sucessor e Bento XVI, que mesmo não sendo mais Pontífice a partir das 20h do dia 28 (hora local) é considerado a voz da intelligentsia da Igreja, o homem erudito que conhece não apenas profundamente o Vaticano, como a História, a teologia e os caminhos da Igreja.
Críticas à imprensa
O jornal italiano Corriere della Sera, citando fontes, descreveu um Vaticano sem rumo depois do anúncio da renúncia, o que gerou medo nos sacerdotes e desejo de que o sucessor seja forte o bastante para segurar o barco. No mesmo artigo, o Corriere diz que a ideia de que o velho Papa e o novo estarão no Vaticano está provocando constrangimento – Bento XVI vai se recolher num convento dentro da cidade-Estado). Mas, como concluiu o jornal, “o simbolismo é muito poderoso e pesado para pensar que Ratzinger pode se tornar invisível”. No entanto, é nisso que vai se tornar: “O futuro é o esquecimento”, avaliou o jornal.
Foi fazendo uma reflexão histórica sobre o Concílio Vaticano II que Bento XVI falou da renovação da Igreja e questionou o papel da imprensa, que teria resumido os debates da época “como uma luta de poder entre várias posições da Igreja”.
Segundo o Papa, a discussão intensa foi, na verdade, “uma busca de integridade do corpo da Igreja”. Mas há 50 anos, lamentou, enquanto o Concílio refletia sobre questões da Igreja, acontecia, paralelamente, o que ele chamou de “concílio da mídia”, que descrevia para o povo “não aquele (Concílio) dos padres, que era o Concílio da fé em busca da palavra de Deus, mas aquele dos jornalistas que não se realizou na fé, mas na categoria da mídia fora da fé”.
– E tomaram (os jornalistas) posições de acordo com o que estava mais perto de seu mundo, pedindo uma realocação de poder, passando do Papa para a soberania popular – disse.
Bento XVI disse que foi essa visão da imprensa que entrou para a esfera pública e levou nos anos seguintes a “tantos problemas, seminários fechados, conventos fechados”.
Um dos pontos fortes dos 45 minutos de reflexões que o Papa Bento XVI fez durante a audiência de ontem em Roma foi quando ele reconheceu que os cristãos foram os maiores responsáveis pelo Holocausto. Falando da relação entre o judeus e cristãos, ele disse:
– Mesmo que seja claro que a Igreja (católica) não é responsável pelo Shoah (Holocausto), foram, na sua maioria, os cristãos que cometeram este crime – disse o Papa, que é alemão e conviveu, quando jovem, com o nazismo.
Mas ele acrescentou que “os verdadeiros crentes (cristãos)” combateram a barbárie nazista.
Reforma da Cúria
Segundo o jornal italiano La Repubblica, logo após celebrar sua última missa na Quarta-feira de Cinzas, o Papa teria lamentado a falta de reforma da Cúria – o conjunto de órgãos e pessoas que o auxiliam e que são, na realidade, o poder que governa a Igreja.
“Depois da missa de ontem em São Pedro, recebendo a saudação de alguns cardeais, o Papa falou sobre seu arrependimento por não ter reformado a Cúria, na esteira da reforma de Paulo VI”, escreveu o jornal, num artigo online.
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[Deborah Berlinck, de O Globo]