A escolha pelos cardeais de Jorge Mario Bergoglio como papa surpreendeu o mundo. Como no conclave de 1978, que elegeu o polonês Karol Wojtyla como sucessor de Pedro, o cardeal argentino, arcebispo de Buenos Aires, surge como uma surpresa.
Naquele momento, Wojtyla apareceu como um terceiro nome para o papado, que tinha como seus principais candidatos o conservador Giuseppe Siri (candidato da Cúria Romana) e o arcebispo de Florença, Giovanni Benelli. Se pudermos encampar as informações que circularam esses dias na imprensa mundial por ocasião do conclave que se seguiu à renúncia de Bento 16, é possível especular que uma conjuntura semelhante se sucedeu.
Muitos nomes foram apontados como favoritos. Nos últimos dias, despontaram Angelo Scola, de Milão, e Odilo Scherer, de São Paulo. Disse-se que Scola era o candidato do papa emérito Bento 16, enquanto Scherer, aquele que representaria os interesses curiais. Nem um nem outro.
Mais uma vez, a Igreja Católica demonstra que seus caminhos são insondáveis. A escolha de Bergoglio é certamente uma ruptura na tradicional escolha de papas europeus. Mostra que a instituição religiosa se atenta para os desafios globais, que se avolumam.
O olhar se volta para o hemisfério sul do planeta, onde se encontra a maioria dos católicos e também aqueles mais necessitados materialmente. Um arcebispo jesuíta latino-americano, que escolhe ser o papa Francisco. Nenhum outro cardeal na história bimilenar da igreja escolhido como papa usou esse nome.
Saúde frágil
Giovanni di Pietro di Bernardone (1182-1226), o São Francisco de Assis, viveu para testemunhar o Evangelho na sua radicalidade. Anunciou Jesus com palavras, mas sobretudo com ações, dando em testemunho sua própria vida, simples e humilde. Filho de uma rica família, deixou as regalias da burguesia ascendente para viver no meio dos pobres.
A dúvida que resta nessas primeiras horas do novo pontificado é se o nome foi escolhido tendo como referência Francisco de Assis ou Francisco Xavier (1506-1552). Xavier, espanhol de Navarra, foi um dos pioneiros da Companhia de Jesus fundada por Inácio de Loyola (1491-1556) e é considerado o grande evangelizador da Ásia.
Não seria um risco dizer que Bergoglio, como pastor da igreja de Buenos Aires, mescla os dois carismas. Como contumaz defensor da caridade e da ajuda aos pobres, Bergoglio, porém, não provém de correntes progressistas do catolicismo argentino nem tem vínculos, o que era de se esperar, com a Teologia da Libertação.
Com grande sensibilidade política, entrou em choque com os governos Kirchner. Néstor Kirchner o via como o “verdadeiro representante da oposição”. Reagiu fortemente contra a legalização do casamento homossexual na Argentina e foi tido como “inquisidor” pela presidente Cristina.
De personalidade simples e discreta, entende que a atividade ordinária da igreja é a missão. Falando sobre a evangelização num de seus discursos antes da eleição, afirmou que se “deve evitar a doença espiritual de uma igreja autorreferencial” e que “se a igreja permanece fechada em si mesma, autorreferenciada, envelhece”. Sinal de que está disposto à escuta, necessidade premente da igreja universal.
Sua aparição na sacada da Basílica de São Pedro, terminado o conclave, chamou atenção por reação contida e discreta. Mas suas palavras deixaram claro a que veio. Relembrou o papa emérito e pediu aos milhares de fiéis na Piazza di San Pietro uma oração por ele. Humildemente, exortou a todos para que rezassem por ele e fez referência a um “caminho de igreja que nós começamos”.
Com 76 anos e saúde frágil, a questão que resta é se o seu papado terá o tempo necessário para concretizar as intuições que inicialmente desperta.
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Rodrigo Coppe Caldeira, historiador, é professor do departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas e autor de Os Baluartes da Tradição (Editora CRV)