Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma Igreja ‘pobre e para os pobres’

Foi inspirado por uma frase do cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes que o argentino Jorge Maria Bergoglio escolheu o nome como seria conhecido como Papa: Francisco. Quando ficou clara sua eleição, Hummes, que estava sentado ao seu lado no conclave, o abraçou, beijou e disse: “Não se esqueça dos pobres.” No primeiro encontro do Pontífice com milhares de jornalistas, muitos com suas famílias, Francisco incentivou a imprensa a contar a verdade e disse ainda que gostaria de uma “Igreja pobre e para os pobres”.

Foi o próprio Papa que relatou a influência do amigo no primeiro minuto de seu Pontificado. Ele rompeu, em parte, o sigilo do conclave ao descrever, com a simplicidade que promete marcar o seu Papado, o que aconteceu:

– Vou contar uma história para vocês. Nas eleições, eu tinha ao meu lado o arcebispo emérito de São Paulo e cardeal Cláudio Hummes, um grande amigo. Quando as coisas se tornavam um pouco perigosas, ele me reconfortava. Quando os votos chegaram aos dois terços, ele me abraçou, beijou e disse: “Não se esqueça dos pobres.”

Explicando a escolha do nome, o Papa contou as brincadeiras ao ouvir as sugestões de outros cardeais:

– Muitos me disseram que eu deveria me chamar Adriano por ser um verdadeiro reformador ou Clemente, para me vingar de Clemente XIV, que aboliu a Companhia de Jesus (1773) – disse o Papa, o primeiro jesuíta a assumir o comando do Vaticano.

Ele traçou a linha que pretende adotar em seu Pontificado:

– Francisco é um homem de paz, amor, que protege a criatura. Ah! Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres – disse, sendo muito aplaudido.

Para o vaticanista Paolo Rodari, a declaração é um forte sinal de mudança:

– Nesses últimos dois dias, com seus gestos e palavras, o Papa está fazendo a Igreja voltar às suas origens – analisa.

“Em silêncio”

Acostumados com a rigidez dos rituais da Santa Sé e a timidez do Papa Emérito Bento XVI, os jornalistas foram seduzidos logo nas primeiras palavras de Francisco. Para uma imprensa que vinha sendo duramente criticada pelo Vaticano por chamar a atenção para os escândalos de pedofilia e corrupção que sacudiram a Igreja, o Papa surpreendeu ao elogiar o trabalho da mídia. Ele se levantou da cadeira e, de pé, começou dizendo que “o papel da imprensa cresceu muito nos últimos tempos, se tornando indispensável”.

– Vocês trabalharam muito, hein? Trabalharam mesmo – brincou, arrancando risos.

Depois, ele estimulou a imprensa a “contar a verdade”. Falando de improviso, disse:

– Faço um agradecimento especial a vocês, pelo bom trabalho que fizeram nos últimos dias.

Ele reconheceu que não é fácil explicar a dinâmica da Igreja. A Igreja – frisou – “não tem uma natureza politica, mas essencialmente espiritual”. E acrescentou:

– O trabalho de vocês exige estudo e conhecimento, como em qualquer profissão. Mas vocês têm o compromisso de divulgar a verdade. Isso nos torna muito próximos, pois a Igreja quer comunicar exatamente isso: a verdade, a bondade e a beleza.

No meio dos jornalistas, o seminarista colombiano Ivan Navarro se emocionou e não parava de dizer “incrível, magnífico”. O Papa cumprimentou alguns vaticanistas escolhidos pelo serviço de imprensa do Vaticano. E até afagou e benzeu o cachorro de um deles, que é cego. Entre os que falaram com o Papa estava Giovanna Chirri, da agência de notícias Ansa, a primeira a anunciar a renúncia de Bento XVI.

– Estou emocionada. O seu discurso e o seu modo me impressionaram muito – disse ela.

Mas foi para a jornalista e amiga Virginia Bonard, que colabora com a Arquidiocese de Buenos Aires e trabalha para publicações religiosas, que o Papa abriu os braços, estampando um grande sorriso, visivelmente feliz com o presente que recebeu dela: a cuia do mate argentino com a bomba de metal para beber.

– Acordei de manhã e pensei: o que vou dar para o Papa? Dei a ele a minha cuia. E agora vou ter que explicar para o meu marido que dei também a bomba dele – contou.

Ele encerrou o encontro com os jornalistas reconhecendo que ali havia muitos não católicos. E, em sinal de respeito, abençoou a todos.

– Vou dar a benção em silêncio, em respeito à consciência de cada um.

O Vaticano anunciou que Francisco não fará alterações nos altos funcionários da Cúria “até que seja decidido o contrário”. O Papa também divulgou que almoçará no próximo sábado com o pontífice emérito Bento XVI, em Castelgandolfo.

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Deborah Berlinck e Fernando Eichenberg, do Globo na Cidade do Vaticano