A crença na sobrevivência do papel como meio para transporte de informação caiu no fundo do poço. Devem existir muitos donos de jornal, inclusive, que não acreditam mais nela. O assunto já pode ser trazido para uma adaptação da lei de Murphy: se ninguém mais acredita que algo pode dar certo, com certeza não dará certo. Temos mais é que nos preparar para as perdas que advirão com o fim – adotemos um nome genérico – da imprensa.
Os detratores do papel parecem estar certos. Quem determina a sobrevivência ou a morte de um produto ou de um serviço é, em última instância, o consumidor ou, digamos assim, quem paga pelo benefício. Nem sempre ele é racional ou usa a balança para pesar perdas e ganhos. Pensa mais nos ganhos – ainda que ilusórios – e faz a substituição. Que se dane o mundo porque eu não me chamo Raimundo.
Vejam o que fizeram com os cinemas (refiro-me às salas de cinema, os locais físicos onde comparecíamos para ver filmes): embora comecem a voltar aqui e ali, ilhados em centros de comércio ou shopping centers, como queiram, foram de uma vez simplesmente destruídos pela televisão e seus VTs, CDs e DVDs. E isto sem que tivessem inventado algo que nos proporcionasse, ao menos de longe, a sensação fascinante de ver um filme na tela grande e com a sonorização de uma sala de cinema. Era como se estivéssemos sentados no topo do mundo e em condições de acompanhar uma história, um drama, uma aventura ou uma comédia, que se desenrolava em nossa frente, como se atores e atrizes quisessem nos reverenciar. A sala de cinema era puro deslumbramento.
Corretoras imobiliárias aproveitam mal a web
Vemos filmes hoje em ambientes domésticos, em telas menores, com som de qualidade relativa, submetidos às interferências de crianças, às vezes de cães e gatos, ou dos mais velhos que cismam de fazer piadas diante das cenas picantes ou densas. Isso também é cinema? É difícil admitir que seja, mas é. Tem também os seus poucos atrativos.
Eu já não consigo defender o papel a meus interlocutores de rotina, amigos, jornalistas, filhos, parentes próximos ou distantes. Ninguém mais me permite. Nem me deixam falar e disparam as críticas impiedosas de sempre: “Suja as mãos; a internet tem tudo; a qualidade dos jornais e revistas tem caído como um viaduto.” E por aí vai… O jornalista Luciano Martins Costa, em seu comentário radiofônico reproduzido em texto por este Observatório, deu o tom do pessimismo que parece ser endêmico no planeta: “O mundo das grandes tiragens de papel ficou para trás: hoje, uma venda real de 200 mil exemplares sustenta a ilusão de que jornais têm valor como mídia publicitária e as agências de publicidade são cúmplices nessa farsa, porque o desmanche do modelo também torna sem sentido seu negócio tradicional.”
Não consigo dizer que não vejo o problema assim. O papel preserva uma grande parte de sua carga publicitária porque continua a ser eficaz na venda de produtos ou mesmo no posicionamento de marcas e empresas, através da publicidade institucional ou legal. Não fosse assim, a web bastaria para a venda de imóveis, por exemplo. As corretoras, que aproveitam mal a eficácia da web, ainda dependem muito dos jornais para alcançar grande parte de seus resultados.
“Isto é verdade ou é coisa da internet?”
Mal sabem os desesperançados que a maioria das informações organizadas, tratadas, hierarquizadas que encontramos na internet é fornecida pela velha e “desprezível” imprensa. Enquanto o papel estiver de pé, teremos essas informações disponíveis na internet de modo organizado, ainda que tenhamos de pagar por elas a partir de agora. No dia em que o papel desaparecer vão desaparecer também essas informações. Até agora, a web não conseguiu remunerar com adequação o trabalho – dispendioso – de captação, processamento e edição de informações de qualidade.
O computador aposentou a antiga máquina datilográfica com vantagens extraordinárias. A tecnologia digital de captação de imagens já aposentou grande parte das antigas películas de acetato e introduziu no mundo da fotografia uma flexibilidade de produção e uso que causa espanto. Parece-me evidente que as tecnologias digitais, a despeito de todas as vantagens a ela atribuídas na distribuição de informações, ameaçam aposentar o papel com a preservação de muito menos benefícios. O melhor dos mundos na distribuição de informações seria aquele em que o universo digital apenas subsidiasse ou complementasse o papel em seu mister de oferecer à sociedade aquela dose hierarquizada de informações que a rigor todos deveríamos consumir diariamente. Como, ao que parece, a fórmula ideal torna-se a cada dia mais inviável, a previsão dos especialistas, no mundo inteiro, é de que o jornalismo vai piorar muito antes de voltar a melhorar. Talvez o papel possa desaparecer agora para reaparecer lá na frente dentro de novos modelos de negócio, assim como aconteceu com as salas de cinema.
A internet é um meio que já nasceu sob regime anárquico e sem a menor credibilidade. Já nos habituamos a perguntar: “Isto é verdade ou é coisa da internet?” A credibilidade do papel, seu caráter documental, seu poder de “tornar pública” a informação, vão, evidentemente, desaparecer junto com ele. Também desaparecerá essa enorme flexibilidade de uso – o jornal, você leva para onde quiser e para ler não precisa dispor de tela de computador, de sinal de satélite, de cabo, de energia elétrica, a menos que a pessoa queira ler o jornal à noite.
Contra a correnteza
Ler uma notícia na tela de um computador é um exercício no mais das vezes cansativo, especialmente para os leitores mais idosos, com vista cansada. Ler o jornal costuma ser um exercício agradável pelo desvendamento que proporciona.
O jornal agrupa as informações e a web as espalha. E difícil imaginar que a web consiga emular o mesmo senso de hierarquia. Vejo, contudo, que é impossível lutar contra a correnteza que ameaça levar o papel para o bueiro. Rezemos para que os chamados publicadores acordem de sua letargia e tenham tempo de estruturar novos negócios no mundo digital antes de perderem os negócios antigos que foram extraordinariamente lucrativos.
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Dirceu Martins Pio é jornalista, consultor em comunicação corporativa e autor do livro Caminhos Seguros para o Empreendedor, escrito em parceria com Pedro Cascaes Filho