Em sua edição nº 748, a revista CartaCapital publicou uma oportuna reportagem de capa intitulada “É hora de pensar diferente”, em que aborda a legalização das drogas ilícitas em geral e da maconha em particular. Segundo a matéria, assinada por Willian Vieira, “a liberação das drogas afetaria mortalmente o narcotráfico e, por extensão, bancos dedicados à lavagem de dinheiro e à máquina da corrupção policial e política. A mais provável consequência seria, portanto, a redução da violência e o controle mais eficiente do consumo”.
De acordo com a publicação, a guerra às drogas, apanágio da política proibicionista, não surtiu o efeito esperado. Não diminuiu o número de usuários e, em contrapartida, contribuiu peremptoriamente para o crescimento da violência: “O modelo repressivo se mostrou um fracasso redundante. Só os Estados Unidos gastaram mais de um trilhão de dólares na guerra às drogas nos últimos 40 anos. […] Desde o recrudescimento da guerra ao tráfico em 2006, financiado por Washington, 60 mil mexicanos morreram no conflito. […] [No Brasil] as cadeias estão abarrotadas, a repressão ao usuário aumenta. As drogas continuam a atormentar a sociedade.” Não obstante, a guerra às drogas também é utilizada para escamotear as intervenções estadunidenses em outros países (Plano Colômbia, Iniciativa Mérida), para a ocupação militar das favelas brasileiras e para a coação policial contra jovens pobres (principalmente negros). “Com tanto poder nas mãos do policial, houve um aumento sistêmico da corrupção, uma inversão de papéis entre juiz e policiais. Entre os casos de prisão por tráfico, a maioria tem como prova basicamente o testemunho policial e não envolvem contexto violento”, afirma o defensor público Leandro de Castro Gomes.
O paradoxo da repressão
Segundo a reportagem de CartaCapital, nos países que tiraram o consumo de drogas da esfera criminal houve uma expressiva queda do número de usuários e de mortes por overdose. “A descriminalização permitiu a aproximação dos dependentes do sistema de saúde”, argumenta Ilona Szabó de Carvalho, fundadora da Rede Pense Livre. Na Holanda, onde o consumo de maconha em locais regulados pelo Estado é permitido, há uma separação entre o mercado de maconha e o de drogas pesadas, o que vem a evitar que usuários da erva se exponham à cocaína e à heroína. Em Portugal, nação que liberou a posse de drogas de forma geral para uso próprio, o número de viciados em heroína diminui e os índices de criminalidade e de presos caíram drasticamente.
Por outro lado, Damon Barret, diretor do International Center on Human Rights and Drug Policy, sugere legalizar drogas leves como a maconha, equiparando sua regulação ao álcool e ao cigarro. Elas seriam taxadas e o dinheiro, revertido para projetos de saúde. Já o estudo “After the war of drugs”, realizado pela instituição estadunidense Transform Drug Policy, propõe formas de regulamentação da produção e da distribuição, como a venda em farmácias e sob prescrição médica. Assim, o Estado teria total controle do mercado, o que permitiria, de acordo com a matéria de CartaCapital, asfixiar o tráfico, financiar a redução de danos e projetar programas de saúde. Nesse sentido, um recente projeto do Executivo uruguaio visa a legalizar o consumo de maconha e estatizar sua produção e distribuição.
Ademais, está demonstrado cientificamente que a maconha é menos letal do que várias drogas lícitas. Desse modo, é paradoxal permitir o consumo de tabaco ou álcool e reprimir o uso de maconha. É extremamente controverso assistirmos diariamente nos principais telejornais várias reportagens que apontam inúmeras mortes relacionadas direta ou indiretamente ao consumo desmedido de álcool e, durante os intervalos desses mesmos programas, depararmos com campanhas publicitárias que incentivam e glamurizam o uso de bebidas alcoólicas.
Ataque à liberdade individual
Enfim, como se pôde constatar no decorrer deste breve texto, não há argumentos plausíveis para a proibição das drogas, tampouco há razões lúcidas para incentivar o seu uso. A proibição do consumo de drogas não está fundamentada em argumentos científicos e realistas, mas fomentada a partir de um pseudo-moralismo e de fortes interesses políticos e econômicos. “Como o uso de drogas não lesa o Estado ou um bem jurídico de terceiros, não seria passível de criminalização”, concluiu a matéria de CartaCapital.
No caso da maconha, por exemplo, impedir alguém de escolher entre fumar ou não uma erva que é utilizada há milênios, ação esta que traz possíveis prejuízos somente à própria pessoa, é um grave ataque à liberdade individual. Cabe a cada um decidir o que é melhor (ou pior) para si. Em última instância, é um crime ambiental determinar arbitrariamente que a cannabis sativa, vegetal que está no planeta há mais tempo que o homo sapiens, tenha cerceado seu direito à existência.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG