Uma revolução mundial avança como um ciclone envolvendo a humanidade direta e indiretamente. Internet – é o seu nome. O assunto parece novo, mas é apenas a continuação de uma história que nasceu com o homem. Quando o homo habilis criou a primeira ferramenta tosca para rasgar a caça, ele ainda engatinhava marcando os primeiros sinais da natureza evolutiva.
Da revolução neolítica aos tempos atuais, todas as grandes descobertas são prenúncios de grandes desafios. O ciberespaço surge trazendo o mesmo arrebatamento ante cada achado ao longo da história, tal qual a “magia” entregue aos homens por Gutenberg, que facilitou a fascinante viagem ao mundo contido no livro. E o “feitiço” denominado ondas do rádio, que provocou à humanidade o mesmo deslumbramento com que hoje assistimos à conexão dos cérebros de ratos que se encontram em diferentes continentes.
Quando, mais que brevemente, a humanidade se comunicar por emissão de sinais de cérebro para cérebro, estaremos também criando grandes possibilidades para sérios problemas com a ampliação do crime. Descobertas são remédios com efeitos colaterais – assim como tudo na vida, apresentam sempre dois lados. A relação do homem com tudo isso é o que vai dar, ou não, sentido ao termo evolução. Em A Galáxia Internet, Manuel Castells apresenta conclusões formuladas por investigadores acadêmicos: “A expansão da internet está conduzindo o indivíduo a um isolamento, uma ruptura da comunicação social, porque os indivíduos se refugiam no anonimato e praticam uma sociabilidade aleatória, abandonando a interação pessoal cara a cara em espaços reais, se baseando em identidades simuladas e em jogos de papéis”.
Laços fraternos
A internet é um ambiente ao qual seria impossível a expansão se não houvesse a criação de ferramentas funcionais. Portanto, antes mesmo de tentar entender se esta “explosão” mundial é positiva ou negativa, o próprio assunto elege Steve Jobs como grande colaborador para esta “ruptura da comunicação social”, contudo, gestada por Monteiro Lobato, visto que a citação descreve o que pode também se referir ao “mergulho” na leitura de um livro, de um romance – instrumento precursor desta “identidade simulada” e destes “jogos de papéis”. A diferença é que o livro permite que tudo aconteça dentro da cabeça e a Internet entrega autonomia para agir aos que, antes guiado por apenas um provedor – o autor da obra –, agora se fazem personagens e coautores.
Quando, referindo-se à internet, Manuel Castells menciona que “novos e seletos modelos de relações sociais substituem formas de interações humanas limitadas territorialmente”, surge aqui uma referência que pode ser aplicada perfeitamente ao código Morse, ao serviço postal, aos telefonemas, às mensagens de telex, à transmissão radiofônica. Em especial, as telenovelas “incitam as pessoas a viverem suas próprias fantasias e a fugir do mundo real”.
Eis que, na grande rede, a interatividade e a instantaneidade são os pontos que se apresentam como diferenciais categóricos – despertam a sensação de que o espaço físico acompanha o clique em tempo real e, portanto, destaca a Internet como promotora do grande encontro da humanidade, posição exatamente oposta ao “isolador de indivíduos”. É, ainda, afirmação muito sensata quando Wellman diz que “a internet está sendo utilizada até para redefinir as relações familiares numa sociedade na qual os seus membros estão experimentando novas formas familiares”. Porém, isto se contrapõe a outra citação no mesmo texto: “A composição do núcleo íntimo da sociabilidade parece depender dos poucos laços familiares que sobrevivem.” Este entendimento perde força ao se analisar o quadro das relações familiares que se revigoram por ramificações e modificam o próprio conceito do termo família, na concepção tradicional. O que antes era definido por família nuclear, hoje se estende a meio irmão, coirmão, madrasta, padrasto, enteados, múltiplos avós que criam vínculos e laços fraternos em famílias recasadas.
Identidades simuladas
O que ainda se sustenta por “poucos laços” são os pré-julgamentos formulados a partir do olhar pelo retrovisor, baseados em ideias prontas, alheias a estes novos comportamentos que se estabelecem pela comunicação e reconstroem as sociabilidades. Não é que, este movimento promovido pela Internet, apesar de constante e veloz, venha anular a importância dos ancestrais, mas puxa para o centro, cada vez mais, a história como comprovante da inquietação do homem na busca por novos desafios. Entretanto, o fio condutor aponta para o futuro num convite sem alternativas, para que novas adaptações abracem um estado de transição que parece perseguir o infinito. Desse mesmo pressuposto, surge o julgamento de que, neste ambiente virtual, onde todos assumem o legítimo papel de comunicador, a incumbência do jornalista torna-se descartável.
Sobre isto, Pierre Lévy vem abordar que as benesses da desintermediação vão de encontro com os riscos de se estabelecer “verdades oficiais”, e afirma não ver o pluralismo como risco de desinformação e mentiras, mas uma oportunidade às vozes minoritárias. O autor encontra garantias de autenticidade das informações publicadas nesta grande página, no fato de que a quase totalidade dos documentos é assinada. Ele argumenta: “Uma notícia não é verdade apenas por ter sido anunciada na televisão”, e vai além, constituindo a mais perfeita das relações, quando traz para o mesmo patamar jornalistas e professores, ao proferir que “um saber não é garantido apenas por ser ensinado na universidade”.
Depois de o ministro Gilmar Mendes comparar o jornalista ao cozinheiro, que apesar da nobreza, dispensa qualquer esforço intelectual para exercer a profissão, eis que surge a ideia de que o ciberespaço põe em xeque a atividade dos mestres – este ofício, indiscutivelmente cerebral que contribui para despertar consciências e provocar o debate – elementos indispensáveis para o desenvolvimento intelectual e social. O aporte conquistado por longos anos de carreira, as pesquisas científicas e os experimentos são agora rebaixados em favor de opiniões aleatórias. Seguindo esta mesma linha de pensamento, em xeque também estão o médico, o farmacêutico, o músico, o poeta, o escritor que concorrem com aqueles que se autenticam pela abertura do ambiente tão propício às identidades simuladas e aos jogos de papéis.
Criador e criatura
Quando se fala de notícias, automaticamente se fala do trabalho de um profissional, que usa a técnica e a ética que compõem a finalidade do jornalismo. Fala-se da função de quem investiga, não para entregar a ideia pronta, mas para apresentar fatos, o que não bloqueia vozes opositoras e divergentes e nem tira dos acontecimentos o caráter de processo, de aberto aos comentários. É neste estágio que a ágora do ciberespaço favorece o pluralismo intrínseco.
Quando Johannes Gutenberg deu os primeiros passos no caminho da multiplicação das mensagens, talvez nem imaginasse que estava também criando a necessidade de alguém para gerir dados, como forma de complementar a finalidade da criação – profissionais que dominem a técnica e a fidelidade do dizer.
Mas, falando da inteligência associada, Pierre Levy contesta, com um fio de ironia, o que julga “pretensão de que os cientistas são dotados de espírito crítico e os mortais comuns precisem de informações pré-digeridas”, e então, ele exacerba que isto “pesa contra a democracia, contra a liberdade de imprensa e demonstra tratar os cidadãos como menores isolados”. Neste apelo, que confunde liberdade de imprensa com liberdade de expressão – visto que, a imprensa é a própria geradora das ditas “informações pré-digeridas” – ao descredenciar o trabalho científico, o criador se volta contra a própria criatura e abre lacunas para questionamentos sobre a autenticidade das pesquisas que embasam o próprio argumento.
Mais um “foco de corrupção”
Se, aos jornalistas, cientistas e pesquisadores nada comprova desenvoltura, surge aqui a reflexão sobre o desempenho das vozes diversas que, de mãos dadas com a liberdade, com a rapidez e com a abertura, atuam na grande página, onde uma vírgula mal colocada pode distorcer o sentido da frase para produzir sentenças formuladas pelo amadorismo. Isto evidencia, mais uma vez, os benefícios sociais promovidos por esta revolução comunicacional que chega como processo seletivo, exigindo a atuação de profissionais, a especialização e a capacidade para as adaptações aos novos tempos.
Em evidência, o recente “estouro” do caso Gabriel Chalita revela onze inquéritos que acusa o deputado federal da prática de corrupção, lavagem de dinheiro e ainda de farsa na publicação de livros, dos quais ele assume a autoria. As acusações, além de destruírem a vida política do deputado, eliminam a possibilidade de ele ocupar o cargo de ministro do governo Dilma, para o qual acumulava grandes chances e suprimem o renome de autor de 65 livros filosóficos, inclusive algumas obras trazem parceria com figuras de credibilidade social, como padre Fábio de Melo.
A notícia foi lançada não só pela mídia que estampa imagens de Gabriel Chalita e do delator, mas nas redes sociais onde as opiniões se propagam. Entre as acusações se apresentam os elementos de crítica para mais um “foco de corrupção” que vem à tona. Por outro lado, a defesa adverte quanto à predisposição da inveja, na vida de pessoas com tantos atributos para o sucesso; alerta para que sejam investigados os interesses escondidos na ação do delator e ainda argumenta a falta de provas.
O banho semântico das mensagens
Em casos assim, a investigação cabe ao Ministério Público. E a apuração dos resultados, a quem cabe? Certamente a internet vai continuar aberta a publicações de toda ordem. Qual profissional se faz necessário para apresentar os fatos à população que, desatenta à necessidade do legítimo processo de ajuizamento, prejulga e dá a sentença? Há de se argumentar que, tornou-se comum a transferência do poder de julgar quando a própria mídia expõe personagens vestidos pelo sensacionalismo. Mas, é exatamente este, o processo de triagem.
Ao expor conteúdo de todos os níveis, o ciberespaço surge como o grande suporte – a ferramenta que, tal qual a criação de Gutenberg, traz a necessidade de profissionais qualificados para organizar o entrelaçado de informações e, portanto, só vem corroborar a internet como instrumento que apadrinha os legítimos profissionais e, ao invés de anular o ofício do jornalismo, o fortalece. Luiz Egypto explica isto: “A indústria do jornalismo precisa perceber que a salvação da lavoura está naquilo que é sua função precípua: fazer jornalismo” (ver aqui).
Limitada é a ideia de que “no ciberespaço a totalidade dinâmica da sociedade é irrepresentável”. Quais seriam os efeitos ao se empregar esta afirmação à representação política e científica, eleitas para organizar a sociedade? Em meio ao caos das manifestações humanas, surgem as leis e os profissionais para se instalar a organização. Assim acontece também, em meio à chuva de documentos, neste espaço de relação da humanidade consigo mesma, se faz necessário o legítimo jornalismo, visto que a desordem das informações pode anular o banho semântico pelo qual as mensagens se alimentam ao se entrelaçarem.
A ferramenta e a matéria-prima
Existe certa lógica no pensamento de Martínez Albertos que classifica a tecnologia como lesiva à cultura. As excessivas facilidades de acesso a dados de toda qualidade podem contribuir para o risco de estar se criando a geração do “copia e cola” de conteúdos que se emaranham e perdem o sentido para navegadores que vagam de página em página, fazendo leituras superficiais. Assim, como quem abre um grande livro e vai olhando páginas desordenadamente sem a menor possibilidade de entender o contexto. Assim, como quem pega um lápis para escrever frases desconexas; como quem usa uma enxada para partir um bolo à mesa. O livro, o lápis, a enxada e a tecnologia são ferramentas de apoio, a produção vai depender do utilizador.
Luiz Egypto percebe esta nova situação como uma extraordinária janela de oportunidades para o jornalista dar sentido à confusão de dados gerada pela internet. Esta afirmação se fortalece pelos registros da IDC – International Data Corporation –, que mostram que só em 2012 o Big Data foi em torno de três zettabytes/segundo de dados. Isto equivale a uma pilha de DVDs com altura superior à distância da Terra a Marte. Ou seja, têm em mãos a ferramenta e a matéria-prima, mas falam de uma crise vasta e complexa do jornalismo. Ou do jornalista?
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Rosimeire Morais é estudante de Jornalismo, Goiânia, GO