Após as repercussões do boato (21/5) sobre a extinção do programa Bolsa Família, a presidenta Dilma Rousseff encara a tentativa de desfazer a agitação causada pela notícia na mídia do país. Confusões imensuráveis surgiram a partir do momento em que “alguém” distribuiu pelas redes sociais uma falsa notícia de que o programa seria suspenso. A real identidade do tal propagador de boatos somente será conhecida após uma séria investigação da polícia federal.
Importante se faz mencionar que atualmente são as novas mídias, como o Facebook e o Twitter,que muitas vezes são utilizadas como fonte única de informação. A comunicação, por consequência, assume cada vez mais uma superficialidade e efemeridade nunca antes vista. Sem referências, embasamento ou respaldo, as informações ganham caráter superficial e nada científico.
No que concerne ao boato e à confusão por ele causada nota-se que o que estava em jogo não era somente o valor financeiro dado a cada uma destas famílias envolvidas, mas a constituição do papel paternalista e assistencialista representado pelo governo no momento da decisão da “doação” de tais benefícios. Ficou evidente que a confusão não poderia ter sido maior, pois estava em jogo a figura do mito criado em torno de nossa presidenta por aquelas pessoas que arquitetam eximiamente planos para preservar a integridade e manutenção do sistema, e de seus cargos, e que, consequentemente, conscientes de seu poder ou não, proporcionam um campo bastante amplo de possibilidades de manipulação do imaginário individual e coletivo.
O líder que se mantém
Há que se notar que a figura do mito presidencial como um representante maior do poder do Estado está atrelada à criação e manutenção de ideias e ideologias que não são facilmente reconhecíveis pelas pessoas comuns, sem conhecimento específico ou prévio. Não que exercer este poder simbólico seja somente negativo, pois já é sabido que para a perpetuação da organização das sociedades ou culturas existe a necessidade de organização e de se fazer necessário e insubstituível.
Roger-Gérard Schwartzenberg, teórico e político francês, discute em seus trabalhos sobre as relações entre mídia x poder e sobre o “Estado Espetáculo” enquanto colaborador para reafirmarmos a importância da espetacularização e teatralização. Ambas as relações contribuem para validar os papéis propostos pelos personagens que compõe a estrutura social e neste caso também a política. É necessário pensarmos que as declarações dadas pela presidenta Dilma, de que o programa Bolsa Família seria “sagrado”, “forte, profundo e definitivo” contribuem para reafirmarmos a personificação de seu papel social.
Para Schwartzenberg, existem mitos que são compostos pela construção de personagens que representam o “herói”, o “homem ordinário (common man)”, o “líder charmoso”, o “nosso pai” ou “a mulher política”. E é claro que estas representações são necessárias para a manutenção do poder. Não somente a manutenção como também a alternância e a substituição de seus titulares de maneira organizada e sistemática a partir do emprego de símbolos e atitudes previsíveis. Sendo assim, presenciamos o nascimento da figura do líder que se utiliza destes parâmetros e símbolos para se manter e reafirmar seu poder.
“Comentário inocente”
Nossa presidenta, com todo o respeito, talvez se enquadre na representação do personagem common man, cuja figura personifica a ordem, o homem comum, o típico cidadão, ou a “mulher gerente”. Logo se distancia, em função de seu pulso firme, da mulher/mãe – concebida para substituir o personagem do herói do povo, nascido de família humilde que surge com astúcia para conquistar o grande público, perceptível na figura sugerida pelo ex-presidente Lula. Ou então talvez ela se enquadre na representação da “mulher política” que consegue ressignificar papéis mais autoritários, próprios do universo masculino e vincular a imagem da mulher dominadora, forte, ou da dama de ferro, como a própria Margaret Thatcher.
Para que esta estrutura governamental circular e altamente rotativa de poder funcione termos que presenciar alternâncias de sucessões. Contudo, estas relações são muito previsíveis se levarmos em conta o parâmetro de “Estado Espetáculo” cujas interpretações estão também baseadas em organizações teatrais onde cada membro social assume seu papel e o representa adequando-se a lógica da promoção da ilusão. Portanto, o poder, assim como qualquer representação ou máscara social que possamos criar, somente corrobora para entendermos os engendramentos e constituições sociais.
Por isso, pode-se pensar que a fala da presidenta Dilma está carregada de referências simbólicas que contribuem para a manutenção do sistema e organização da desordem e do caos que poderia vir a se estabelecer a partir daquele episódio. No discurso de retomada da situação ela se utilizou de uma linguagem clara, firme e eficiente para apaziguar os ânimos dos mais exaltados cidadãos.
E se a ideia de que existem campos opostos altamente influenciáveis manipulando o imaginário em busca de poder talvez se valide a afirmação da ministra Maria do Rosário para a Folha de S.Paulo na terça-feira (21/5) de que os boatos podem ter sido criados pela oposição com o objetivo de enfraquecer o governo em busca do caminho para a reeleição. Entretanto a oposição sentiu-se ofendida e vai buscar na justiça explicações da ministra sobre o “comentário inocente”.
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Tatiana Romagnolli Peres é estudante e pesquisadora do mestrado em Comunicação Visual da Universidade Estadual de Londrina