Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A construção da realidade dos evangélicos no Brasil

Este artigo é fundamentado na dissertação de mestrado “A revista Veja e a construção da realidade dos evangélicos no Brasil: uma análise do discurso”, (SANTOS, 2011), gestada a partir dos estudos de graduação em Jornalismo da autora. Esta pesquisa busca entender como o jornalismo praticado na revista Veja participa do processo social de construção da realidade, por meio do tratamento às notícias referentes ao tema “Religião”, mais especificamente, como o periódico destaca fatos e temas referentes ao segmento cristão evangélico.

O estudo não objetiva “julgar” como certo ou errado o procedimento das diferentes correntes religiosas do segmento cristão brasileiro ou mesmo do jornalismo que as reporta, mas sim, avaliar como tem sido realizada a cobertura jornalística de um tema caro à cultura brasileira que é a religião por um periódico dos mais conceituados e lidos no país. Por isso, para se estabelecer um comparativo, e verificar se há um tratamento diferenciado ao noticiário de outros segmentos religiosos as abordagens sobre o cristianismo católico-romano serão igualmente analisadas.

Importa destacar que o Brasil é um país marcado pela religiosidade. Desde as origens indígenas, passando pela colonização portuguesa e pela inserção das religiões dos escravos africanos e dos povos imigrantes, o Brasil se tornou um país plural do ponto de vista religioso. O predomínio é cristão e católico romano, dado o passado da colonização, porém o crescimento do segmento evangélicoem larga escala nacional nas últimas duas décadas, nunca visto no país, obrigou os meios de comunicação, em especial os jornalísticos, a abrirem cada vez mais espaço para a cobertura desse fenômeno social.

A revista Veja foi escolhida como objeto dessa análise por ser atualmente a revista semanal mais antiga no Brasil e por ser a quarta maior publicação do gênero “revista semanal de informação” em maior circulação no mundo (atrás de Time, Newsweek e U.S News)e a maior do Brasil com tiragem superior a 1,2 milhão de exemplares e 812.000 milhões de leitores brasileiros, sendo 86% de assinantes [fonte de pesquisa: site Veja, “Midia Kit – Circulação e Cobertura“].

Ao longo dos quarenta e dois anos do periódico, Veja adotou slogans como: “A revista mais lida e comentada do Brasil”, “Os olhos do Brasil”, “Indispensável”, “Quem lê Veja entende os dois lados” e “Veja, indispensável para o país que queremos ser”. Estes slogans confirmam a construção da imagem da revista semanal como portadora de um jornalismo que vai além do diário.

De acordo com o site da revista Veja, 74% dos leitores pertencem às classes A (28%) e B (46%), enquanto que 26% são da classe C (23%) e D (3%). Torna-se claro que o leitor Veja, por pertencer às classes A e B e ser composto na sua maioria por assinantes, o jornalista estabelece um contrato de comunicação com seu leitor, onde se propõe:

“ser a maior e mais respeitada revista do Brasil. Ser a principal publicação brasileira em todos os sentidos. Não apenas em circulação, faturamento publicitário, assinantes, qualidade, competência jornalística, mas também em sua insistência na necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil”. A missão da editora Abril é ainda mais reveladora dos propósitos de Veja: “A Abril está empenhada em contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento, para o progresso da educação, a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa e o fortalecimento das instituições democráticas do país” (BENETTI, 2010).

Eurípides Alcântara diretor editorial da revista Veja declara em entrevista à revista Imprensa [revista Imprensa, edição de janeiro/fevereiro de 2009], que“O grande fenômeno é a fidelização. Para isso, é preciso um ‘covenant’, um acordo não falado, entre nós e nossos leitores, o que nos mantém sempre num patamar alto. Não trair o seu leitor é mais importante do que as questões mais técnicas. Se você perde o laço de confiança com o seu leitor, começa a definhar”, e na sua concepção “O editorial de Veja é baseado em independência, confiabilidade e compromisso com o leitor” (BENETTI, 2010).

A técnica aplicada é a de Análise do Discurso, com base no método qualitativo, visando explorar, entender e descobrir a forma como a revista Veja reporta as igrejas evangélicas. O corpus definido são as nove matérias de capa que destacam o segmento evangélico durante 42anos de circulação do periódico (1968-2010) [fonte de pesquisa: http://veja.abril.com.br/arquivo.shtml] que totalizam 2197 edições da revista Veja. O corpus é composto pelas edições: 683, 1130, 1415, 1421, 1502, 1555, 1758, 1964 e 2126, mas, para se estabelecer um comparativo quanto à abordagem sobre outros segmentos cristãos, um mesmo número de edições que destacaram o Catolicismo Romano foram analisadas: 663, 772, 1214, 1515, 1541, 1571, 1748, 1890 e 2008.

Com base na dissertação de mestrado, a hipótese norteadora é a de que a construção do material noticioso de Veja pelos jornalistas (desde a editoria até os repórteres) é parte de um processo amplo no qual estão inseridas formações culturais e imaginárias sobre a religião. Esta formação e os juízos de valor por ela criados geram nos indivíduos jornalistas, e, consequentemente no coletivo editorial, uma compreensão de “religião certa” e “religião errada”, “religião séria” e “religião falsa” o que gera, na cobertura de fatos sobre segmentos religiosos que se enquadrariam nas características negativizadas, nesse caso os evangélicos, levam à critérios de noticiabilidade fundados em destaques a escândalos e situações bizarras e à elaboração de um discurso noticioso fundado em “tom” irônico.

Os produtos noticiosos midiáticos levam o público a incluir ou excluir dos seus conhecimentos aquilo que a mídia inclui ou exclui do seu próprio conteúdo. Como consequência dessa seleção das notícias, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descobre, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos.

Importa reconhecer que o jornalismo é um lugar de circulação e produção de sentidos, com diversas interpretações, pois, a fala dos indivíduos inseridos no texto tem o poder de enaltecer, destruir, consagrar ou ocultar sujeitos, políticas, instituições. Baccega (1998) diz que a linguagem é reveladora dos fatores socioculturais e ideológicos, e que os produtos culturais, os discursos, os textos que circulam na sociedade são e estão carregados de intencionalidade e de sentidos.

Intencionalidades no discurso da revista Veja

Esse artigo busca entender como essa instância jornalística cria a identidade social dos evangélicos no Brasil, em função de suas subjetividades e perceber o efeito construído a cerca desse segmento. Para tanto, o olhar do jornalista descreve em categorias de conhecimento, mas em função dessa subjetividade, constrói categorias de crença. Segundo Charaudeau (2009), essas crenças regulamentam a forma quanto às práticas sociais, criando normas ideais de comportamento, por meio dos discursos produzidos pelos jornalistas, podendo ser interpretadas de acordo com um julgamento positivo ou negativo, de acordo com a ética ou com julgamentos estereotipados que circulam no imaginário social.

Por meio de um Protocolo de Análise (SANTOS, 2011) foram extraídos dos textos originais das 18 edições em análise, trechos onde foram identificados juízo de valor dos periodistas em relação às igrejas, aos fiéis e suas lideranças, ao observar os percursos figurativos estigmatizados que remetem ao seu imaginário, bem como adjetivos opinativos nas 18 edições em análise.

Ao analisar o corpus das dezoito reportagens sobre a religião cristã no Brasil, corpus citado anteriormente. A revista Veja publicou 19 matérias de capa sobre o catolicismo romano, de 1968 a 2010, (peso numérico que já oferece um indicativo), e como procedimento metodológico, o mesmo número de nove edições será estudado para o estabelecimento de um comparativo entre os dois segmentos cristãos. A amostra, selecionada compreende o mesmo período dos evangélicos, e para estabelecer igualdade de abordagem, as reportagens da Igreja Católica.

Por meio de um Protocolo de Análise, (SANTOS, 2011) foram extraídos dos textos originais das 18 edições em análise, trechos onde foram identificados:

>> O uso de adjetivos opinativos;

>> O juízo de valor do periodista ao observar os percursos figurativos estigmatizados que remetem ao seu imaginário;

Adjetivos Opinativos: Igrejas evangélicas e Igreja Católica

De acordo com Eduardo Martins, o texto noticioso deve limitar-se aos adjetivos que definam um fato (noticioso, pessoal, próximo etc.) evitando aqueles que envolvam avaliação ou carga elevada de subjetividade. As matérias opinativas, em que o jornalista tem maior necessidade de recorrer aos adjetivos, é recomendável cautela com “adjetivos fortes” que inevitavelmente induzirão o leitor a opiniões definitivas sobre algo ou alguém. A adjetivação constrói um discurso que tende a qualificar às igrejas evangélicas, suas lideranças e fiéis de forma negativa, reforçando o imaginário religioso do jornalista a cerca dos evangélicos.

Estabelecendo um comparativo, quanto a forma de retratar às igrejas evangélicas e a Igreja Católica, nota-se os adjetivos opinativos empregados aos evangélicos enquanto igrejas: “barulhentas, grotescas, gigantescos, belicista, quadrilha”. Já para a igreja Católica lê-se “imperial, garbosa, carismáticos”.

Quando se referem aos líderes, os evangélicos são vistos como: “agressivo, ladinos, beócio, pregador ardoroso e carismático, fanático, inimigo, todo-poderoso, impávido, espertalhões, desqualificado, boçal, vítima, pitoresco, réu, quadrilha”. Os líderes católicos são retratados como “alvo esplêndido, inatingível, vulnerável, intocável, valentia, risonho, pastor, político, grandiosa, resplandecente, autoritário, direto, indelével, incontestável, fino, paternal, monarca absoluto, executivo, presidente, grande, cristalino, absolutista, pontífice, infalível, esclarecidos, incisivo, poliglota, desembaraçado, esportista, jovialidade, papa-atleta, religioso, ortodoxo, inquebrantável, incontestáveis, apóstolo, milagreiro, rei, superior, carisma, paterno, heroica, pervertido, santo, professor, bonito, alto, forte, fenômeno”.

Por fim os fiéis evangélicos são qualificados como: “exóticos, descamisados, incautos, fanático, ordeiro, trabalhador, humilde, fiéis fundamentalistas, analfabetos, privilegiado, pobres, ricos, crédulos, descrentes, doentes, despossuídos, desesperados”. Os fiéis católicos são adjetivados como “rebanho, abastados, ricos, pobres, miseráveis, boia-fria, retirante, sem-terra, ovelhas desgarradíssimas, medíocre, elegantes, desvalidos, rebanho estrelado, elegante, garbosa”.

De acordo com o contexto em que cada edição está inserida de modo geral, percebe-se claramente que os jornalistas dão tratamento privilegiado à Igreja Católica qualificando-a de acordo com valores hegemônicos, de forma coerciva perpetua ao longo de décadas o imaginário de uma Religião superior. Isso pode ser lido na edição 2017 [edição 2017 em 18 de julho e 2007, esta não figura no corpus de análise dessa pesquisa, mas consta neste trabalho para exemplificar o posicionamento religioso da revista Veja], em que a jornalista Adriana Dias Lopes, reafirma o posicionamento do papa Bento XVI de que a Igreja Católica é a Religião oficial e que “bancar as madalenas enganadas não passa de jogo de cena dos cristãos não-católicos. Afinal de contas, em mais de 2.000 anos de história, a Igreja Católica nunca relativizou essa posição”, diz empregando seu juízo de valor em detrimento às outras religiões.

Elementos figurativos

Charaudeau (2009, p.46) denomina os percursos figurativos, como representações do imaginário do jornalista, de acordo com suas crenças e percepções-construções, que ele estabelece com a realidade, ou seja, as representações construídas com uma organização de imagens mentais, reproduzidas de seu imaginário.

“(…) os atores de um determinado contrato de comunicação agem em parte através de atos, segundo determinados critérios de coerência, e em parte através de palavras construídas, paralelamente, representações de suas ações e de suas palavras, às quais atribuem valores. Essas representações não coincidem necessariamente com as práticas, mas acabam por influir nelas, produzindo um mecanismo dialético entre práticas e representações, através do qual se constrói a significação psicossocial do contrato” (Charaudeau, 2006, p. 73).

Charaudeau (2009) diz que na produção de um discurso, pode estar refletido na identidade e nas intenções do jornalista e daquele a quem este se dirige. Esse discurso gera um sentido que é construído no ato de informar onde descreve fatos identificando e qualificando-os; conta os fatos reportando os acontecimentos e explica-os fornecendo as causas desses fatos e acontecimentos.

Os jornalistas ao produzir as notícias participam de um processo que Charaudeau (2009) denomina de transação, em que o jornalista segue parâmetros hipotéticos sobre a identidade do outro (receptor), como saber, sua posição social, seus interesses entre outros. É o contrato de leitura sendo estabelecido e nesse processo de transação circulam saberes que um detém e o outro desconhece.

O saber do jornalista é carregado de subjetividades, portanto não pode pretender transparência, neutralidade ou factualidade. Portanto o saber é o resultado de uma construção humana que descreve o mundo de acordo com seus conhecimentos construindo categorias de crença e a atividade discursiva pode descrever, contar ou explicar os fatos a serem produzidos.

Elementos figurativos sobre Igrejas e líderes evangélicos

Elementos Figurativos: Igrejas e líderes

Edição Igrejas Evangélicas – Igrejas e líderes
683
07/10/1981
“happenings pentecostais”, “animadores de auditórios”, “cantores obscuros”
1130
16/05/1990
 
“igrejas barulhentas”, “televangelização”, “protestante novo e agressivo”, “curandeirismo”, “culto do absurdo”, “pastores ladinos”, “ilusionismo coletivo”, “aroma de guerra santa”, “seitas evangélicas”, “cultos eletrizantes”, “glórias terrenas”, “seita exorcista e milagreira”, “falsos líderes”, “exorcismo”
1415
25/10/1995
“bispo beócio”, “pregador ardoroso”, “carismático”, “retórica belicista”, “seita fundo de quintal”, “animadores de um show”, “manipuladora”, “apelos frenéticos”, “exploração da miséria”, “sumo sacerdote pentecostal”, “explorara boa fé dos humildes”, “mártir do cristianismo”, “hipocrisia dos fariseus”, “siderar fiéis”, “agência de cura”
1421
06/12/1995
“animam multidões”, “todo-poderoso”, “fanático”, “pronto-socorro espiritual”, “agência de cura”, “seita na paisagem brasileira”
1502
02/07/1997
“épicos bíblico-hollywoodianos”, “milhões de figurantes”, “novos apóstolos”, “canastrões”, “parábolas de sofrimentos abissais”, “glórias e prazeres indizíveis”, “conquista de almas”, “fanatismo”, “espertalhões”, “desqualificado por boçal”, “cultos estridentes”, “perua de Deus”
1555
15/07/1998
“cultos frenéticos”, “Bíblias surradas”, “Babel das religiões”
1758
03/07/2002
“império evangélico”
1964
12/07/2006
“performances exorcistas”, “superpregadores”
2126
19/08/2009
“organização criminosa”

 

Elementos figurativos sobre fiéis evangélicos

Elementos Figurativos: Fiéis

Edição Igrejas Evangélicas – Fiéis
683
07/10/1981
“exóticos”, “vidas apagadas”, “crentes”
1130
16/05/1990
“crentes que incomodam”, “incautos”, “imensa massa de descamisados”, “colocados a margem da modernidade e do progresso”, “massa empobrecida”, “miseráveis”, “ovelhas negras evangélicas”
1415
25/10/1995
“crente fanático”, “soldados xiitas”, “demônios dos crentes”, “soldados xiitas”, “ignorância dos fiéis”
1421
06/12/1995
“população marginalizada”
1502
02/07/1997
“gente humilde”, “vítima”, “preconceitos pitorescos”, “fundamentalistas”, “legião de miseráveis”
1555
15/07/1998
“vidas tortas”, “exército da fé”, “legião de convertidos”
1758
03/07/2002
“Globetrotter”, “crentes pobres”, “pobres e ignorantes”, “maracutaias”
1964
12/07/2006
Nenhuma ocorrência
2126
19/08/2009
“ricos e pobres”, “crédulos e descrentes”, “doentes”, “despossuídos e desesperados”

 

Elementos figurativos sobre Igreja Católica e seus líderes

Elementos Figurativos: Igrejas e líderes

Edição Igreja Católica – Igreja e líderes
663
25/05/1981
“Bispo de Roma”, “Vigário de Jesus Cristo”, “príncipe dos apóstolos”, “Sumo pontífice da Igreja universal”, “Patriarca do Ocidente”, “Primaz da Itália”, “Arcebispo”, “metropolita”, “Soberano”, “Servo dos servos de Deus”, “papa”, “papa-atleta”, “apóstolo”
772
22/06/1983
Não há ocorrência
1214
25/12/1991
“cura gordo”, “preguiçoso”, “de batina engordurada”, “politicamente conservador”
1515
1/10/1997
“peçonha luterana”
1541
8/04/1998
“performance eletrizante”, “padre carismático”, “padre surfista”, “telepastores”
1571
04/11/1998
“fenômeno do catolicismo”, “líder de audiência”, “rei da homilia”, “boa-pinta”, “megaespetáculos”, “celebridade”, “estrela no altar”, “megamissas”
1748
24/04/2002
“pedófilos de batina”, “excentricidade”, “alta hierarquia Igreja”, “comportamento pervertido”, “sacerdotes”, “batina”, “cardeal”, “superior”, “pedofilia no sacerdócio”, “assalto indecente”, “diocese”, “cúpula católica”, “pedofilia na sacristia”, “pedofilia de batina”, “ofensas sexuais”, “sacristia”, “padre hippie”, “avanços sexuais indevidos”, “mulher do padre”, “papa”, “prelados”, “catedral”, “calvário da Igreja”, “pontificado”, “reinado”, “comportamento pervertido”, “distúrbio de preferência sexual”, “mulher do padre”
1890
13/04/2005
“dignatários”, “poderosos cardeais”, “papa”, “grandeza ímpar do morto”, “Santo, santo, santo”, “monarca”, “querido papa”, “papado”, “portador do carisma”, “força divina”, “o grande”
2008
16/05/2007
“vaticanista”, “papa”, “professor”, “teólogo treslocado”, “missionários”, “anel de pescador”, “pontífices”, “santo 100% brasileiro”, “papas mais amados”

 

Elementos figurativos sobre fiéis católicos

Elementos Figurativos: Fiéis

Edição Igreja Católica – Fiéis
663
25/05/1981
Não há ocorrência
772
22/06/1983
Não há ocorrência
1214
25/12/1991
Não há ocorrência
1515
1/10/1997
“Povaréu”
1541
8/04/1998
“fina flor da sociedade”, “carismáticos”, “socialites”, “rebanho de convertidos”, “nata do PIB brasileiro”, “ricos e pobres”, “elegantes e desvalidos”, “rebanho estrelado”
1571
4/11/1998
“plateia”, “milhares de pessoas”, “fiéis”, “milhões de almas”
1748
24/04/2002
“grupo de manifestantes”
1890
13/04/2005
“um milhão de almas”, “oceano de gente”, “massa”, “multidão”, “mar de gente”
2008
16/05/2007
“massas”, “fiéis”, “ovelhas desgarradas”, “rebanho menor”, “poucos e bons”, “pequena comunidade de fiéis”

 

Teoria do Imaginário

Os jornalistas ao produzirem uma notícia, imprimem suas subjetividades com julgamentos pessoais, já na escolha de qual informação que seu público receberá. Outros fatores que têm que ser considerados são a cultura profissional da categoria, a política e linha editorial da empresa de mídia; o prazo de fechamento das reportagens; os fatores políticos, econômicos e sociais; a relação dos repórteres com as fontes e com o público, elementos que oferecem indícios de seu imaginário e posicionamento ideológico.

A Teoria do Imaginário, baseada no pensamento de Cornelius Castoriadis e Michel Maffesoli, afirma a existência de um imaginário coletivo, e que “o imaginário é algo que ultrapassa o indivíduo, que impregna o coletivo ou, ao menos, parte do coletivo” (SILVA, 2006).

Grossi (1985, 384) define o profissional de jornalismo como um especialista na construção da realidade social com rotinas cognitivas, esquemas interpretativos e de significados. Esse profissional especializado detém relativa autonomia na produção de textos criando estilos, ideologias normativas, que o legitimam. Maffesoli (1996 apud BARROS, 2008), diz que o sujeito cede lugar à pessoa, pois, uma pessoa conforme a raiz etimológica da palavra, veste máscaras ou apresenta diversas facetas que, apesar de distintas, são incorporadas por uma mesma individualidade.

A ideologia constitui-se nessas facetas, num conjunto de ideias, que não se distanciam do imaginário.Porém, para compreender o imaginário, que agrega imagens, sentimentos, lembranças e experiências, que os indivíduos (jornalistas) e grupos sociais (comunidade discursiva) tem do mundo, dos seres que o compõem, da imagem que fazem de si mesmos e dos seus valores, depende de como “o outro” (leitor) aceita, admite e acredita na auto-imagem construída. Essa via de mão dupla, na construção da identidade, pode ser associada ao contrato de comunicação onde o leitor, “aceita” a produção do jornalista.

Compreender qual é o imaginário do jornalista, revela-se um desafio tanto quanto o de responder “Quem somos?”, “O que queremos”. Cornelius Castoriadis (CUNHA, 1997) diz que respostas a esses questionamentos identificam como os indivíduos e os grupos sociais são constituídos e quais as imagens que eles têm do mundo, das sociedades e a imagem que fazem de si mesmos e ao responder esses questionamentos é estabelecida a ideia de identidade.

É nesse contexto que um dos questionamentos dessa pesquisa busca resposta em como se dá a construção de sentidos sobre a identidade social dos evangélicos e se o imaginário desses jornalistas determina a construção desses sentidos. Castoriadis diz que a construção da identidade é compreendida e produzida com referência no “outro”, em como aceitam e acreditam na auto-imagem construída, bem como a imagem que os outros constroem sobre o indivíduo (CUNHA, 1997).

Castoriadis diz que todo segmento social tem uma representação de si, ou seja, um imaginário. Os jornalistas têm uma imagem sobre si, seu papel social e sua identidade como formador de opinião e é cercado de mitos acerca de sua profissão como o quarto Poder [segundo Traquina (2005: 46), a expressão é empregada pela primeira vez em 1828 por um “deputado do Parlamento inglês, McCaulay, que um dia apontou para a galeria onde se sentavam os jornalistas e os apelidou o ‘Quarto Poder’ (tradução do termo inglês fourth estate)”]. Além disso, trazem consigo suas próprias concepções do outro e do mundo que o cerca.

Michel Maffesoli afirma que o imaginário é uma realidade em entrevista concedida a uma revista acadêmica e afirma que “o imaginário é uma aura, uma atmosfera, um estado de espírito que caracteriza um povo, um grupo social, uma comunidade e só existe imaginário coletivo (como um inconsciente social)” (SILVA, 2001).

Maffesoli afirma que imaginário de um indivíduo corresponde ao imaginário do grupo no qual está inserido, bem como o estado de espírito de um país etc. O sociólogoafirma que “a imagem não produz o imaginário, mas ao contrário, a existência de um imaginário é que determina um conjunto de imagens”. O imaginário é racional, mas pode ser potencializado por elementos lúdicos, afetivos, imaginativos, irracionais e por fantasias que constroem as imagens, trabalhando a argumentação, persuadindo e seduzindo. Portanto o imaginário imprime emoção por meio de mecanismos como recursos infográficos que ilustrem um fato noticioso, datas comemorativas, os heróis e mitos a serem noticiados e os ritos atualizados (SILVA, 2001).

Em resumo, o imaginário pode ser identificado de forma abrangente, que vai além da afirmação de Maffesoli sobre um conjunto de imagens construídas a partir dele. O autor traça outras características do imaginário como:

>> Uma força social, uma construção mental perceptível, porém não quantificável;

>> Um estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-nação, de uma comunidade;

>> Como promotor de vínculo, cimento social;

>> Como detentor de um elemento racional (assim como a ideologia), mas de também outros parâmetros como o onírico, o lúdico, fantasia, o imaginativo, o afetivo, o não-racional, os sonhos;

>> O imaginário não seria de direita nem de esquerda, pois estaria aquém ou além desta perspectiva moderna;

>> O imaginário atravessaria todos os domínios da vida e concilia o que aparentemente é inconciliável, por isso mesmo os campos mais racionais, como as esferas política, ideológica e econômica, seriam recortados pelo imaginário, que tudo contamina.

Ética e o ethos como critério jornalístico

Aristóteles, categorizou os meios discursivos em três, sendo o logos que compreende a razão, o convencer; o ethos que se insere o orador e o pathos que se refere ao público, ambos pertencem a emoção, sendo esses “demonstrações psicológicas”. O filósofo afirmaque no ethos discursivo, o orador deve mostrar seus traços de personalidade ao público, pouco importando sua sinceridade, para causar boa impressão.

Charaudeau (2008:220) reforça esse pensamento ao afirmar a noção de “tom”, que também foi proposta por Barthes a partir de Aristóteles, onde atribui ao ethos, que ele chama de “fiador”, de “caráter”, e de “corporalidade” subjetiva numa representação social, sendo que essa sociedade detém imaginários coletivos construídos para si. Pode-se dizer que o ethos do jornalista apoia-se em um imaginário corporal e moral. Portanto, o jornalista imprime no texto “o modo de dizer que está associado a uma maneira de ser desse sujeito”. Faz-se necessário analisar a forma de dizer e como é associada a sua forma ser.

O imaginário desses profissionais pode ser identificado, observando-seseus signos verbais, para então, identificar como se dá o processo de construção de notícias, identificando o ethos dos jornalistas e suas significações onde são produzidos os sentidos.”O jornalista, deixa marcas de ideologia, convicções políticas-religiosas em sua produção e cria seus textos a partir de dados extraídos de seu ethos e de seu pathos. Essas convicções vão encontrar um eco, uma ressonância ou uma similitude entre os colegas da redação” (MACHADO, 1998).

Para Maingueneau, o jornalista demonstra seu ethos, no texto que produz, ou seja, ele não fala de si explicitamente, porém, seu ethos aparece na imagem que ele constrói ao reportar um fato ou uma situação. “O dizer sem ter dito, possibilita a eficácia do ethos, seu poder de despertar a crença, a adesão: o leitor é levado a identificar-se com a fala do jornalista, a incorporar um modo de ver o mundo; é levado a habitar o mesmo mundo ético” (CAVALCANTI, 2008 p.173).

A imagem construída do jornalismo, vale-se de orientações profissionais onde Benetti (2010) define crenças sobre o jornalismo como sendo regido pelo interesse público e não pelos interesses da instituição em que o jornalista identifica um fato como relevante e suas fontes são confiáveis. Essas e outras representações jornalísticas tem espaço e oportunidade para afirmar que o papel que julga desempenhar ou que o outro acredite que ele desempenha.

As representações coercivamente constroem o ethos jornalístico, Lago (2002, p. 2 apud BENETTI, 2010) define como “um conjunto de disposições, percepções e valorações jornalísticas tem de si e do mundo, uma dimensão do hábitos que contém a auto-imagem, e nesse sentido orienta as representações”.

O ethos pode ser pré-discursivo ou discursivo (MAINGUENEAU, 2008). O pré-discursivo constrói histórica e socialmente a imagem do profissional, e sua ideologia na enunciação é marcante, possibilitando reconhecer quem fala, e Charaudeau chama esse elemento do contrato de comunicação como “condição de identidade”. No ethos discursivo o enunciador utiliza estratégias para evidenciar qualidades e modelar a interpretação do receptor.

Um discurso não é neutro e a língua não é o espelho da realidade, mas sim sua representação, Baccega (1998) afirma que todo texto apresenta, uma carga de produção do sentido (informações subentendidas), que na construção da notícia provoca efeitos de sentidos, que nem sempre estão explícitos no texto, porém, estão sempre em curso, entre os locutores, movendo-se e produzindo-se por meio de determinações históricas e sociais. Esses sentidos refletem situações exteriores e anteriores ao fato noticiado e estão diretamente ligados ao discurso produzido pelos jornalistas, com origens na sociedade, na cultura, na ideologia e no imaginário social desses profissionais.

Vale lembrar que essa pesquisa não objetiva julgar o direcionamento político das emoções a cerca do imaginário dos jornalistas, mas se faz necessário investigar a imprensa e descobrir marcas que identifiquem esse imaginário religioso dos jornalistas e como se dá a construção da realidade social sobre esse segmento religioso.

São duas as formas de interpretar a realidade dos evangélicos, que os jornalistas da revista Veja utilizam na construção das notícias que chegam ao público. O primeiro compreende que a mídia tende a construir uma realidade aparente, uma ilusão e o segundo é que a mídia manipula e distorce a realidade objetiva (DOELKER, 1982; ENZENSBERGER, 1972 apud RODRIGO ALSINA, 2009).

Segundo Baudrillard (1979 apud RODRIGO ALSINA, 2009) a imprensa produz uma simulação da realidade social e nessa perspectiva pode-se entender que a realidade transmitida pela mídia é uma construção, um produto de uma atividade especializada. Portanto a mídia é quem cria a realidade social.

Alsina alerta que a “construção social da realidade” se dá no quotidiano das práticas institucionais e essa construção legitima o jornalista como um porta-voz de realidades que determinam sua relevância.

Analisar o discurso de Veja é uma forma de explicar como a linguagem e as ideologias são articuladas, e como a ideologia evidencia os sentidos e os sujeitos que produzem os textos. Segundo Orlandi (1998 apud CHARAUDEAU, 2008), sempre estamos interpretando os sentidos e as ideologias expressas nas matérias jornalísticas.Por isso, Authier-Revuz (1982apud CHARAUDEAU, 2008)) afirma que um discurso nunca é homogêneo e podem ser encontrados no texto, fatores heterogêneos que promovem a presença de outros discursos e que se distinguem em heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva.

Authier diz que a heterogeneidade mostrada é visível nas citações, no discurso relatado, no uso das aspas, enfim, nos mecanismos capazes de gerar uma polifonia linguageira.A forma mostrada caracteriza-se pelo discurso indireto com citação sob as condições da situação de oralidade, não pela leitura das fontes, mas pela força da memória que introduz na sintaxe do texto falado as palavras de outros e o discurso direto fazendo uso de “aspas”, glosas (explicar, comentar, criticar, entre outras formas); por meio de figuras de pensamento como: Alusão [alusão – referência explícita ou implícita a uma obra de arte, um fato histórico ou um autor, para servir de termo de comparação, e que apela à capacidade de associação de ideias do leitor], Eufemismo [eufemismo – é o emprego de palavras ou expressões agradáveis, em substituição às que têm sentido grosseiro ou desagradável], Hipérbole [hipérbole – é o exagero na afirmação], Ironia [ironia – é sugerir, pela entonação e contexto, o contrário do que as palavras ou as frases exprimem, por intenção sarcástica. As reticências são a pontuação que mais evidencia um pensamento irônico ou sarcástico].

As figuras do pensamento, são uma subdivisão das figuras de linguagem, são recursos estilísticos para tornar nossa expressão mais contundente e impactar o leitor. O efeito que essas figuras provocam, tem origem no pensamento do jornalista.

A heterogeneidade constitutiva, por sua vez, não é marcada em superfície, porém, é definida na Análise do Discurso por meio da formulação de hipóteses, através do interdiscurso, ou seja, trocas efetuadas entre universos, espaços, e campos discursivos diversos, por meio do estudo das vozes. Nesta pesquisa, por exemplo, a identificação das vozes contidas nas reportagens de Veja, ajuda a avaliar a forma como os evangélicos são apresentados aos leitores do periódico. Já a análise do sentido se dá a partir de duas camadas: adiscursiva e a ideológica:

A camada ideológicacaracteriza-se pela fixação da ideologia de um conteúdo, pela impressão do sentido literal. O que se espera no discurso jornalístico, é a sua pluralidade de abordagens. Aqui residem os silêncios e o esquecimento, segundo Orlandi (2001: p.22) em consequência da subjetividade, da ideologia e do imaginário do jornalista, que apaga fatos que compõe a materialidade da linguagem e da história.

Comunidade interpretativa e Contrato de Comunicação

O termo comunidade interpretativa refere-se a um sistema ou contexto que produz consenso em torno da escolha da interpretação quando atribuída a um enunciado ou conjunto de enunciados. Maingueneau (1997) afirma que a comunidade interpretativa é caracterizada pelo posicionamento dos jornalistas, mesmo quando são concorrentes em um mesmo campo discursivo. Essa noção é extensiva a toda comunidade de fala restrita, organizada em torno da produção de discursos que pode ser de qualquer natureza: jornalística, científica e outras.

Os jornalistas que compõem essa comunidade tem sua identidade marcada pelo reconhecimento de seus membros, por meio de um contrato de comunicação, por eles implicitamente compartilhados. Ao produzirem conhecimentos, opiniões, valores, crenças, e pela maneira de dizer ou não dizer algo, jornalistas portam julgamentos e formam opinião junto à sociedade, porém, divergências são postas em segundo plano.

Ao relacionar estas dimensões que a Análise do Discurso traz para o estudo dos textos jornalísticos, Maingueneau (2008) diz que “a organização de homens e seus discursos são indissociáveis; as doutrinas são inseparáveis das instituições que a fazem emergir e que as mantém, e que essa hipótese refere-se aos grupos de produtores de textos.

Por isso é possível afirmar que na construção da informação há uma ligação entre quem produz e quem consome. Esse efeito de realidade se dá com um “horizonte social cognitivo”, existindo um convênio social onde os jornalistas encontram legitimidade ao informar, esse público consumidor, que tende a acreditar que o informado, é a verdade dos fatos (RODRIGO ALSINA, 2009).

O contrato de comunicação, denominado por Alsina como convênio social onde se pressupõe que as publicações jornalísticas e o seu interlocutor (leitor, ouvinte, telespectador, usuário, participante) tenham “cláusulas” de um “contrato” e que não é fundado num acordo explícito, porém revela uma série de expectativas mutuamente partilhadas que influenciam a produção e o consumo do discurso jornalístico (HERNANDES, 2006).

Greimas e Courtés (1979: 146 apud RODRIGO ALSINA, 2009), denominam o Contrato Social como “contrato pragmático fiduciário”, faz com que o enunciador tenha como pretensão fazer o destinatário crer que o meio de comunicação diz a verdade. Esse contrato pressupõe um fazer persuasivo e o (fato de dizer a verdade) por parte do destinador, resulta na adesão do leitor, acreditar na verdade do jornalista. O contrato fiduciário torna-se um contrato enunciativo (ou contrato da verdade), que garante o discurso-enunciado.

O contrato pragmático fiducitário da mídia é um produto de institucionalização e de legitimação do papel do jornalista. Da mesma forma que se estabelece um contrato social entre o jornalista e o leitor, pressupõe-se que há um contrato entre a comunidade interpretativa jornalística, estabelecendo uma relação entre si, onde se justifica a similitude quanto à forma de interpretar a realidade, e produzir as notícias, pois se essa comunidade compartilha um imaginário coletivo, esse por sua vez será recebido como verdadeiro (RODRIGO ALSINA, 2009: 230).

Intencionalidades na produção do texto: manipulação cognitiva

Van Dijk, ao definir ideologia e sua aplicabilidade em correntes cognitivas, diz que “a ideologia faz parte dos sistemas sociocognitivo das representações mentais, como as atividades dos grupos sociais (ai compreendidos os preconceitos) e os modelos mentais” (CHARAUDEAU, 2008 p. 269).

A compreensão do discurso está ligada a modelos, a objetivos pessoais, a objetivos estruturais, argumentos ou ideologias socialmente partilhadas. Na interação cognitiva entre memória episódica e a memória social é possível compreender muito mais do que está explícito no texto e a análise do não-dito pode ser tão reveladora como a do dito (VAN DIJK, 1993 apud CHARAUDEAU, 2008).

“Tende-se a apresentar de forma favorável o grupo a que pertença, enfatizando os seus traços positivos ofuscando os seus traços negativos; por outro lado, tende-se a apresentar o grupo de não-pertença de forma desfavorável, enfatizando os seus traços negativos e ofuscando os positivos. Essas apresentações operam-se por processos de vinculação semântica, de sugestão e de associação a que se juntam implicações ideológicas: interessa não só a quantidade do que se diz mas também a relevância ou irrelevância do que é dito.”

Conclusão

A construção do material noticioso de Veja é parte de um processo amplo no qual estão inseridas formações culturais e imaginárias sobre a religião, pode ser constatada por meio de marcas linguísticas, utilizadas pela instância midiática e em particular pelos enunciadores da revista Veja. As marcas recorrentes nas dezoito edições são: o juízo de valor, que pode ser constatado por meio de percursos figurativos que imprimem um “tom” pejorativo ao representar as igrejas evangélicas como seitas, entre outros juízos. Porém ao se estabelecer um comparativo com a representação da Igreja Católica nos textos do periódico, nota-se por parte dos jornalistas uma abordagem privilegiada.

A revista Veja por ser um veículo de grande circulação nacional, como os jornais, dá pouca ênfase à editoria Religião, mas quando esta é pautada, o que se observa é que se dá prioridade a escândalos financeiros, sexuais, políticos, entre outros, ou seja, carregadas de juízos de valor e adjetivadas.

Nessa perspectiva as religiões cristãs, católica e evangélica, foram matérias especiais de capa para sinalizar transformações na sociedade brasileira tanto num segmento, quanto noutro. No entanto, a religião católica foi reportada dezenove vezes, de acordo com a data de fechamento dessa pesquisa (dezembro/2010).

A falta de informações sobre Religiões ao produzir uma notícia, dificulta a interpretação e a contextualização, gerando notícias falaciosas e ou simulacros produzindo sentidos negativos, que podem gerar conflitos numa sociedade em que a religiosidade têm forte significado. Outros fatores são cruciais para entender como se processa o imaginário religioso dos enunciadores.

O que se observa nas nove edições analisadas, por meio de juízos de valor, dos percursos figurativos, dos adjetivos opinativos que determinam o pensamento dos jornalistas, a revista Veja produz convicções, crenças e percepções sobre a identidade social dos evangélicos no Brasil, como os fiéis são “ingênuos”, “enganados”, ou “passivos” diante dos seus líderes supostamente corruptos e charlatães. Já a Religião católica foi reportada de forma respeitosa e pôde ser analisada pelas mesmas marcas linguísticas que serviram de parâmetro à análise dos evangélicos. Muitas matérias legitimam a Igreja Católica como Religião oficial no Brasil, em detrimento as demais religiões brasileiras.

Esse comportamento midiático, em relação à editoria Religião, possibilita sua compreensão ao estudarmos as comunidades interpretativas. Elas mantêm uma coesão em sua cultura de redação, na qual estão envolvidos os repórteres, os editores, as fontes e os textos que produzem, um produto de diversas mãos. Esse conceito surge nos anos 80 e seus múltiplos sentidos são estudados por meio da análise do discurso nos anos 90. Para Maingueneau (2008) a comunidade discursiva é identificada, por meio da “ideologia”, da “teoria” e posso acrescentar por meio do “imaginário religioso” que os jornalistas compartilham por meio de sua produção.

Para compreender o discurso da revista Veja, o atual diretor de redação Eurípides Alcântara declara que, “Veja é grande, arrogante, diz o que pensa [entrevista concedida ao jornal Ponto Final e citada em artigo de Benetti (2010)]” e define a linha editorial do periódico ao afirmar que “A marca da revista […] é não se refugiar sob o conforto da imparcialidade. Veja tem e defende suas posições e princípios, sem rodeios. Veja acredita na democracia e na economia de mercado [entrevista ao jornal-laboratório Facha. http://www.facha.edu.br/publicacoes/jornallab/2008/maio/9a12.pdf]”. Vale lembrar que esse posicionamento da Editora Abril, não respeita uma cobertura plural, sobre Religião, num país com diversidade religiosa.

Com base neste estudo, portanto, é possível afirmar que os estudos em Comunicação devem ter em pauta permanente a compreensão do Jornalismo e da construção da notícia como um processo amplo, muito além da técnica, no qual as formações culturais e imaginárias tem um papel significativo.

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Eliana Motta é jornalista e mestre em Comunicação Social