Fundado pelo filósofo Jean-Paul Sartre no início da década de 1970, o diário Libération se afundou em ‘crise existencial’ nesta semana depois que seu principal editor foi convidado a se retirar do jornal. Símbolo da esquerda francesa, o Libé teve de se render ao poder do dinheiro que sempre esnobou. Bernard Lallement, um dos co-fundadores do diário junto com Sartre e com o agora demitido editor Serge July, resumiu a situação: afirmou que o jornal, que ‘sempre detestou dinheiro’, dessa vez ‘não pôde escapar da realidade econômica’.
July, de 63 anos, reuniu os jornalistas na manhã de terça-feira (13/6) para anunciar que o maior acionista do Libé, Edouard de Rothschild, havia pedido sua saída. Rothschild teria ameaçado não aplicar mais um centavo no jornal caso a publicação continuasse sob o comando de July.
O Libération foi forçado a aceitar a incomum parceria de Rothschild, oriundo de célebre família de banqueiros, no ano passado. Se sua circulação nunca passou dos 200 mil exemplares, a queda de leitores nos últimos anos tem sido acelerada. O Libé tem perdido seu público mais rápido que outros jornais franceses – também em crise. Em 2005, o jornal chegou a registrar prejuízos de 500 mil euros por mês.
Edouard de Rothschild, amigo do conservador e controverso ministro do Interior francês Nicolas Sarkozy, injetou 20 milhões de euros no Libé e adquiriu 37% do controle do jornal, tornando-se acionista majoritário. O investidor e July, ex-revolucionário maoista e veterano da revolta estudantil de 1968, nunca se entenderam. Há menções a um raivoso episódio entre os dois, num restaurante em Paris, depois do qual Rothschild teria pedido a cabeça do editor.
Tristeza e preocupação
‘Há um dominante clima de tristeza aqui’, disse um jornalista do Libération. ‘Mesmo que alguns criticassem o modo como o jornal era administrado, todos estão pensando agora no futuro dele. Serge July é o jornal e o jornal é Serge July. Isso parece a morte de algo, a morte do Libération como o conhecemos.’
François Wenz-Dumas, que representa o sindicato dos jornalistas franceses no Libération, afirmou que July anunciou sua saída ‘sob pressão’. Ele disse ainda que a equipe do jornal está ‘com muito medo’ de que a decisão venha a ter ‘sérias conseqüências’ ao Libé.
Os funcionários temem, mais do que tudo, que o Libération se torne um simples negócio. Já a possibilidade de que ele vire um jornal de direita não assusta tanto. ‘Eu acho que a linha editorial não vai mudar. Não faria sentido. Nós temos uma massa de leitores que está caindo, mas ainda existe’, afirmou um jornalista entrevistado pelo Guardian.
Situação difícil
A circulação total dos nove jornais franceses de alcance nacional é de 1,4 milhão, comparada aos 12 milhões de diários nacionais ingleses. Em 2004, o empresário do setor bélico Serge Dassault comprou o conservador Le Figaro. O Le Monde, comandado pelos funcionários, vendeu fatia de 15% em 2005 à companhia Lagardère, também com origem na indústria bélica. O Libé foi para as mãos de Edouard de Rothschild em abril do ano passado, e apenas no primeiro trimestre deste ano o jornal perdeu 2,5 milhões de euros. Informações de Angelique Chrisafis [The Guardian, 14/6/06].