Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Egito livre, mídia livre

Muitas questões já começam a ser especuladas alguns dias após a emocionante revolução popular do Egito. O que vai acontecer agora? A democracia está garantida? O povo venceu ou foi o regime que se preservou? Mubarak era apenas a parte visível de um governo militar que segue no poder? Como o ‘novo’ Egito se posicionará em relação ao Ocidente, Israel e países islâmicos? Dúvidas que necessitam de toda a atenção do povo egípcio e dos observadores internacionais. Outra análise que merece ser feita é sobre a importância do jornalismo.

No país das pirâmides, os profissionais da ‘pirâmide invertida’ foram fundamentais. A ditadura desvalorizava seu povo e desprezava o que o pensador Marshal McLuhan chamou de ‘aldeia global’, um mundo sem fronteiras. Entrevistado pelo jornal português O Público, o egípcio Ahmed Shamack, estudante de Engenharia de 21 anos, disse que a internet abriu o horizonte aos jovens: ‘As nossas mídias eram controladas pelo regime e eram mentirosas. Não nos falavam do mundo, não nos mostravam a verdade. A internet permitiu-nos ver que havia outras formas de vida. A internet fez-nos pensar.’

E foi pela internet que a revolução começou. O governo tentava minimizar os protestos dizendo que aquilo era coisa ‘dos jovens do Facebook’. De fato, foi no Facebook que a mobilização começou, mas a revolução tomou a sua dinâmica. ‘Olho em redor e não me parece que estas pessoas tenham uma página no Facebook’, diz o topógrafo Amin, de 31 anos. O médico Samy, 60 anos, desabafou ao repórter do Público: ‘Foram eles, os jovens, que fizeram isto. Olhamos para eles e vemos finalmente o que este país é. Estivemos cegos, incapazes, durante 30 anos. Este regime roubou-nos a nossa vida.’

O mito de que a TV perderá o interesse

A internet é uma ferramenta de comunicação cuja natureza exige um complemento ativo por parte de seu usuário. Pode ser de um para um, de um para muitos ou de muitos para muitos. É através dela que a cubana Yoani Sánchez dribla a censura de seu país para mostrar os efeitos da ditadura castrista. Também é pela internet que as vítimas das guerras pelo mundo contam o que sofrem. Foi igualmente pela Web que os moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, narraram o enfrentamento entre policiais e traficantes. Há inúmeros exemplos.

Mas as chamadas mídias ‘tradicionais’ também mostraram sua força na revolução egípcia. Se os meios de comunicação internos eram controlados pelo governo, os correspondentes internacionais trataram de contar ao mundo os motivos do descontentamento popular. Os jornalistas foram para as ruas do Cairo e muitos chegaram a ser espancados, como prova do perigo que representavam para a ditadura. A televisão mostrou o conflito. E isto teve um grande impacto! A televisão não é apenas uma tela com imagens. Trata-se, sobretudo, de refletirmos sobre a sua natureza social.

Estão errados os que falam em fim da televisão devido à internet. Como defende o investigador francês Dominique Wolton, a interatividade da TV não é a mesma da rede de computadores. Ela vem do momento em que temos com quem comentar o que vimos, na certeza de que muitos viram o mesmo e na mesma hora que nós. Daí a grande audiência dos telejornais, apesar de todas as qualidades da internet.

Há, também, outro falso mito: o de que a televisão generalista perderá o seu interesse. O que será da humanidade se cada pessoa for se informar apenas sobre as suas questões particulares – a lógica da internet? Quantos teriam buscado informações sobre o Egito se antes não tivessem sido bombardeados pela força da televisão nos conflitos na Praça Tahrir, no Cairo? Conheço um jovem, em Portugal, que só se ‘informa’ pela internet, busca diretamente o que lhe interessa. Não lê jornais ou assiste televisão. Foi um dos responsáveis pela abstinência recorde da última eleição presidencial em Portugal. Por quê? Porque ele não se lembrou que a eleição era no dia 23 de janeiro. O que Mubarak teria feito com os revolucionários egípcios se o mundo não soubesse o que estava acontecendo por lá?

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Jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação