A verdade é que, depois de acompanhar a campanha da senadora Heloísa Helena como candidata à presidência da República, a imprensa nem deveria mais se espantar ou falar do pioneirismo das governadoras eleitas. A presença das mulheres no Executivo começa a deixar de ser novidade, da mesma forma que elas já deixaram de representar um diferencial simplesmente porque são mulheres.
Mulheres em prefeituras são fatos antigos no Brasil. Era comum, especialmente nas pequenas cidades, herdarem o eleitorado e o cargo dos maridos. Quando começaram a disputar o governo municipal nas capitais tinham de apresentar cacife próprio, como foi o caso da prefeitas Luíza Erundina e Marta Suplicy, de São Paulo.
Governadoras já tivemos antes, como Roseana Sarney e Rosinha Garotinho – a primeira (agora derrotada) como representante do clã familiar, a segunda como herdeira do marido, que não podia disputar a reeleição.
A novidade agora é que, ao contrário das antecessoras, Yeda Crusius (RS) e Ana Júlia (PA) construíram suas carreiras a partir de uma longa militância e não por herança familiar.
Sem aval
Ana Júlia começou a carreira política como vereadora, foi a senadora mais votada do seu estado, mas não conseguiu se eleger prefeita da capital. Yeda Crusius era professora de economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul quando aceitou o convite de Itamar Franco para comandar a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República. Elegeu-se deputada federal por três vezes. Assim como Ana Júlia, disputou – e perdeu – a prefeitura da capital gaúcha.
‘É apenas o Rio Grande do Sul dando demonstração de confiança no projeto que colocou a condução nas mãos de uma mulher’, disse a governadora eleita do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, ao jornal O Globo (30/10/2006). ‘Isso honra a história do Rio Grande, que tem pessoas com opinião forte, pessoas que têm time, que têm partido e quem têm lado. Seremos a primeira [mulher] de uma série.’
‘Nossa vitória é fundamental para a governabilidade do futuro mandato do presidente Luis Inácio da Silva’, afirmou também a O Globo, na mesma edição, a governadora eleita do Pará, Ana Júlia Carepa.
O destaque dado às governadoras pela imprensa é justo. Mas, em vez de falar do pioneirismo delas, seria mais produtivo mostrar o que elas representam: um novo momento da participação feminina na política, do qual faz parte a candidata derrotada ao governo do Rio de Janeiro, Denise Frossard. Um tempo em que as mulheres vão à luta, sem ter o aval de maridos, pais ou clãs familiares. Mesmo Wilma de Faria, que pegou gosto pela política com o ex-marido – que foi governador do Rio Grande do Norte – faz questão de desvincular sua atuação à do ex.
Programas especiais
As novas governadoras e a reeleita Wilma Faria são mulheres casadas ou divorciadas, mães, donas-de-casa – mas são, principalmente, seres políticos. Têm uma biografia tão rica que não sobrou espaço na mídia para falar, como seria habitual, do seu modo de vestir, da cor ou do corte de cabelo que elas usam.
De Yeda Crusius, por exemplo, a única referência à vida pessoal que fez o jornal Zero Hora foi dizer que ela chegou ao comitê acompanhada do marido. Dito isso, ZH se concentrou em falar dos desafios que a nova governadora vai enfrentar para sanear a economia do estado.
Nem Yeda, nem Ana Julia, nem Wilma de Faria ganharam votos por ter, em sua plataforma, programas especiais para as mulheres nas áreas de saúde, creche ou empregos. Ganharam porque convenceram os eleitores que podem governar bem. Tomara que – como se diria no Sul – honrem as saias que vestem (ou que vestíamos antigamente) e justifiquem a esperança de que as mulheres podem governar tão bem ou melhor que os homens.
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Jornalista