Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Em busca da credibilidade perdida (2)

Há signos de credibilidade que teimam em permanecer apesar de seriamente confrontados ao longo da história da humanidade. Óculos e cabelos brancos, por exemplo, associados à sabedoria da maturidade até o início do século 19, quando perucas alvas eram de uso quase obrigatório, pois a velhice na época constituía uma fase cultuada. Daí surgiram os românticos, revolucionando esse absurdo e proclamando a juventude, inclusive com a morte precoce por idealismo ou paixão, outro exagero, como valor maior. Mas ainda hoje as Cortes mais austeras obrigam o uso das tais perucas e, também agora, século 21, as cãs sinalizam, para muitos, respeitabilidade e decoro. Como se os canalhas não envelhecessem. Por isso locutores de TV não tingem os cabelos.

Há quem ache até que a mecha grisalha de um deles evita que aparente um moleque de recados completo e acabado. Sua colega de bancada, num dia de falha de seu personal stylist, usou um enorme par de brincos na edição do telejornal que noticiou a morte de 200 iraquianos. Acessórios berrantes também fazem baixar a credibilidade de uma apresentadora, mas um casal, que constitui a fase germinal de uma família, é um outro signo contundente de credibilidade.

Fonte de neuroses a nível psíquico, sucesso de vendas nas áreas religiosa e midiática, a família permite que se desloque um sujeito da sua cadeira no cinema para instalar junto toda a prole: os filhos justificam os meios. Os locutores esportivos se enternecem ao ver criancinhas nas arquibancadas, longos planos louvam o convescote: quem vai sozinho ou com amigos aos estádios vira cidadão de segunda classe; o indivíduo por último, a instituição em primeiro lugar, diz a tradição.

O senador acossado desfila com sua esposa indulgente? Não, quem o acompanha é um signo de credibilidade, um recibo de homem de bem, um atestado de bons antecedentes. Como rezam as lições da ciência: a realidade, de caótica, passa, às vezes, a teledramatúrgica; a linguagem é que a organiza; signos são do reino da aparência, não da essência.

Mas há crédulos para todas a versões.

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Silvia Chiabai é jornalista, integrante da Rede Nacional de Observadores de Imprensa (Renoi)