São compreensíveis os ataques contra a imprensa proferidos pelos deputados condenados pelo Conselho de Ética. Compreensíveis, mas não cabíveis. O direito de espernear, replicar ou simplesmente acionar uma cortina de fumaça é facultado a qualquer cidadão.
Indevidas e impertinentes são as tentativas de colocar sob suspeição o único poder (excetuado o Ministério Público até agora pouco acionado) que desde maio de 2005 tem conseguido manter um padrão de desempenho razoavelmente satisfatório. Isto não significa que a imprensa mereça um atestado extensivo e irrestrito.
Suas falhas não são raras, não são irrelevantes e não passaram despercebidas, a começar pelo episódio inaugural desta temporada de escândalos – o vídeo da propina nos Correios – e terminando na divulgação da movimentação bancária do caseiro Francenildo Costa.
O evidente desequilíbrio entre o destaque conferido às acusações e o espaço concedido à defesa é um problema clássico e constrangedor da nossa imprensa, que em algum momento precisará ser encarado, de preferência através da consciência individual, antes de submetido ao escrutínio dos magistrados.
No entanto, as acusações contra a imprensa proclamadas por João Paulo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados no período em que o mensalão e o valerioduto funcionaram com a maior intensidade) são no mínimo pífias. Se no dia em que o seu caso foi julgado pelo plenário (quarta-feira, 5/4) os jornais tivessem usado a mesma ênfase e indignação manifestadas no dia seguinte ao protestar contra a sua absolvição, João Paulo Cunha estaria hoje amargando o merecido castigo.
‘Crítica sã’
O que chama a atenção nesta gritaria antiimprensa é que ela parte principalmente do PT, partido que no último quarto de século recebeu da mídia deferências muito especiais e decisivas. Este é um dado que não deveria ser esquecido.
Agora tenta-se promover o linchamento do conceito de Opinião Pública como se ela fosse uma entidade neoliberal, a serviço das elites e do imperialismo ianque contra os movimentos sociais etc., etc.
O primeiro a utilizar a expressão em língua portuguesa foi seguramente Hipólito José da Costa, o pai da imprensa brasileira, no primeiro texto da primeira edição do seu Correio Braziliense, o primeiro veículo jornalístico verdadeiramente livre a circular no Brasil e em Portugal (1º de junho de 1808, pp. 3-4)
‘…Longe de imitar só o primeiro despertador da opinião pública nos fatos que excitam a curiosidade dos povos, quero, além disso, traçar as melhorias nas Ciências, das Artes e n’uma palavra, de tudo aquilo que pode ser útil à sociedade em geral…’
A função dos ‘jornais públicos’ (como Hipólito diz pouco antes), não é apenas a de despertar a curiosidade da opinião pública para os fatos novos, mas oferecer-lhe os benefícios do progresso trazidos pelas ciências e artes. Estes benefícios situam-se claramente na área do conhecimento. Opinião Pública não é criação do Ibope, muito menos das escolas de comunicação. Não é uma figura de retórica, é produto do intercâmbio entre os ‘redatores das folhas públicas’ e a sociedade à qual pretendem servir com uma ‘crítica sã’ e uma ‘censura adequada’.
Colou, não colou
A imprensa não inventou a Opinião Pública – esta é que precisou reforçar o poder da imprensa para se proteger. Não é a imprensa que cria ou recria as línguas – quem tem este poder são os governos, em geral os arbitrários ou seduzidos pelo arbítrio, por isso engajados na distorção dos significados.
Nos três casos mais conhecidos de manipulação institucional da linguagem (a Inquisição, o nazismo e o comunismo soviético), não havia liberdade para contestar a engenharia semântica dos donos do poder.
A Opinião Pública, como território onde se processa a comunicação livre, não teme as simplificações. O neologismo ‘mensalão’ é fruto da criatividade popular, assim também o ‘valerioduto’ (filho do ‘propinoduto’ descoberto na Assembléia Legislativa fluminense).
Collorgate foi uma designação que apareceu na Folha de S.Paulo no dia seguinte à publicação pela Veja da entrevista com Pedro Collor, antes de qualquer providência judicial ou parlamentar.
Collorgate colou, Lulagate não colou. A Opinião Pública sabe escutar e discernir.
[Texto fechado às 23h06 de 10/4]