Os principais veículos jornalísticos brasileiros, congregados em torno das mega-associações que reúnem as mais influentes emissoras de rádio e TV, jornais e revistas do país, estão cumprindo, como se fosse de caso pensado, uma estratégia perigosa no que se refere às posições editoriais adotadas em relação ao Programa Nacional de Direitos Humanos, anunciado em dezembro, e à 2ª Conferência Nacional de Cultura, convocada para março. O mesmo comportamento pôde ser observado na cobertura que fizeram da Conferência Nacional de Comunicação, reunida em dezembro.
Claro está que essas iniciativas governamentais não são, em absoluto, imunes a críticas – muitas delas, aliás, justíssimas. O problema, para as organizações filiadas à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), é que o papel social desempenhado pela mídia é posto em relevo nos documentos produzidos tanto pelo Programa Nacional de Direitos Humanos como pelas duas conferências. Não poderia ser diferente numa sociedade que se quer democrática e em dia com seu tempo, e onde a mídia desempenha um papel central na vida dos cidadãos.
O simples fato de sentirem-se observadas e acompanhadas por qualquer organização da sociedade civil assanha os instintos de defesa das corporações de mídia. A alegação de volta da censura, controle social da comunicação e atentado à liberdade de expressão são os motes repetidos, reiterados e amplificados pelo oligopólio do discurso e da construção simbólica que essas organizações exercem no país.
Riscos relevantes
A estratégia escolhida é perigosa porque boa parte da argumentação das empresas colide com o que está disposto na Constituição em vigor. Não querem admitir, para ficar apenas em dois exemplos, que as concessões de radiodifusão sejam submetidas a algum tipo de regulação; nem que organizações independentes do Estado monitorem seu desempenho em relação ao compromisso inalienável que devem obrigatoriamente manter com as melhores práticas de promoção dos direitos humanos e valorização da cultura e da identidade nacionais.
O risco de insistirem nisso é que essa estratégia pode derivar para situações constrangedoras para o negócio, de um lado, e para a democracia, num plano maior. As organizações de mídia administram um bem público de alta relevância – a informação – e um direito geral da cidadania – o direito à informação. Devem saber, portanto, que sua credibilidade constitui importante e decisivo ativo empresarial a ser aplicado para incrementar a rentabilidade necessária à manutenção da independência editorial, que por sua vez reforça a credibilidade percebida pelo público consumidor de seus produtos jornalísticos. Romper esse círculo que se quer virtuoso pode resultar não apenas num movimento perigoso, mas suicida – o que é ruim para a democracia. Neste caso, então, será a treva.
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