A questão sugerida pelo título, suponho, tem, no mínimo a idade da imprensa. Todavia, segundo parece, séculos de discussão não aplacaram ainda os ânimos exaltados. Em ano de campanha eleitoral, debates, artigos, entrevistas e reportagens têm servido como prato novo o que não passa de comida requentada. É impressionante o acúmulo de retórica dirigida ao fato de se a mídia está (ou não) cobrindo as preliminares da campanha com isenção.
Antes de se entrar no tema específico a envolver o comportamento da mídia, cabe registrar que, afora os ofícios burocráticos, não há profissão liberal com desempenho absolutamente isento. Uma coisa é desejar isenção; outra coisa é exercê-la. Mais ainda se faz atravessar por contaminações tanto subjetivas quanto objetivas quem atua no campo da comunicação. O princípio é, em si mesmo, tão óbvio que causa estranheza o exaustivo (e quase artificial) debate em torno do tema. Afinal de contas, que acusações efetivas pesam sobre o processo de codificação dominante na mídia brasileira, no tocante ao noticiário político? Desconfio que o alarido em torno da manipulação da mídia seja maior que o ‘esforço’ desenvolvido pelos meios de comunicação em supostamente se valerem de estratégias subliminares.
Quem, porventura, se der ao trabalho de acompanhar a atuação da mídia venezuelana considerará o padrão brasileiro quase inócuo. Lá, não há sequer induções. Ao contrário, o texto é explicitamente antigovernista. Entre nós, quando a falta de isenção é maior, o resultado final (as matérias) é tão revestido de sutilezas que o efeito sobre o receptor médio é insignificante.
A prova do que se está pontuando se vê refletida nas próprias pesquisas. Ante o resultado que as pesquisas têm revelado, uma dedução é imediata: ou as pesquisas não traduzem efetivamente o senso comum das ruas, ou a suposta pressão da mídia não exerce, no eleitorado, o poder a ela imputado.
No primeiro caso, se manipulação há, não é da mídia, mas das pesquisas. No segundo caso, se há pressão da mídia, não se identifica a eficiência de induções. Assim sendo, não há maiores temores quanto à falta de isenção dos noticiários. Então tanta cobrança sobre a mídia é para quê? Diversionismo? Fantasmagoria desesperada?
A crença e a indiferença
Com base no quadro posto, fruto de fatos sucessivos que envolvem o Planalto desde o episódio de Waldomiro Diniz (13/2/2004), instalou-se, no imaginário eleitoral brasileiro, uma espécie de binaridade empobrecedora na qual a crença divide espaço com a indiferença. As duas faces são preocupantes – e a mídia, de certo modo, para isto está atenta – a partir do momento em que, contra o estado de crença, parece não haver oponente.
Num certo nível, é a atuação da mídia que procura expor e divulgar fatos políticos, seja o vasto noticiário a respeito dos números da economia, seja a torrente de ocorrências a demonstrar que a ética na política foi varrida por alguma devastadora tempestade. Em outros termos, a mídia contribui, a favor da democracia, para o fluxo de circulação de discursos contra a apatia e o desinteresse. Sob esse aspecto, é salutar que a mídia dê visibilidade a todas as ocorrências que, em escala governamental, possam ferir os interesses da coisa pública.
A intervenção dialógica patrocinada pela mídia colabora para temperar posições favoráveis e contrárias, sem cair nos clichês tradicionalizados pela polarização direita/esquerda, até porque, pelos atores em cena, tal conflito perde a razão de ser.
Que problema acarreta o estado de crença? A exemplo da esperança, a crença supõe a subordinação do imaginário ao vislumbre de um horizonte no qual nada o turva. Trata-se da pura delegação de caráter subjetivo que o eleitor repassa messianicamente ao escolhido. Há uma espécie de contaminação religiosa e apaixonada perante a qual a cegueira crítica e a anestesia interpretativa comandam a dimensão subjetiva. Já no âmbito da indiferença o que se situa é o perfil amorfo de quem se descarta de qualquer envolvimento com posições pró ou contra. Os dois perfis são problemáticos para a vigência do vigor democrático na medida em que, nos dois recortes, prevalece a quase total inércia argumentativa.
É exatamente função da mídia, a favor da democracia, tentar inibir o crescimento tanto da crença quanto da indiferença. A cegueira e a anestesia criam condições propícias para o alastramento de práticas deformadoras. Quem está criando graves desfalques na conta da democracia é a classe política, não a mídia. Esta, a rigor, com o que exibe fornece ao eleitorado a oportunidade de ele ver, rever e direcionar-se a uma escolha ou, até mesmo, movido por estado crítico-analítico, lavrar seu protesto pelo gesto da abstenção. O que importa, pois, é que sua decisão não seja conduzida nem pela cegueira da crença infantil nem pela indolência produzida por alguma anemia da razão.
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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)