A publicação de fotos tidas inicialmente como sendo do jornalista Vladimir Herzog preso e humilhado antes de sua morte sob tortura, no DOI-Codi do II Exército, há 29 anos, trouxe de volta uma questão que muitos imaginavam condenada ao esquecimento: a história tenebrosa da repressão política durante a ditadura militar.
Pretende-se que essa história – ou o que dela resta, pois é provável que parte dos documentos da época tenham sido destruídos – seja definitivamente enterrada, esquecida, assim como aqueles que foram alcançados pelo braço pesado da repressão, em confrontos abertos ou na escuridão dos porões onde se torturava e matava a sangue frio.
Esconder em arquivos as atrocidades cometidas durante os chamados anos de chumbo tornou-se, depois da publicação daquelas fotos, tarefa impossível e inglória.
Apesar dos arreganhos de setores militares resistentes à luz da democracia, é cada vez maior o clamor pela abertura dos arquivos da ditadura, não só porque isso é um direito das famílias dos mortos e desaparecidos, mas para que o País tenha pleno conhecimento da verdade histórica.O direito ao conhecimento da verdade não pode ser negado sob o pretexto de que se trata de revanchismo. Ocultar o passado não ajuda na construção do futuro que todos desejamos seja de paz e harmonia entre todos os brasileiros.
Ignorar as vozes em favor da abertura dos arquivos da repressão, entre as quais as de personalidades como o cardeal emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, é contribuir para que seja mantida a situação que favorece ações de verdadeira insubordinação, como o foi a nota expedida, ao que se disse, à revelia do comandante do Exército e do próprio ministro da Defesa.
A luz da verdade acabará por afastar os fantasmas do medo, das ameaças que geram crises e levam à acomodação, ao silêncio.
O caso Herzog, revivido com a publicação das fotos que afinal não eram dele, permanece como um poderoso símbolo de uma época sombria que não deve ser esquecida. A não aceitação da versão de suicídio, sustentada pelas autoridades militares da época, espantou o medo que impunha o silêncio que não cabe hoje, passados vinte anos do fim do regime militar.
‘Em nome da verdade’ foi o título de um documento que o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo encaminhou à Justiça Militar, em janeiro de 1976, três meses depois da morte de Herzog.Era um documento de extrema ousadia, naqueles tempos de escuridão. Contestava abertamente as conclusões do Inquérito Policial-Militar (IPM) mandado instaurar pelo comandante do II Exército, general Ednardo d’Ávila Mello, que sustentava a farsa do suicídio do jornalista na prisão. Subscrito por 1.004 jornalistas, o texto reclamava a completa elucidação dos fatos, ou seja, a busca da verdade que só viria a ser levada em conta três anos mais tarde, quando o juiz Márcio José de Moraes, da Justiça Federal de São Paulo, em sentença histórica, declarou a União responsável pela prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog.
Se isso foi possível em plena ditadura, por que não hoje? Em nome de que se mantêm em sigilo os documentos relativos a inúmeros outros casos ocorridos naquele período? Essas perguntas constarão de um documento que, a exemplo daquele escrito em 1976, reclama a verdade. Será veiculado a partir da próxima terça-feira, 16, no site do Observatório da Imprensa, dirigido pelo jornalista Alberto Dines, e estará aberto às assinaturas não só dos jornalistas, mas de todos os cidadãos que não se conformam com a ocultação da verdade.
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Audálio Dantas era presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo em 1975, quando ocorreu a morte de Vladimir Herzog; e-mail (comunicacao@audaliodantas.com.br)