Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Empresas de mídia não são sustentáveis’

O Observatório da Imprensa no rádio conversou com Gladis Eboli, a nova diretora de sustentabilidade e comunicação da organização World Vision – Visão Mundial.


***


Quais são os planos para a entidade no Brasil a partir da sua posse?


Gladis Eboli – A Visão Mundial é uma organização que trabalha com erradicação da pobreza, com foco em criança. Então a gente identifica as comunidades que têm muita necessidade, poucos recursos e não têm ajuda governamental; nós entramos nessa comunidade, identificamos o potencial deles, a vocação, e ajuda a transformar a vida daquela comunidade. Como? Ensinando algum ofício – que seja pertinente para eles –; temos uma organização de microcrédito, então financiamos os projetos; e temos uma outra de comércio justo e solidário, então a gente fecha o pacote de mudar a realidade daquela comunidade. E como consegue mudar? Investimos em criança, que na verdade é nosso foco principal; dando atividades para as crianças e visando o bem-estar delas de uma forma holística.


A organização Visão Mundial está há muito tempo no Brasil, mas não é conhecida. Quais são os desafios desse novo momento da entidade aqui no país?


G.E – A organização está no Brasil há 35 anos, mas ela sempre foi muito low profile. Porque nós tínhamos um financiamento internacional. A organização se iniciou nos Estados Unidos, está presente em mais de cem países, e vinha financiamento quando o Brasil era um país muito carente. Hoje a nossa realidade mudou. O Brasil está conseguindo sair dessa linha de pobreza extrema, e o dinheiro internacional está indo embora. Então, nosso maior desafio é financiar os projetos, porque os problemas ainda existem. Mesmo que você não tenha a pobreza extrema, ainda tem muita desigualdade, ainda tem muita região que precisa [de ajuda]. E para fazer um trabalho eficiente de captação de recursos para financiar os projetos, é preciso fazer a organização conhecida. Então a política de low profile vai ter que mudar agora, e temos que mostrar o trabalho.


Se vocês precisam se expor mais diante da sociedade, vão necessitar de mais contato com a imprensa. Como é que vocês enxergam – e como é que você pessoalmente enxerga – a abordagem da imprensa brasileira com relação a temas da sustentabilidade?


G.E – Acho que a mídia está aprendendo a trabalhar o tema, porque hoje o termo sustentabilidade está muito banalizado, qualquer um usa, qualquer empresa usa, e é sempre com o foco ambiental. Ninguém enxerga a sustentabilidade como um processo de mudar a sua gestão e tornar sua gestão ética, responsável. Esquece que tem de olhar para o lado social, o lado de gênero, de raça, além de meio ambiente. E quando a mídia faz algum tipo de projeto, eles, em geral, estão focando em meio ambiente, com raras exceções. Eu acho que as empresas de mídia não estão querendo aprender, na verdade, o que é sustentabilidade. Eles estão falando mais por modismo do que por entender a necessidade do planeta mudar sua relação com o consumo, mudar sua relação com as desigualdades.


O que falta para a imprensa brasileira abordar a questão de um modo mais complexo, mais sistêmico?


G.E – Primeiro, aprender. É a nossa arrogância, como jornalistas, de não querer aprender, de achar que a gente sabe tudo… Tem de participar mais das discussões profundas que alguns grupos estão organizando; de realmente se empenhar em aprender o que é a sustentabilidade, e começar a mudança dentro de casa. As empresas de mídia não são sustentáveis.


Qual o caminho para a imprensa brasileira aprender a lidar com esse tema?


G.E – Acho que a imprensa brasileira tem dificuldades para lidar com esse tema, mas tem o apoio agora de algumas organizações como o Instituto Ethos, que promove a discussão de uma forma profunda, que tem um prêmio de jornalismo e incentiva essa discussão. Temos um panorama mais positivo, começam a querer entender e melhorar. Mas até mudar um hábito, mudar uma cultura, leva tempo.