A censura, como nos tempos da ditadura que assolou o país, está de volta no estado do Paraná. Por decisão do juiz federal da 4ª Região, Edgard Lipman Júnior, o governador Roberto Requião está impedido de apresentar o programa Escola de Governo na TV Paraná Educativa, no qual presta contas à população, discute projetos em andamento, promove o debate de temas candentes da realidade nacional, tais como transgênicos, ferrovias, infra-estrutura portuária, ecologia, privilégios dos bancos, reforma agrária, agricultura familiar, desnacionalização da economia, integração latino-americana e tantos outros.
Isto é, a Justiça tomou uma decisão que contraria os preceitos básicos de um administrador moderno, quais sejam, primeiro, prestar contas de seus atos à população, em seguida, discutir a realidade nacional. Tal procedimento deveria, isto sim, servir de exemplo para outros governadores fazerem o mesmo.
Lipman Júnior, em sua absurda decisão argumentou, entre outras coisas, que o governador Requião fazia ‘crítica ácida’. Ora, senhor juiz, quem se sente criticado entenderá que está sendo objeto de ‘crítica ácida’. Não serve de justificativa para adotar medida arbitrária, como o do impedimento do governador no programa Escola de Governo. Resposta a uma eventual ‘crítica ácida’ não deve ser feita através da censura. Cabe ao criticado ter o direito de resposta no mesmo espaço, para se contrapor, conforme determina a legislação.
Autocensura e silêncio
A medida remete também a uma outra reflexão: é notório o posicionamento crítico da mídia comercial junto à opinião pública aos governantes toda vez que estes não dão satisfação de seus atos. Quando um administrador, como Roberto Requião, se contrapõe a esta prática, recebe como resposta a censura.
Tão ou mais lamentável esta censura, que tem o sabor de retrocesso, é a adoção de uma pesada multa caso o governador Requião persistir em suas ‘críticas ácidas’. Isto tem um nome: censura!
Ao se repudiar este ato arbitrário e injusto aplicado pelo juiz Lipman Júnior, não está em questão o apoio ou não ao governador Roberto Requião. Trata-se, isto sim, de uma manifestação de repúdio a uma decisão que abre precedentes graves. Se esta não for imediatamente revogada, amanhã, qualquer cidadão, homem público ou não, poderá sentir os rigores draconianos de uma medida arbitrária. O próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, poderá ser atingido em seu programa semanal radiofônico de prestação de contas se algum juiz interpretar seus comentários da mesma forma como fez o juiz Lipman Júnior.
A decisão serve também de admoestação a formadores de opinião, fazendo com que muitos deles, temendo represálias da mesma natureza que a adotada na TV Paraná Educativa, sejam levados à adoção da prática de uma auto-censura e do silêncio.
Omissão deplorável
A censura ao governador Roberto Requião foi duramente criticada em nota firmada pelo presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azedo, um posicionamento natural de uma entidade que há 100 anos defende os preceitos básicos da liberdade de imprensa e de expressão.
Lamentavelmente, não foi este o procedimento do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Paraná e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Estas duas entidades, em nota oficial sobre o episódio, na prática justificaram a decisão arbitrária do juiz Lipman Júnior ao afirmarem, entre outras coisas, que ‘desde 2003 vêm alertando para o uso indevido da emissora pública e denunciando que por ela o governador dava vazão aos seus maus humores com relação à imprensa’.
Realmente, é no mínimo estranho e suspeito que entidades representativas de jornalistas adotem este procedimento em nota oficial, em vez condenarem veementemente a prática de censura no regime democrático. Não se trata, vale sempre ressaltar, de apoiar ou criticar o governador Roberto Requião. Se o Sindicato dos Jornalistas do Paraná e a Fenaj não se afinam com a linha política de Requião, de crítica contundente ao neoliberalismo ou à mídia comercial sob a hegemonia de poucas famílias midiáticas sob a hegemonia da Rede Globo, este é um direito que assiste às entidades. Mas numa hora como esta, que deve ser de condenação veemente à prática da censura, firmar uma nota da natureza daquela apresentada pelas duas entidades é deveras lastimável e deve até servir de reflexão a todos os jornalistas brasileiros. Afinal, com que autoridade moral uma diretoria de uma entidade classista justifica, na prática, um ato arbitrário de censura? Que representatividade podem ter entidades desta natureza? Se não condenam com veemência a censura, como defenderão os interesses dos jornalistas?
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Jornalista