É moda entre um e outro personagem do mundo político colocar na mídia a culpa por todos os seus infortúnios, como se não fossem os veículos de comunicação os canais que tornam possíveis essas mesmas manifestações ensaiadas de indignação. Não tão parciais assim, portanto.
Sempre que alguém parte para a generalização, põe em evidência a falta de argumentos e um espírito preconceituoso, característico de pessoas, exatamente por este motivo, avessas ao contraditório. Com o expediente de ignorar versões contrárias a seus interesses, lançam mão de uma lógica particular, embutida nos frágeis argumentos que tentam fazer parecer válidos através de vitupérios contra quem se lhes opõe.
Falta de civilidade
O governador reeeleito do Paraná é um dos expoentes desta estirpe. O peemedebista Roberto Requião, (somente) após suada vitória das urnas, excomungou vários jornais, de seu estado, principalmente. O motivo de seu incontido ódio foi ter sido eleito por estreitíssima margem de votos, como se a mídia tivesse o condão de guiar os eleitores. Fosse assim, desnecessárias seriam as campanhas e a supervisão da Justiça Eleitoral.
Como a desfaçatez não é um privilégio nacional, muito menos latino, a mulher do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, também teve seu acesso de fúria contra a imprensa. Cherie Blair, dispensando fidalguias, disse, curto e grosso, que ‘não há moral profissional no jornalismo’. No meio de uma palestra para estudantes de Jornalismo, mrs. Blair, sem talvez se dar conta das enormidades que proferia, disse aos jovens que ‘os comunicadores não têm ética’ e que ‘esse ofício não é uma profissão nobre’. Escorregou na armadilha que espreita aqueles que põem todos os integrantes de um mesmo grupo na vala comum do preconceito.
Basta que uma suspeita seja publicada para que os envolvidos se insurjam com desenvoltura contra os jornalistas, como fez recentemente o presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, ao dizer a um repórter que ele não era bem-vindo na empresa, como se ele, Gabrielli, dela fosse o dono. Ali estavam vários microfones a registrar sua entrevista, e sua defesa deveria se basear em argumentos, e não manifestações de falta de civilidade.
Retórica tresloucada
Do presidente Lula não é preciso dizer muito, todos sabem de sua aversão por quem o contraria, e a imprensa não está aí para agradar ninguém, ou seria parcial. O que há de errado, por exemplo, quando uma reportagem informa os leitores a respeito da detenção de membros do PT que estavam, segundo a Polícia Federal, negociando falsos documentos que seriam usados contra o adversário do então candidato à reeleição? Pessoas estas que foram presas em flagrante; nenhuma invenção, portanto.
O presidente interino do Partido dos Trabalhadores, Marco Aurélio Garcia, também tem ocupado lugar de destaque neste modismo a cuja prática aderiram inúmeros petistas. Para ele, domingo é dia de os jornais publicarem ficções, dando a entender que o presidente afastado do PT não está sendo investigado pela Polícia Federal. A concordar com tão nobre defensor de causas impossíveis, não se poderia perguntar por que mesmo Ricardo Berzoini cedeu-lhe, digamos, temporariamente, a direção da agremiação.
Para quem acha que a imprensa, sem exceções, é tendenciosa, nada como a realidade para abafar sua retórica tresloucada.
A regra é o inverso
Como que por um gracejo do acaso, exatamente nestes dias de intensa campanha por uma tal ‘democratização’ dos meios de comunicação, vem o presidente da Radiobrás, a estatal de mídia do governo federal, dar um show de competência e lucidez ao declarar que ‘há no País a falsa idéia de que comunicação estatal tem de ser governista’. Ou seja, obedecer aos ditames do patrão, exatamente aquilo de que os ofendidos de sempre acusam a imprensa livre.
Eugênio Bucci defende a serena evidência de que os veículos de comunicação públicos devem ser protegidos da ação partidária dos governos. Mais não seja, por respeito ao verdadeiro patrão, a coletividade. E completou: ‘quando [a imprensa] é governista, está incorrendo num desvio da sua finalidade’. Eis aí a verdadeira acepção do termo ‘aparelhamento’, desvio de finalidade, desrespeito ao princípio de impessoalidade que deve guiar o serviço público.
Aliás, as observações do lúcido presidente da Radiobrás servem a todas as demais estatais. Devem ser guardadas da ação deletéria do governo de ocasião. Tal proteção consiste na defesa de que toda empresa pública seja preservada de nomeações políticas, o conhecidíssimo loteamento de cargos. Porque, apesar da sorte de a estatal de comunicação do governo federal (ainda) estar sendo capitaneada por alguém com a visão correta do papel de uma companhia pública, a regra é o inverso, como se tem visto amiúde.
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Administrador, São Paulo