Quem se interessa pelo que sai na imprensa hoje em dia acorda à espera de um novo vazamento da Polícia Federal. Ou do Ministério Público. Estará nas manchetes e, ao gosto do freguês, pautará telejornais.
Jornalistas somos inquietos por natureza. Faz parte do ofício. Nesses tempos de informação instantânea, a inquietação traz riscos maiores do que antigamente. Vivemos a república do e-mail: a coisa mais fácil do mundo é enviar uma mensagem venenosa para alguém e, então, usar como “prova” de que o alguém recebeu uma mensagem incriminatória. Isso vale para o PT, para o PSDB, para o PMDB, para Eduardo Cunha, para Renan Calheiros etc.
O ativismo do Ministério Público e da Polícia Federal pode ser um sonho para quem precisa produzir notícias sofregamente, de impacto, capazes de ganhar uma manchete, ou um alto de página ímpar. Um procurador tem poder de abrir investigação sobre qualquer coisa: sobre um condomínio não pago, uma briga de família, uma acusação de assassinato ou de roubalheira no erário. É bom que seja assim, num país cansado de impunidades. O que não parece bom é dar fé selecionada a algumas investigações, e deixar outras ao relento.
O papel do jornalista é informar. A liberdade de expressão, vamos combinar, fica por conta do dono do negócio. É a regra do jogo, como diria Cláudio Abramo. Mas, na origem, o jornalista tem a chance de opinar, de apontar falhas, ausências ou tintas demasiado carregadas. A favor ou contra.
Reportagens da semana que passou chamam a atenção para isso. A revista “Época” estampa, em letras garrafais, que o ex-presidente Lula virou um “operador” da empreiteira Odebrecht. Vamos reproduzir o início da denúncia, da lavra do Ministério Público: “SUPOSTAS [grifo meu] vantagens econômicas obtidas direta ou indiretamente pelo ex-presidente da República Luís Inácio da Silva, entre os anos de 2011 e 2014…”. Opa! Supostas! E o período abordado coincide com a época em que Lula já havia passado a faixa presidencial. Desde então, era, como é, cidadão comum –embora nunca possa sê-lo por completo pela sua atuação indelével no Palácio do Planalto. Para o bem ou para o mal.
Fernando Henrique Cardoso vive do quê? O príncipe que virou sapo, tão logo deixou o Alvorada, foi morar num apartamento que pertencia a uma família de banqueiros. Diz que o comprou a preços módicos, e quem sou eu para duvidar? Nomeou o genro para a cobiçada agência de petróleo –o cidadão foi defenestrado ao ser rebaixado a ex-genro. Tal qual Lula, FHC abriu um instituto quando voltou à planície. Vive de contribuição de sabe-se lá quem. Cobra fortunas por palestras, assim como Bill Clinton, Maílson da Nóbrega (aquele da inflação de 80% ao mês) e outros tantos, como André “Haras” Resende, que criam cavalos de raça além-mar com direito a mordomias de primeira classe. Bem-vindo à vida de ex-presidentes e ex-ministros. São todos ladrões? Cabe investigar, mas com seriedade e isenção.
Engana-se redondamente quem pensa que a profusão de meios de informação tornou mais fácil a vida de jornalista. Mais do que nunca são necessários filtros, apurações, documentos confiáveis, fontes fidedignas etc. Dá trabalho, mas a recompensa profissional vale a pena. Usar o Ministério Público e a Polícia Federal como donos absolutos da verdade equivale a terceirizar o ofício do jornalismo. Mas é o que está em voga nesta fase policial da nossa democracia.
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Ricardo Melo é jornalista, colunista da Folha de S.Paulo