Ao solicitar uma aposentadoria especial à Comissão de Anistia, o cidadão Carlos Heitor Cony exerceu um dos seus direitos. Qualquer que seja a sua profissão, sentiu-se prejudicado e, dentro dos estatutos e legislação vigentes, recorreu ao Estado para ressarcir-se dos danos materiais que sofreu ao longo do regime militar.
Irrelevante, o fato de ser jornalista. A questão é de foro íntimo. Muitos jornalistas usaram as mesmas prerrogativas enquanto outros, também demitidos de órgãos de imprensa no mesmo período e pelas mesmas razões, consideraram que violências cometidas por empresas privadas (extintas ou não, mas sob injunção do Estado) não devem ser compensadas pelo contribuinte.
A questão muda de figura depois do artigo que o jornalista Cony escreveu na sua coluna na Folha de S.Paulo (‘Formação de Quadrilha’, 18/1, pág. 2) contestando violentamente a opinião de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal. Usou um espaço público para defender interesses pessoais. Se a réplica fosse assinada por um engenheiro ou petroleiro, no lugar de jornalista, jamais teria merecido tal destaque. Configura-se um privilégio auto-concedido. Portanto indevido.
Se a manifestação do magistrado envolvesse questões de interesse público, justifica-se o uso do jornal para defendê-las. Não foi o caso. Além disso, os termos da réplica – pessoais e pesados – caracterizam uma querela com a qual os leitores nada têm a ver.
O Ouvidor da Folha não se manifestou.