Nunca fui um animal político, no sentido da militância. Nasci às vésperas do golpe militar, e fui educado à margem de qualquer participação política. Meu pai tinha simpatia pelo governo, e eu lia poesia. Na faculdade, vi alguns defenderem o marxismo, atacarem a ditadura. Nada muito entusiasmante.
Mas não me considero alienado. Talvez compartilhe daquele ceticismo que os engajados consideram culpável, como culpáveis são, aos olhos de todo o crente, aqueles que não perdem o sono com o Juízo Final. E talvez esta posição, digamos, quase isenta, me ajude a dizer algo sobre a perplexidade que tantos experimentam diante do PT no governo.
Recentemente, numa palestra que ministrava em Minas Gerais, na II Mostra de Educação Fiscal, organizada pela Secretaria de Fazenda daquele estado, perguntaram-me o que eu pensava do governo Lula. Cerca de quatrocentas pessoas esperavam a minha opinião.
Respondi que, das duas uma: ou o governo Lula era uma grande jogada, ou o governo Lula era, realmente, uma grande jogada.
Não sei se todos entenderam o que eu disse. Nem sei se eu mesmo entendi o que eu disse. Contudo, parece-me que existe entre muitos militantes do PT a consciência de que Lula está fazendo o que tem de fazer. Esta seria a grande jogada. Já que não se pode mudar nada da noite para o dia, Lula, estrategicamente, vai tomando conta da casa, mudando alguns móveis daqui para lá, mantendo certos hábitos dos antigos moradores. Isso tudo com vistas a não dar nas vistas. E, com o tempo, fará as reformas profundas de quem nunca pediu a ninguém que se esquecesse do que ele disse.
Outros pensam que o partido está quebrado, partiu-se como um espelho, e entramos num período de azar. Onde está a radicalidade? Onde estão as promessas revolucionárias?
A grande jogada seria, na visão mais decepcionada, que Lula, o profeta da esquerda, foi enfeitiçado pela direita. Quem se arriscará a beijar o ‘sapo barbudo’, tentando encantar de novo o príncipe? Ou, lembrando o que a imprensa ouviu Lula afirmar: ‘Todo mundo sabe que nunca aceitei ser rotulado de esquerdista. A primeira vez que me perguntaram se eu era comunista, eu disse que era torneiro mecânico’.
O partido se quebrou? Ou será o partido espelhando uma velha prática política, em que, segundo o ditado francês, quanto mais as coisas mudam mais permanecem as mesmas?
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Doutor em Educação pela USP e escritor