Perguntar a alguém, mesmo que não seja da área jurídica, o que acha da censura imposta à imprensa é esperar uma resposta óbvia: todos são contrários à censura, já por configurar uma restrição antidemocrática, mas também porque a Constituição brasileira estabelece expressamente, no artigo 5º, inciso IX, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística,científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Esse dispositivo conjuga-se com o que estabelece a Constituição no capítulo referente à ‘Comunicação Social’, no artigo 220, parágrafo 2º, segundo o qual ‘é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’. Entretanto, é igualmente importante considerar que a Constituição nesse mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, dispõe que ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo5º, IV, V, X, XIII e XIV’.
É de fundamental importância ressaltar o disposto no inciso X desse artigo, onde está expresso que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas’, enquadrando-se nessa proteção à intimidade e à vida privada a proibição de interceptação de comunicações telefônicas.
Considerando, porém, que em circunstâncias excepcionais a violação dessa proteção pode ser de grande importância para a defesa de direitos fundamentais de alguma pessoa ou de toda a sociedade, existe previsão legal da invasão da intimidade pela autoridade policial que esteja procedendo a uma investigação criminal, com prévia autorização judicial. Mas o Juiz que autorizar essa invasão da privacidade poderá também determinar que os dados assim obtidos permaneçam sigilosos para o resto da sociedade, enquanto perdurar a investigação. Isso porque já ocorreram muitos casos de denúncias infundadas, inspiradas nas mais diversas motivações, além do que a publicidade antecipada pode prejudicar seriamente uma investigação.
Defesa as intimidade
Está ocorrendo neste momento uma situação que envolve essas questões e que deve ser analisada com atenção e cuidado, para que a avaliação dos fatos seja feita com prudência e justiça. Trata-se da proibição imposta por decisão judicial ao jornal O Estado de S.Paulo, quanto à divulgação de dados constantes de uma investigação policial em curso na Polícia Federal.
Alega o jornal que está ocorrendo censura inconstitucional e antidemocrática, pois estaria impedido de publicar dados sobre irregularidades cometidas pelo empresário Fernando Sarney. Muitas pessoas ouvidas pelo jornal, inclusive eminentes personalidades da área jurídica, fizeram pronunciamentos veementes, alguns criticando duramente a decisão judicial, embora desconhecendo o seu teor.
Analisando-se o conjunto dos fatos, cabe aqui um sério reparo ao tratamento dado à matéria pelo jornal diretamente interessado. Com efeito, embora a decisão judicial seja de 30 de julho e não obstante estar dedicando grande espaço ao assunto, diariamente, até agora o jornal não publicou o texto da decisão que proibiu a divulgação de dados.
A notícia divulgada tem sido no sentido de que o juiz proibiu a divulgação de qualquer fato relativo às atividades de Fernando Sarney, com a insinuação de que a proibição abrange toda a família Sarney. Como tem ficado óbvio, nenhum dos que opinaram sobre a proibição sabe exatamente o que foi proibido. E no entanto nada impedia nem impede o jornal de publicar o inteiro teor da decisão judicial. Com efeito, diz o referido artigo 5º da Constituição, no inciso LX, que ‘a lei só poderá restringir a publicidade de atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem’.
Investigação criminal
No caso em exame a decisão judicial não foi declarada sigilosa – e para comprovação de que são livres o acesso àquela decisão e sua publicação passo a transcrever o trecho que interessa aos presentes comentários, e que obtive sem qualquer dificuldade: decidiu o Tribunal ‘determinar ao agravado [o jornal] que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante (Fernando Sarney) eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial’.
Como está bem claro, só ficou proibida a publicação dos dados obtidos durante a investigação sigilosa. Nada impede a publicação da decisão judicial, como também a publicidade de todos os dados que forem obtidos sobre a pessoa e os negócios de Fernando Sarney, desde que obtidos por qualquer outro meio que não a investigação criminal sigilosa.
A omissão dessa publicidade é uma autocensura e censura do jornal aos leitores.
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Jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo