Se você ler as edições de terça-feira (16/3) dos dois maiores jornais de São Paulo (ou nem ler, mas apenas olhar as manchetes nas bancas), provavelmente vai pensar que está em Israel e não no Brasil. A primeira visita de um presidente brasileiro ao Oriente Médio em 100 anos parece uma questão de Estado… israelense.
‘Israelenses cobram de Lula distância do Irã’, diz a manchete da Folha de S.Paulo. De modo quase risível, o Estado de S.Paulo usa o mesmo verbo, ‘cobrar’, como se os nobres diários fossem objetos de um ventríloquo. ‘Governo e oposição em Israel se unem e cobram Lula sobre o Irã’, diz o jornal dos Mesquita na manchete.
Visivelmente incomodada (com o quê?), a Folha dedica espaço ao boss Otavio Frias Filho para que ele manifeste sua opinião no artigo ‘Uma política ingênua e errática’. No texto, sobre a posição brasileira na visita de Lula a Israel, Frias se refere ao ministro Celso Amorim e ao presidente da República como ‘nosso simplório presidente e seu trêfego chanceler’.
Classifica nossa política externa de ‘errática, cheia de distorções seletivas’ e, como se escrevesse um ditado da embaixada norte-americana no país (já que ele não deve ter acesso tão fácil a Hillary Clinton e a outros figurões), o articulista ‘exorta’ o governo brasileiro a uma política de ‘equidistância comedida’.
Bem lembrado
Diz mais, o artigo. Segundo ele, na política externa do Brasil ‘a questão dos direitos humanos, por exemplo, deixa de ter qualquer valor no trato com inimigos de Washington, os quais adulamos para sermos vistos como `independentes´’. Ora, todo mundo sabe que os direitos humanos não existem no Irã. Lá, mulheres são executadas a pedradas por cometerem o crime de adultério. É o horror. Mas, curiosamente, Frias se inflama pelos direitos humanos sem mencionar em seu longo texto sequer uma vez a palavra Palestina. Nem os territórios ocupados.
Ainda bem que existe imprensa internacional. Nela podemos ler muita coisa interessante. Destaco uma análise de outubro, do articulista David Rothkopf, da prestigiada revista norte-americana Foreign Policy, em que ele fala da política externa brasileira.
O texto não se restringe a um episódio, mas é uma análise do trabalho do Itamaraty sob Celso Amorim, por isso o artigo se mantém atual e cito-o aqui. ‘É difícil achar outro ministro das Relações Exteriores que tenha orquestrado com tanta eficácia uma transformação de tal magnitude do papel internacional de seu país’, escreveu Rothkopf sobre o chanceler brasileiro.
Antes que me esqueça (os jornais de nosso país se esquecem frequentemente disso): o Brasil defende que não apenas Israel, mas também a Palestina, sejam territórios livres, soberanos e que possam viver em paz.
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Jornalista, São Paulo, SP