Estranho levante esse contra as críticas positivas ao filme de Mel Gibson. Principalmente quando elas se calcam na distorção da interpretação de correntes teóricas e de pesquisadores, como o caso de Navarra. Os espanhóis são funcionalistas ferrenhos, e na sua concepção o filme se valida – não a idéia dele, para ficar claro. Estranho esse levante que não ocorre no caso da cobertura do conflito na Palestina. Não surge crítico para falar que o homem-bomba muçulmano que se mata e leva mais dois é taxado de terrorista, mas o governo de Israel que manda quatro mísseis sobre uma zona residencial e mata mais de 30 é classificado como retaliação. Não há crítica à situação mais irônica da Palestina: a retaliação a ações futuras. O governo de Israel dispara mísseis contra zonas residenciais matando dezenas de pessoas e alega retaliação a atentados futuros. Vou começar a agir como o governo de Israel. Se eu encontrar alguém na rua de quem eu não gosto muito, vou meter a mão na sua cara e depois alegar que fiz isso para o caso de a pessoas tentar me atacar. Patético.
Marcio Flizikowski, professor, Curitiba
Pantomímica discussão
Como ateu ‘fervoroso’ tenho acompanhado essa pantomímica discussão ao redor do mundo sobre esse filme de Mel Gibson. As páginas dos jornais, da internet e até matérias especiais em programas de TV não se cansam de comentar o teor do filme. As presenças de padres, pastores e rabinos lotam os horários nobres da mídia. A bem da verdade, não existe anti-semitismo declarado, mas filmou-se uma interpretação de uma lenda. O que importa discutir é que se está usando esse debate como forma de marketing, no sentido de alavancar uma religião que, percebe-se, já não responde eficazmente pelas angustias de seus fiéis. Ao saber que alguns escritórios de investigação vão confrontar as versões históricas da vida desse mito com o que será apresentado no filme, ficarei esperando que, a partir daí, seja levantada definitivamente a discussão da existência dessa figura na história. Não me importa a fé envolvida, pois cada um acredita no que quiser. Há os que acreditam em duendes, em assombrações, e nem por isso se construiu uma sociedade em nome disso.
Na verdade, o Cristo do cristianismo moderno não passa de uma versão compilada dos diversos mitos religiosos criados ao longo de toda a história da humanidade, que culminaram na elaboração, por parte de um grupo de judeus dissentes, dessa imagem que circula pelo mundo, responsável pela construção de toda a história moderna, de dois mil anos pra cá. Só para se ter uma idéia do tamanho do mito, nenhum historiador contemporâneo à presença dos romanos na Palestina nessa referida época escreveu qualquer nota, qualquer linha, uma letra sequer a respeito da existência de um missionário, de um pregador, de um rabino, ou de um revolucionário com as características dessa figura do cristianismo chamado Jesus Cristo. Nem nos relatórios de Poncio Pilatos (esse sim, existiu!) encontra-se qualquer menção a uma execução daquelas proporções. É de estranhar! O que se sabe que existe, escrito por Flavio Josef, um historiador judeu do primeiro século de nossa era, foram palavras mencionando a presença de Cristo, mas que depois se descobriu terem sido forjadas por bispos cristãos, com o intuito de denotar um testemunho de sua presença histórica. Ou então, buscam-se evidências na Bíblia, que também foi forjada com propósitos os mais diversos. Os evangelistas, que não foram contemporâneos do tal Cristo, sabe-se, escreveram aqueles textos baseados em tradições orais e deturpadas ao longo do tempo. Há dúvidas até da existência desses escritores.
John E. Remsburg, num livro clássico, The Christ: A Critical Review and Analysis of the Evidence of His Existence (O Cristo: uma revisão crítica e análise de sua existência), lista e discute os vários escritores (em torno de 40!) que viveram na época, ou até um século após a época, em que Jesus supostamente teria vivido. Além de Flavio Josef, apenas Tácito menciona a presença desse mito, que também se sabe teve seus escritos alterados pela Igreja Católica mais tarde com o mesmo propósito.
Se as investigações forem sérias é só esperar para ver. Meu receio é que fatos sejam mascarados mais uma vez e criem-se novos factóides. Derrubar um mito dessas proporções é muito difícil, mas já é um bom começo.
Alexandre Carlos Aguiar, biólogo, Florianópolis
Mauro Malin responde
Caro Alexandre Aguiar, Jean-Claude Carrière, roteirista de Luis Buñuel, relata em A linguagem secreta do cinema uma conversa com um grande historiador francês que lhe disse ter chegado à conclusão de que simplesmente não ocorreu a Batalha de Poitiers, aquela de 732 em que Charles Martel, avô de Carlos Magno, repeliu a invasão árabe. Vá alguém dizer a um homem da rua na França que o episódio, ensinado no colégio como um divisor de águas da história pátria, pode ter sido inventado…
O pintor Pedro Américo publicou na Itália um texto em que relata como reconstituiu a cena do quadro Independência ou Morte para mostrar D. Pedro I fazendo o gesto que acabaria povoando o imaginário brasileiro. O quadro foi pintado em 1888, 66 anos após a proclamação da Independência. Ainda estavam vivos alguns dos integrantes da guarda de D. Pedro. Pedro Américo os entrevistou e desenhou figurinos que foram confeccionados por um artesão e vestidos por modelos. Toda uma memória fabricada. Nem o riacho do Ipiranga corria no lugar em que aparece no quadro.
Estou longe de religião ou teologia. Não estudei o suficiente para ter tanta certeza quanto o leitor a respeito da existência ou não de Jesus Cristo. Como sua figura e os ensinamentos que Jesus deixou, ou a ele foram atribuídos, mudaram a face do mundo, ele é real. Mais presente do que 99,99% dos homens que viveram nesses dois mil anos. A questão é: o que se faz com essa herança humana? O que Mel Gibson fez, dizem comentaristas que viram o filme, é um atentado às noções de civilização, democracia e humanismo. É barbárie sob forma comercial. (M.M.)
Polêmica desnecessária
Faz-se uma polêmica desnecessária [no texto ‘O Jesus de Mel Gibson’, de Deonísio da Silva], pois o fato ocorreu há 2 mil anos, e não podemos culpar pessoas por erros ocorridos naquela época. Erros do passado não devem ser esquecidos para não serem cometidos novamente. Há mais de 100 anos éramos escravagistas. É como culpar alguém que vive no mundo de hoje pela divisão do cristianismo no passado.
Joimar Luiz Lino, bancário, Guaçuí, ES