A população mundial atingiu no último dia 31 de outubro a marca simbólica de 7 bilhões de indivíduos – ver nota “As world passes 7 billion milestone, UN urges action to meet key challenges”, divulgada pela Organização das Nações Unidas (31/10). Sete bilhões, não custa lembrar, é o algarismo 7 seguido de nove zeros, o equivalente a sete vezes um bilhão: 7 x 1.000.000.000 (sobre notação numérica, ver, neste Observatório, artigo “Milhões, bilhões, trilhões”). É muita gente, sem dúvida, mas devemos examinar esse número com cautela e senso crítico.
Antes de tudo, é bom evitar o tom superficial e as afirmações estereotipadas. Há quem chame a atenção, por exemplo, para o “excesso de gente” (ver “O futuro do planeta”, de Hélio Schwartsman, publicado na Folha de S.Paulo em 3/11) ou mesmo para o risco de uma “explosão populacional” (ver “Estamos à beira de uma explosão populacional”, de Eduardo Szklarz, publicada na edição de novembro de 2009 da revista Superinteressante). Além de erros e mal-entendidos como esses, a imprensa também costuma reproduzir afirmações claramente absurdas, do tipo “a população mundial está crescendo em uma velocidade jamais vista” – ver “População mundial atingirá 7 bilhões no dia 31 de outubro, diz ONU”, da BBC Brasil, reproduzida no Estado de S. Paulo, em 25/10.
O que está acontecendo com a população mundial?
A população mundial está crescendo. Isso, no entanto, não significa dizer que estejamos à beira de uma explosão populacional ou de um precipício demográfico. Para entender melhor o que se passa, devemos examinar com atenção o contexto e os antecedentes da situação atual. Nesse sentido, é recomendável que comecemos investigando o que há por trás da expressão “crescimento populacional”.
Diz-se que uma população cresce quando o número de indivíduos presentes aumenta; quando o número diminui, a população decresce. Dois conjuntos de fatores contribuem para essas mudanças: os ganhos (nascimentos e imigrações) e as perdas (mortes e emigrações). O tamanho da população mundial é o resultado de um balanço envolvendo dois desses fatores: nascimentos e mortes. (Em escala local ou regional, as migrações também têm o seu papel.) Quando a diferença entre nascimentos e mortes é positiva, a população cresce (diz-se que houve crescimento positivo); quando a diferença é negativa, a população diminui (crescimento negativo).
Ocorre que a própria velocidade com que a população mundial cresce ou decresce está sujeita a oscilações. Assim, a mudança torna-se acelerada sempre que a diferença entre as taxas de natalidade e mortalidade (isto é, o número de nascimentos e mortes per capita) estiver se ampliando; caso contrário, quando a diferença estiver encolhendo, a mudança torna-se cada vez mais lenta. Quando as taxas se equivalem (isto é, natalidade = mortalidade), não há qualquer mudança no tamanho da população – diz-se então que o crescimento é nulo e que a população alcançou um estado estacionário.
Chegamos, assim, a uma conclusão importante: para que a população mundial cresça, não é necessário que a taxa de crescimento esteja ela própria aumentando; basta que o crescimento seja positivo – isto é, basta que a natalidade supere a mortalidade. De modo semelhante, para que a população humana decresça, basta que a mortalidade supere a natalidade.
Brevíssima história da demografia humana
Embora censos populacionais venham sendo realizados desde a Antiguidade, o estudo científico das mudanças numéricas de populações só teve início em meados do século 17. O primeiro tratamento verdadeiramente demográfico da população humana apareceu no livro Natural and political observations mentioned in a following Index and made upon the Bills of Mortality (Observações naturais e políticas mencionadas no Índice a seguir e fundamentadas nos Registros de Mortalidade), do comerciante inglês John Graunt (1620-1674), publicado em 1662 (para detalhes, ver Hutchinson 1981). Desde então, a realização de censos periódicos se tornou uma prática habitual em muitos países. No Brasil, o primeiro censo foi realizado em 1872 (IBGE 2010) – o que significa dizer, entre outras coisas, que as estimativas para períodos anteriores são apenas aproximações.
Vale registrar que os cálculos envolvendo o tamanho da população mundial para períodos anteriores ao século 17, notadamente para os tempos pré-históricos, são feitos com base em parâmetros indiretos, como a quantidade de edificações, a abundância de artefatos ou o tamanho das áreas de cultivo. Não é difícil entender a razão de tal procedimento: na ausência de algum registro direto deixado pelas antigas civilizações, os estudiosos se voltam para o exame de variáveis que tendem a acompanhar o tamanho da população. Estimativas obtidas por vias indiretas devem ser vistas, no entanto, como aproximações, pois a margem de erro nesses casos é relativamente grande.
As estimativas disponíveis indicam que a população mundial teria atingido o primeiro 1 milhão de indivíduos por volta de 300 mil anos atrás (para detalhes e bibliografia original, ver Simmons 1982). Naquela época, a espécie humana só era encontrada na África, na Ásia e na Europa. Por volta de 10 mil anos atrás, nossos ancestrais haviam colonizado e se estabelecido em todos os continentes, tendo atingido um total de 5,3 milhões de indivíduos.
Há dois mil anos, na época de Jesus, a população mundial girava em torno de 200 milhões de indivíduos (as estimativas variam entre 130 e 260 milhões). Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, esse total teria chegado a 450 milhões; um século e meio depois, na época do inglês Graunt, seria de aproximadamente 550 milhões. A população mundial atingiu o primeiro 1 bilhão de indivíduos em 1804 e, desde então, um novo bilhão foi acrescentado nos seguintes anos: 1927 (2 bilhões), 1959 (3), 1974 (4), 1987 (5), 1999 (6) e 2011 (7).
Ninguém em sã consciência contesta que a população mundial jamais foi tão grande como agora. Todavia, uma análise do comportamento dos números mencionados até aqui nos mostra que, ao contrário do que alguns alardeiam, a taxa de crescimento vem caindo desde a década de 1970. Na verdade, as projeções para os próximos anos (ver adiante) são de que essa taxa continue baixando, de sorte que a população mundial venha a se estabilizar em um tamanho final inferior a 9 bilhões de indivíduos. Nesse sentido, podemos dizer que a “bomba populacional” (ver Ehrlich & Ehrlich 1974, 2009) foi desarmada.
Infelizmente, porém, nem todas as matérias publicadas na grande imprensa dão provas de que os jornalistas sabem lidar com esse assunto de modo apropriado. Além da proliferação de erros e mal-entendidos, chama particular atenção a falta de comentários explicativos a respeito do que vem se passando com a taxa de crescimento da população (mundial e brasileira) – ver, por exemplo, “‘Fui otimista’, diz autor do livro de 1968 que previa catástrofe global”, de Daniel Buarque, publicada no portal G1, em 27/10/2011; “Chegou o bebê 7 bilhões: a espaçonave Terra está ficando apertada”, matéria de capa da edição no. 2.241 (2/11/2011) da revista Veja; e “Por que a inovação não vai desarmar a bomba populacional?”, nota publicada no sítio da Scientific American Brasil, em 4/11/2011.
Afastando o risco de explosão
A principal linha de evidências contra a ideia de que estejamos à beira de uma explosão populacional vem da análise de séries históricas. Por meio desse tipo de investigação, podemos descobrir, entre outras coisas, o que se passa com a taxa de crescimento.
Os dados numéricos citados anteriormente constituem apenas uma amostra, mas já são suficientes para que possamos obter um quadro geral da situação. Com base neles, os valores médios para a taxa de crescimento da população mundial desde 1650 seriam os seguintes:
** entre 1650 e 1804, a população aumentou de 550 milhões para 1 bilhão, o que equivaleria a uma taxa de crescimento de 0,39% ao ano;
** entre 1804 e 1927 (de 1 bilhão para 2 bilhões): 0,56%;
** entre 1927 e 1959 (de 2 bilhões para 3 bilhões): 1,28%;
** entre 1959 e 1974 (de 3 bilhões para 4 bilhões): 1,94%;
** entre 1974 e 1987 (de 4 bilhões para 5 bilhões): 1,73%;
** entre 1987 e 1999 (de 5 bilhões para 6 bilhões): 1,53%; e
** entre 1999 e 2011 (de 6 bilhões para 7 bilhões): 1,29%.
Diante desses resultados, podemos extrair ao menos duas conclusões. Primeiro, ao longo de pouco mais de três séculos, entre 1650 e 1974, a taxa de crescimento da população mundial seguiu uma trajetória predominantemente ascendente. Segundo, tendo atingido um valor máximo na casa dos 2% (entre 1959 e 1974), a trajetória mudou de direção, tornando-se fortemente descendente a partir de então. A expectativa atual é de que o valor de 1,29% ao ano, registrado para o período 1999-2011, siga nessa trajetória e continue caindo. Algo semelhante vem ocorrendo com a população do país.
O caso da população brasileira
Em 1660, o tamanho da população brasileira girava em torno de 184 mil indivíduos – o equivalente à população residente hoje em cidades do porte de Cachoeiro de Itapemirim (ES) ou Passo Fundo (RS) –, dos quais 74 mil eram brancos e índios livres e 110 mil eram escravos. Em 1766, o efetivo chegou a 1,5 milhão de indivíduos e, um século depois (em algum momento entre 1865 e 1875), a 10 milhões.
Em 1900, o total já era de 17,44 milhões de indivíduos e, desde então, esse número meio que dobrou a cada duas ou três décadas: 30,6 milhões (1920), 51,9 (1950), 93,1 (1970) e 169,8 (2000). De acordo com o último censo, a população do país chegou a 190,7 milhões de habitantes em meados de 2010 – ver matéria “Censo 2010: população do Brasil é de 190.732.694 pessoas”, publicada no sítio do IBGE, em 29/11/2010.
Com base nesses números, os valores médios para a taxa de crescimento da população brasileira desde 1660 seriam os seguintes:
** entre 1660 e 1766, a população aumentou de 184 mil para 1,5 milhão, o que equivaleria a uma taxa de crescimento de 2% ao ano;
** entre 1766 e 1900 (de 1,5 milhão a 17,44 milhões): 1,85%;
** entre 1900 e 1920 (de 17,44 milhões a 30,6 milhões): 2,85%;
** entre 1920 e 1950 (de 30,6 milhões a 51,9 milhões): 1,78%;
** entre 1950 e 1970 (de 51,9 milhões a 93,1 milhões): 2,96%
** entre 1970 e 2000 (de 93,1 milhões a 169,8 milhões): 2,02% e
** entre 2000 e 2010 (de 169,8 milhões a 190,7 milhões): 1,17%.
Mais uma vez, podemos extrair ao menos duas conclusões. Primeiro, ao longo de pouco mais de três séculos, entre 1660 e 1970, a taxa de crescimento da população brasileira seguiu uma trajetória predominantemente ascendente, ainda que algo oscilante. Segundo, tendo atingido um valor máximo na casa dos 3%, entre 1950 e 1970 (valor semelhante foi registrado entre 1900-1920), a trajetória mudou de direção, tornando-se a partir de então fortemente descendente. As expectativas atuais são de que o valor de 1,17%, registrado para o período 2000-2010, siga nessa trajetória e continue caindo.
Tendências no médio e longo prazo
A situação da população brasileira é tal que o resultado do último censo (190,7 milhões) não está muito aquém do tamanho máximo previsto para os próximos séculos De acordo com cenários projetados pela ONU (United Nations 2004), o país deverá abrigar um máximo de 233,1 milhões de habitantes, em 2050; em seguida, esse número deverá cair para 212,5 milhões (2100), voltando então a subir lentamente até se estabilizar por volta de 222,6 milhões (2300). Em outras palavras, não se vislumbra mais a possibilidade de que a população brasileira volte a dobrar de tamanho. Algo bastante semelhante, aliás, ao que se projeta para a população mundial.
Ainda segundo as projeções da ONU, a taxa de crescimento da população mundial deverá se aproximar de 1% até o ano 2025 e de 0,5% até o ano 2050. Continuará caindo nos anos seguintes, ultrapassando o piso do “crescimento zero” (ver adiante). Então, após um período de crescimento negativo, entre 2075 e 2175, deverá voltar a assumir valores positivos, chegando a 0,05%, em 2300.
Em 2050, a população mundial chegará a 8,919 bilhões de indivíduos, um aumento de 47% em relação ao efetivo de 2000 (6,071 bilhões). Esse aumento equivale a uma taxa média de crescimento de 0,77% ao ano. O tamanho da população mundial deverá atingir um máximo de 9,22 bilhões, em 2075. Em seguida, deverá recuar lenta e gradativamente, até atingir um total de 8,97 bilhões de indivíduos, em 2300.
Os padrões de crescimento projetados para os próximos anos variam de acordo com as suposições feitas a respeito dos parâmetros populacionais, notadamente a taxa de natalidade. O xis da questão aqui é que o número médio de filhos que as mulheres têm ao longo da vida vem declinando e deverá continuar assim pelos próximos anos. Todavia, quando o valor estiver tão baixo quanto 1,85 filho/mulher, a trajetória deverá se inverter, voltando a subir até se estabilizar em um patamar ligeiramente superior a 2. Quando as mulheres tiverem em média algo como 2,05 filhos (o valor levemente superior a 2 é para compensar as perdas – raras, mas “inevitáveis” – que ocorrem no período pós-parto), a população mundial terá alcançado o chamado “crescimento zero”, permanecendo estacionária a partir de então. As projeções são de que todos os países alcançarão a “fertilidade de substituição” (2,05 filhos/mulher) até 2175, embora o crescimento zero ainda vá demorar mais algumas décadas até se manifestar – por volta, talvez, de 2225.
Envelhecimento da população
A população mundial exibe outras tendências demográficas. A taxa de mortalidade, por exemplo, também está em trajetória decrescente. Na verdade, enquanto o declínio na taxa de natalidade teve início apenas na década de 1970, o declínio na taxa de mortalidade começou um ou dois séculos antes, ao menos nos países economicamente mais desenvolvidos, graças principalmente à adoção mais ou menos generalizada de medidas relativamente simples, como o saneamento básico e melhorias no cuidado pessoal.
Homens e mulheres estão vivendo mais tempo, o que equivale a dizer que a expectativa de vida dos indivíduos (isto é, a quantidade média de tempo que os integrantes de diferentes classes etárias têm pela frente) está aumentando. Esse é um parâmetro demográfico que tende a diminuir com a idade, embora a velocidade da diminuição varie de acordo com o sexo, a região geográfica, o nível de renda etc. Em 2100, os valores médios para a expectativa de vida deverão variar em escala planetária entre 66 e 97 anos (uma diferença de 50% em favor dos países com maior expectativa); em 2300, a diferença será menor, ficando entre 87 e 106 anos (uma diferença de 22%).
Cabe ressaltar que o aumento progressivo e generalizado na expectativa de vida pouco ou nada tem a ver com os estudos científicos em curso a respeito de uma possível ampliação na longevidade humana, ao contrário do que alguns jornalistas costumam afirmar – ver, por exemplo, artigo “Viver 150 anos vai ser normal”, de Gilberto Dimenstein, publicado na Folha de S. Paulo, em 1/12. Não custa lembrar: as expressões “expectativa de vida” e “longevidade” não significam a mesma coisa e, portanto, não deveriam ser tratadas como sinônimos – para detalhes, ver, neste OI, “Demografia confunde imprensa”.
Como os homens e as mulheres estão morrendo cada vez mais tarde, a idade média dos indivíduos vivos continuará subindo. Em 2000, metade da população mundial tinha até 26 anos de idade, o que significa dizer que a outra metade tinha mais de 26 anos. Em 2100, metade da população mundial terá mais de 44 anos, enquanto, em 2300, metade da população terá mais de 48 anos. É essa tendência que está por trás do chamado “envelhecimento” da população.
Comendo o mundo
Os seres vivos – incluindo, claro, os seres humanos – não subsistem muito tempo sem uma fonte externa de recursos. Diferentemente dos demais seres vivos, no entanto, as necessidades de recursos dos seres humanos têm dois aspectos. Primeiro, há um aspecto biológico ou fundamental, que é satisfeito por meio do consumo de elementos vitais, como os alimentos. Em segundo lugar, há um aspecto econômico ou facultativo, representado pela demanda social por recursos como eletricidade e combustíveis, fontes de energia capazes de acionar uma ampla variedade de máquinas e motores.
No primeiro caso, a palavra “fundamental” serve para enfatizar que nenhum de nós sobreviveria muito tempo sem tais recursos. No segundo caso, usamos o termo “facultativo” porque é perfeitamente possível usufruir uma vida plena, digna e saudável sem depender de todas as quinquilharias da vida moderna, como automóvel, chuveiro elétrico, televisor de plasma, ferro de passar roupa, telefone celular etc.
Alcançar a marca de 7 bilhões de indivíduos não faz da espécie humana a mais numerosa do planeta. Ainda assim, no entanto, há muito nos tornamos a espécie de maior impacto ecológico. Para ter uma ideia, basta dizer que o equivalente a cerca de 40% de toda a biomassa produzida anualmente pelos sistemas ecológicos da Terra estão sendo drenados (direta ou indiretamente) para atender as demandas dos seres humanos (para detalhes e uma discussão minuciosa, ver Pimm 2005).
Estamos assim diante de um aparente paradoxo: se a taxa de crescimento da população está em declínio, em função de os casais estarem diminuindo o número de filhos, por que razão os níveis de consumo estão cada vez mais altos? No que segue, ofereço uma resposta a esta pergunta, com base no seguinte argumento: o volume total de recursos consumidos pelos seres humanos varia primariamente em função da taxa de consumo per capita, não tanto em função do efetivo populacional. Trocando em miúdos: antes de falar em “excesso de gente” ou em “explosão populacional”, os jornalistas deveriam examinar mais de perto a questão do excesso de consumo.
Consumo de energia
O estilo de vida de boa parte da população mundial implica no consumo de níveis elevados de energia, notadamente eletricidade e combustíveis fósseis (carvão mineral, gás e petróleo). Embora nós, brasileiros, estejamos acostumados a pensar em eletricidade e combustíveis fósseis como fontes alternativas de energia, a produção mundial de eletricidade depende predominantemente da queima de combustíveis fósseis. Em escala planetária, produzir mais eletricidade significa, portanto, queimar mais combustíveis fósseis, principalmente carvão mineral e gás.
Entre 1971 e 2005, a produção mundial de eletricidade cresceu 250%, saltando de 5.310 TW-h para 18.262 TW-h (lê-se terawatt-hora; um terawatt, TW, equivale a um trilhão de watts). No mesmo período, entretanto, a população mundial cresceu “apenas” 71%, passando de 3,78 para 6,45 bilhões de habitantes. O aumento na produção de energia não parece ter sido motivado pelo crescimento no efetivo populacional. Se assim fosse, os percentuais não deveriam ser tão diferentes: 250% contra 71%.
Nesse caso, além do esperado crescimento vegetativo na produção de energia, em função de um efetivo populacional maior, houve um crescimento ainda mais expressivo na produção per capita, a tal ponto que em 2005 o consumidor tinha à sua disposição o dobro da quantidade de energia disponível em 1971. Grosso modo, em 1971, cada habitante tinha à sua disposição 1,4 milhão kW-h; em 2005, esse valor mais do que dobrou, chegando a 2,83 milhões kW-h. Arrisco dizer que grande parte desse “supercrescimento” na produção de eletricidade foi provocada pelo aumento na demanda em razão da proliferação de quinquilharias domésticas movidas à energia elétrica.
Os gastos excessivos e a tendência ao desperdício tornam-se ainda mais preocupante quando lembramos que, nos últimos anos, houve uma pressão no sentido de aumentar a eficiência energética dos produtos que a indústria despeja no mercado. Em função disso, uma máquina qualquer fabricada em 2005 deveria gastar menos energia para fazer o mesmo trabalho que um modelo equivalente produzido em 1971. Essa melhora na eficiência energética vem ocorrendo em vários setores e lugares, embora não seja universal e ainda varie bastante de um país para outro (ver Costa 2009).
Os superconsumidores
Ao que parece, portanto, o consumo de energia vem aumentando em função de dois fatores principais. Primeiro, em virtude do crescimento populacional; afinal, mais gente tende a consumir mais energia, elevando o nível total de consumo. Segundo, e o mais preocupante, em função da progressiva elevação na taxa de consumo per capita. Meu palpite é que esta última tendência, tão característica das economias contemporâneas, vem sendo provocada por uma combinação envolvendo: a) a proliferação de equipamentos domésticos movidos à eletricidade; e b) a ampliação do tempo durante o qual esses equipamentos permanecem ligados.
Assim, embora seja razoável esperar que mais gente implique em um aumento na demanda total, a relação entre o tamanho da população mundial e o volume total de recursos consumidos não é simples e direta. Isso porque a quantidade de recursos consumidos pode variar mesmo quando a população permanece estacionária – em função, por exemplo, de uma elevação na taxa de consumo per capita. O problema real que temos diante de nós não seria bem o “excesso de gente”, mas sim o excesso de consumo ou, mais especificamente, a proliferação de “superconsumidores”, um fenômeno que, em boa medida, independe do tamanho da população.
No fim das contas, a intensidade do impacto ecológico que exercemos sobre o restante da biosfera não é um problema meramente demográfico, do tipo “precisamos limitar o tamanho da população”, mas sim um problema de política econômica, do tipo “precisamos limitar o consumo excessivo e o desperdício de recursos”. Temo, contudo, que esta última questão seja bem mais espinhosa do que aquela…
Bibliografia citada
Costa, F. A. P. L. 2009. Sobre energia, eletricidade e eletrodomésticos ineficientes. Jornal da Ciência E-Mail, No. 3.699 (10 de fevereiro) (disponível aqui).
Ehrlich, P. R. & Ehrlich, A. H. 1974. População, recursos, ambiente. SP, Polígono & Edusp.
——. 2009. The population bomb revisited. Electronic Journal of Sustainable Development1(3): 63-71 (disponível aqui [ca. 240 KB]).
Hutchinson, G. E. 1981. Introducción a la ecología de poblaciones. Barcelona, Blume.
IBGE. 2010. Guia do censo 2010 para jornalistas. RJ, Coordenação de Comunicação Social, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (disponível aqui [ca. 9 MB]).
Pimm, S. 2005. Terras da Terra. Londrina, Planta.
Simmons, I. G. 1982. Ecología de los recursos naturales. Barcelona, Omega.
United Nations. 2004. World population to 2300. New York, Population Division, United Nations (disponível aqui [ca. 1,8 MB]).
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[Felipe A. P. L. Costa é biólogo e autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003)]