Os jornais noticiaram na sexta-feira (3/12) que o Exército empregará na Vila Cruzeiro e no Alemão forças semelhantes às que atuam no Haiti, ou seja, com poder de polícia. Nesta entrevista ao Observatório da Imprensa, o capitão do Exército Mário Soares Júnior, que lançou recentemente, sob a assinatura de Capitão Marinho, o livro Exército na Segurança Pública ‒ Uma guerra contra o povo brasileiro!, reitera o entendimento explicitado no título de seu livro ‒ ‘o Exército não pode atuar contra seus compatriotas, principalmente em um país democrático’ ‒ e afirma que não há tarefa de segurança pública que esteja acima da capacidade policial. Sobre a ‘batalha do Alemão’, diz que, embora o Exército se tenha encarregado do cerco, os bandidos fugiram.
O Capitão Marinho cursou a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, graduou-se em ciência militar pela Academia Militar das Agulhas Negras e pós-graduou-se pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO). Bacharel em Direito, fez outros cursos nessa área. O livro é uma adaptação de tese de mestrado defendida em 2008 sob a orientação da professora Jacqueline Muniz. Nele se lê: ‘(….) Querer que os militares do Exército empreguem a força somente se necessário e de forma comedida, como devem ser as ações policiais em um Estado Democrático de Direito, é a mesma coisa que querer criar uma onça como um gatinho de estimação, é contrariar a natureza. Os militares do Exército são treinados para não ter compaixão, para beber o sangue do inimigo como se bebe um copo de água gelada em uma tarde quente de verão. Não se pode exigir de um combatente a postura de um gentleman, solicitando ao suspeito a gentileza de acompanhá-lo à delegacia.’
Marinho escreve no blog www.capitaomarinho.blogspot.com
A seguir, a entrevista.
A corrupção não é inerente a uma profissão
O senhor concorda, doutrinariamente, com o uso das Forças Armadas em curso nas operações da Vila Cruzeiro e do Alemão?
Capitão Marinho – Não concordo com o uso do Exército nas operações da Vila Cruzeiro e do complexo do Alemão. O Exército não está preparado e nem pode atuar contra seus compatriotas, principalmente em um país democrático. Isso tem que ser rechaçado. A finalidade do Exército é defender a pátria!
Desde 1992 (Rio 92), as Forças Armadas foram chamadas em diversas ocasiões para coadjuvar as forças de segurança. Trinta anos antes, em 1962, o chamado Motim da Fome, marcado por quebra-quebras, saques e muitas mortes, em Duque de Caxias e outros pontos da Baixada Fluminense, só foi debelado com a intervenção de tropas do Exército. No dia seguinte, o Exército se retirou e a Associação Comercial de Duque de Caxias criou uma ‘milícia’ para proteger as lojas, sob o comando de um delegado de Polícia. Foi a origem de notórios grupos de extermínio dessa região. Esses exemplos não indicam que, em certas circunstâncias, e tendo em vista as deficiências históricas das policias, se faz necessária a ação das Forças Armadas, embora isso fira sua razão de existir?
C.M. ‒ Não. A deficiência histórica da polícia, como você colocou, sempre existiu no Brasil. Em 1863, o então marquês de Caxias, no seu Relatório anual de ministro da Guerra, fala da importância de manter o Exército na segurança pública. Já em 1865, dois anos depois, o visconde de Camamu, então ministro da Guerra, coloca no seu Relatório anual que a Guerra do Paraguai só tomou grandes proporções porque o Exército perdeu seu poder de persuasão, pelo fato dos seus homens estarem nos batalhões de polícia preocupados com a segurança pública. Ou seja, temos que capacitar melhor nossa polícia, mas, paralelamente a esta capacitação, as autoridades governamentais têm de fazer ações sociais, como escolas, áreas de lazer (esporte e cultura), saneamento, posto de saúde, transporte etc. Temos de parar de achar que a polícia não resolve os problemas. Segurança pública não se resume às ações policiais. No caso das operações do Complexo do Alemão, afirmo de forma bastante segura que a polícia conquistaria o território com ou sem a presença dos militares do Exército.
Qual é seu sentimento ao ver a bandeira brasileira hasteada num ponto elevado do Alemão, como se fosse território estrangeiro conquistado?
C.M. – Meu sentimento é que as autoridades reconheceram que naquela comunidade existem cidadãos brasileiros, que são excluídos de forma perversa, e que a partir daquele momento o Estado vai lembrar que os moradores dali são brasileiros. Mas também tive um sentimento, ainda que rápido, de que aquele ato foi um sensacionalismo descabido.
O senhor teme a convivência de militares com policiais em áreas com forte histórico de delinquência, onde circula usualmente muito dinheiro ilícito?
C.M. – Claro que sim. A corrupção não é inerente a uma profissão. Qualquer profissão tem pessoas que podem ser corrompidas.
Os policiais devem estar focados em fazer policiamento
O que, na sua opinião, poderia ter sido feito para garantir o êxito de uma operação policial como a que se realizou nas favelas da Vila Cruzeiro e do Alemão descartando-se a participação das Forças Armadas?
C.M. – Oitocentos policiais substituiriam muito bem os 800 militares do Exército nesta atividade. Caso o Rio não tivesse de onde tirar este efetivo policial, poderia pedir ajuda à Força Nacional. E, pelo que sei, os militares ficaram responsáveis pelo cerco. Então, cadê os bandidos? O território foi tomado e os bandidos não foram presos. Será que eles se ‘desintegraram’?
O senhor é favorável à existência de forças policiais militarizadas, como são as PMs?
C.M. – Claro que não. Acho o modelo militarizado totalmente em desacordo com o que deve ser a polícia em um Estado Democrático de Direito. Os policiais devem estar focados em fazer policiamento, em interagir constantemente com os cidadãos e as cidadãs da sociedade, a fim de prestar um melhor serviço policial, usando da força somente em último caso. Os policiais não podem ficar preocupados em fazer uma boa ordem unida, com o brilho dos seus coturnos, ou em ‘combater os inimigos’. Eles têm de ter flexibilidade de raciocínio e iniciativas autônomas nas suas ações, atributos que são cerceados, dentro de uma escala hierárquica, aos soldados, cabos e, às vezes, aos sargentos. Ou seja, mais da metade do efetivo policial.
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Jornalista