Polêmico e polêmica são palavras que vieram da expressão grega polemiké tékhne, arte da guerra. Elas entraram na língua portuguesa entre a segunda metade do século 18, sob a égide do déspota esclarecido Marquês de Pombal, a quem o Brasil deve, por exemplo, a língua em que ora polemizamos, do contrário discutiríamos em tupi-guarani, pois foi ele quem obrigou o ensino do português em todo o território nacional, e a primeira do século 19.
O Diccionario da Língua Portugueza, de Antonio de Morais Silva, mais conhecido como o Morais, à semelhança de como designamos o Aurélio e o Houaiss, registra a primeira, e Alexandre Herculano a segunda, em História de Portugal, negando que a batalha de Ourique fosse devida a um milagre. É claro que os portugueses, católicos pertinazes, recusaram o relâmpago iluminista que irrompera sobre o fundador do romance histórico em Portugal.
Mas às vezes a arma é a palavra, e a guerra desloca-se dos campos de batalha para a imprensa. É o que está acontecendo desde que o poeta Ferreira Gullar manifestou discordância do Ministério da Cultura, cujo titular é o músico Gilberto Gil.
O secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura incorreu em erro semelhante e foi ele, não Ferreira Gullar, quem rebaixou o debate ao acusar o poeta de defensor de ‘regimes stalinistas’. Ainda que fosse, o que deveria ser examinado era o conteúdo da crítica, não quem a proferiu.
Ferreira Gullar tinha mais o que fazer, treplicou com umas frases rápidas e foi fazer o que sabe fazer melhor: escrever. Ele e não o secretário é referência da cultura brasileira. Para que pessoas assim arrogantes, que desrespeitam desse modo a biografia alheia, pudessem hoje integrar os aparelhos de Estado, intelectuais como Ferreira Gullar foram muito perseguidos pelo regime que ajudaram a derrubar para que dos escombros nascesse a democracia.
Tropeços outros
O presidente ‘deste país’, pouco chegado a livros, escolheu um músico para ministro da Cultura. É claro que não precisava também dizer que prefere exercício na esteira a leitura de livros, jornais ou revistas. Gente próxima do presidente vaza para a imprensa que nosso mandatário não lê nem resumos panorâmicos sobre os países que visita. Seu ministro da Cultura, desde que assumiu, contrariando muitas expectativas, tem tomado iniciativas relevantes, entretanto ausentes do noticiário, não por falha da imprensa, mas por incompetência de vários assessores.
O ministro Gilberto Gil não vai mudar nada se não incomodar alguns donatários, não apenas das verbas, mas de outras coisas, como cargos e indicações para isso e para aquilo. E apesar das controvertidas idéias sobre temas complexos, diz muitas verdades incômodas, como fez na entrevista à revista CartaCapital que está nas bancas, uma das quais baliza a falsa polêmica: as verbas. Isto mesmo: a briga é por dinheiro.
Se os insurrectos de ocasião tivessem sido atendidos, a gestão do ministro seria supimpa! É claro que foi um assessor do próprio ministro quem acendeu a pólvora. Os problemas poderiam e podem ser resolvidos de outros modos. De todo modo o ministro não ajuda muito ao dizer que ‘a corrupção é uma ninharia em relação ao que a gente conhece da história do Brasil’.
Para críticos que examinam com isenção os trabalhos do Ministério da Cultura, os tropeços são outros. Mas quem tem humildade de receber críticas? Bernardo Kucinski não deve ter muitos seguidores no Palácio do Planalto. De todo modo, quem está travando o governo Lula não são seus críticos.
******
Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social