Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta ciência no jornalismo econômico

A discussão das mudanças climáticas globais inseriu de vez a ciência nas questões cotidianas – desde as mais ordinárias até as complexas. O jornalismo, aos poucos, vai se apercebendo disto. Porém, ainda adotando uma velocidade muito aquém do nível necessário a fornecer novos horizontes informativos à sociedade. E, sem informação, dificilmente se consegue alcançar algum nível de eficiência nos debates sobre políticas públicas.

A discussão energética, tema recorrente dentro do jornalismo econômico, passa por essa carência de ter agregado informações de cunho científico. Os noticiários são teimosamente repetitivos, sequer há variação nas fontes consultadas. O exemplo clássico é o horário de verão e suas promessas de evitar apagões e blecautes no sistema gerador de energia elétrica. Em época de estiagem, a mesma ladainha de ministros, governadores e técnicos do governo.

A imprensa acaba passiva, servil, sem interesse em correlacionar eventos, situações e ações praticadas num passado extremamente recente. É o conformismo de uma instituição que se vê competente na postura de reprodutora de discursos automatizados, oficiais e ao remeter o problema da crise energética e do crescimento nacional a números e no uso do ‘economês’ com linguagem usual.

Num intervalo de uma semana, em fevereiro, os jornais noticiaram o fim da edição 2007/2008 do horário de verão e a viagem do presidente Lula à Argentina. Em solo portenho, o mandatário brasileiro se comprometeu a fornecer energia elétrica ao país vizinho com o retorno aos cofres públicos ‘quando puderem pagar’, como se expressou o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, à BBC do Brasil. Nenhuma relação entre os dois eventos foi feita até agora.

Proselitismo político

Neste caso, não é só o proselitismo presidencial que deveria ser observado, pois seria cair no lugar-comum. Mas questões que afetam diretamente a saúde dos brasileiros, que se vêem obrigados a acatar as decisões do governo federal.

Segundo o Ministério das Minas e Energia, a economia gerada nos quatro meses do regime de alteração de horário foi de 4,2%, ou seja, 1.557 megawatts no horário de pico, identificado como sendo das 19 às 22 horas. Uma semana depois, a mesma pasta se incumbe de anunciar o envio de 200 megawatts por hora ao mercado argentino.

Bastaria estar minimamente atento para observar a equivalência entre os dois cenários. Os quatro meses de transtornos à população do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil serão evaporados em apenas 8 horas de transmissão ao sistema de distribuição de energia argentino. O que mostra que a aplicação do ditado popular ‘fazer caridade com o sofrimento alheio’ cabe perfeitamente para qualificar esse tipo de política.

O caso fica ainda mais grave se algumas poucas equações forem feitas, particularmente tendo em vista a grita geral quanto aos níveis dos reservatórios das hidrelétricas logo após o período de estiagem. Se for levado em consideração o mesmo tempo gasto no horário de verão no Brasil, a Argentina levará 576.000 megawatts. Ou 370 vezes o que foi economizado pelos brasileiros. O mesmo se conseguiria em 1.110 edições nacionais do horário de verão.

Sono e falta de atenção

A ciência ajuda a ver os estragos provocados pelo horário de verão e a necessidade de um estudo urgente sobre os efeitos desta decisão sobre a saúde das pessoas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 40% dos brasileiros sofrem de insônia. Esse distúrbio do sono, segundo a entidade internacional, é gravemente afetado no período do horário de verão.

O sono das pessoas no horário de verão não é restaurador e isto foi checado pelo Laboratório do Sono da Universidade de Brasília (UnB). A perda de uma hora no sono causa irritabilidade pela manhã, dificuldade de concentração e lapsos de memória. A ciência já provou que uma parcela da população adulta tende a levar de dois a cinco dias para se adaptar ao novo horário. Outros sequer sentem a mudança. Entretanto, outra parcela significativa não se adapta.

Uma das poucas pesquisas de cunho científico feitas no Brasil vem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela relaciona a sonolência diurna excessiva em caminhoneiros com o desempenho no trânsito. Avaliou-se que 19,1% dos motoristas adormecem eventualmente ao volante. O mesmo fenômeno ocorre diariamente com 2,8%. O estudo mostra que 39,8% das pessoas se envolveram em acidentes de trânsito, dos quais 16,4% relataram ser o sono o responsável.

Uma pesquisa realizada na University of British Columbia registrou aumento de 8% nos acidentes na primeira semana após o início do horário de verão nos Estados Unidos. Outra referência vem da bióloga Miriam Mendonça Morato Andrade, professora do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp. A conseqüência imediata do horário de verão ou do término dele é o desajuste do relógio biológico.

‘Na maioria dos casos, o sono, o cansaço e a desatenção acabam passando, porém a alteração forçada deixa um saldo negativo em termos econômicos, uma vez que podem levar a pessoa a se envolver em uma série de incidentes’, informou a especialista ao boletim informativo da Unesp.

Outro estudo, da Sociedade Canadense do Sono, relata que a falta de atenção contribui para 90% de todos os acidentes de trânsito durante o período de alteração no horário. Esses custos ultrapassariam a casa dos 3 bilhões de dólares.

O berço da superficialidade

A crise energética no Brasil é usada conforme o interesse político e empresarial. Se houvesse o mínimo de vontade em suprimir esse problema da listagem dos grandes e graves temas econômicos nacionais, isto já teria ocorrido. Nos últimos anos, a poluição luminosa é tratada por cientistas, especialistas e ambientalistas em todo o planeta.

Esse assunto é ignorado pela classe política e nunca esteve presente na discussão econômica quando o tema tratado é energia elétrica. O desperdício na iluminação das áreas públicas nos centros urbanos é de 40%. Isto equivale a dizer que esse percentual de energia convertida em luz é lançado diariamente, no período noturno, ao espaço.

Entretanto, por essas plagas é mais fácil manter a cultura do desperdício, depois cobrar da população e emprestar como política de boa vizinhança. Esquecer rapidamente faz parte do exercício do ‘bom senso’ do brasileiro, do pragmatismo de última hora, no qual para ‘tudo se tem um jeitinho’. E o nosso jornalismo? Bem, esse, que deveria ser o grande fiscalizador dos poderes públicos, defensor e esclarecedor da sociedade, se encontra – mesmo que mal acomodado – em seu berço esplêndido da superficialidade.

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Jornalista e pós-graduado em jornalismo científico