Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Falta dizer que somos perdulários

O mestre em Comunicação Washington Araújo nos brindou com um bom artigo, neste Observatório, intitulado ‘Falta diálogo com a sociedade‘, no qual ele discute um possível erro por parte da mídia na abordagem do assunto meio ambiente. Em parte, dou-lhe razão, quando ele presume ser falta séria a incapacidade de o jornalismo ambiental apontar estratégias e considerações de âmbito multidisciplinar no aprofundamento do assunto. Estabelecer, quem sabe, um estatuto pedagógico na imprensa, no jornalismo como um todo.

É inegável que muito dessa matéria disposta na mídia visa, tão-somente, vender jornais, sem dizer o que é, quem faz, como faz, onde está sendo feito e por quê. Transformaram um assunto sério em modismo, disponível, muitas vezes, em páginas de ‘Variedades’.

Porém, fazendo um contraponto ao artigo, digo que as informações dispostas no mundo de hoje sobre o tema dão condições básicas para, ao menos, fazer pensar. Duvido que mesmo as comunidades mais afastadas da grande mídia não sabiam que uma torneira pingando pode acabar em falta de água rapidamente. Onde está o problema, então? Na motivação, no entusiasmo, no interesse dos humanos.

Uma pausa necessária

A abastança da irresponsabilidade gerou o mundo exausto que estamos testemunhando. Cada ser vivo no planeta, hoje, sofre de alguma forma os reflexos do consumo desenfreado de energia proporcionado pelos humanos nos últimos dois séculos. O comportamento perdulário que adotamos nos fez chegar a um deadline, a um limite, a um pós-modernismo impactante, exauriu nossa capacidade de resolver a falta de melhores perspectivas. O cenário já deixou de ser sombrio, está enegrecido.

Os humanos, agora, para manter o padrão de vida que nos trouxe até aqui, não estão mais obtendo vantagens e usufruindo dos benefícios do progresso, mas correndo atrás de soluções para não perdê-los. Estamos na fase séria da manutenção corretiva, ao invés da preventiva.

Os eventos dramáticos que estamos presenciando nos últimos tempos relacionados ao clima, que é desnecessário descrever, remetem-nos a uma pausa, a uma análise do quanto, humanos, estamos responsáveis por tudo isso.

Velocidade assustadora

Na revista Global Environmental Change, num artigo de 2001, já foram levantadas estratégias de negação das mudanças climáticas, apresentadas por Suzanne Stoll-Kleemann, Tim O´Riordan e Carlo Jaeger:

1. a metáfora do compromisso deslocado (quando alguém diz ‘eu protejo o ambiente de outros modos’);

2. a condenação do acusador (‘você não tem o direito de me cobrar’);

3. a negação da responsabilidade (‘não sou a causa desse problema’);

4. a rejeição da culpa (‘não fiz nada errado’);

5. a ignorância (‘eu não sabia’),;

6. a sensação de falta de poder individual (‘eu não faço nenhuma diferença’);

7. limitações genéricas (‘há muitos impedimentos’);

8. o pessimismo (‘a sociedade é corrupta’); e

9. o apego excessivo ao conforto (‘é muito difícil para eu mudar meu comportamento’).

Só para dar um exemplo, nos verões cada vez mais cáusticos a demanda por aparelhos de ar condicionado aumenta a cada estação. Isso leva a uma reação em cadeia, a que nossas usinas geradoras de energia trabalhem com mais carga para suprir o consumo e, quando chegam ao seu limite, torna-se necessária a construção de novas usinas, abrindo mais lagos em rios, cortando matas ciliares que levarão a menos equilíbrio climático, aumentando ainda mais o calor na próxima estação, gerando mais compras de aparelhos de ar condicionado e… ufa! É assim que a coisa está acontecendo. E numa velocidade assustadora. Em proporções globais. Cada lugar do planeta, hoje, está sofrendo de alguma maneira com estes problemas.

Ainda dá tempo…

Pergunto: as pessoas não têm consciência de que isto está ocorrendo? O humano, outrora racional, se tornou tão estúpido a ponto de não perceber o quanto está se auto-extinguindo? De lá para cá, o que foi feito pra mudar esse comportamento?

Diz-se que os ambientalistas estão concorrendo para um apelo ao Armagedon. Que essa ‘classe’ é composta por um bando de desocupados e que vivem pregando a mudança do status progressista adotado na civilização moderna. Que a pensar assim, e querer uma sociedade mais cautelosa, querem a volta da Idade Média. Já ouvi a acusações de que somos fascistas e incautos perniciosos, com o dedão inquisidor apontando as nossas mazelas descontroladas. Como se evangelizar o cidadão, a forma que encontraram agora para atacar os ambientalistas, proporcionasse algum status a quem se digna a respeitar o meio ambiente.

Não! Nada disso!

Tratar do meio ambiente não pode ser visto como uma iniciativa da moda, para angariar benefícios marqueteiros, para diminuir cargas tributárias ou coisas que o valham. Cuidar do meio ambiente é cuidar da vida, da vida ao nosso redor e da nossa própria existência. Queremos um lugar bom para viver, mas se os humanos não entenderem que estamos chegando ao limite do suportável, o único lugar mais calmo será a sete palmos sob a terra. Todos sabem, devem saber, os caminhos para não se chegar a isso. Não dá mais para levar as pessoas pela mão.

Ainda dá tempo para se fazer alguma coisa, nos mobilizarmos para preservar a vida que ainda resta e que as gerações futuras tenham condições de usufruir disso. Quando a água já estiver no pescoço, ou o ar nos faltar para respirar, talvez aí, sim, seja tarde demais. Não vai mais faltar balada e desfile de carrões. Vai faltar vida.

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Biólogo, Florianópolis, SC