Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fanatismos no Oriente Médio

O tabuleiro de xadrez do Oriente foi totalmente desarrumado com a eliminação do chefe supremo da Al-Qaida. Osama Bin Laden era o comandante dos mujahidim, guerreiros santos, portanto líder militar e religioso. Sua eliminação por um comando americano no último domingo não altera apenas o quadro da luta contra o terrorismo, mas tem profundas implicações no universo político-religioso islâmico, onde o wahabismo de Bin Laden disputa com os salafitas a hegemonia da ortodoxia sunita, que, por sua vez, se opõe ao radicalismo xiita.

Apesar da fragmentação, as facções islâmicas majoritárias estão profundamente impregnadas pela devoção teocrática, igualmente antisseculares e antidemocráticas. A morte do mais audacioso dos fanáticos islâmicos não altera substancialmente o quadro conflituoso, mas reforça a necessidade de fortalecer o laicismo – o direito de crer e descrer ‒ onde quer que esteja ameaçado.

A recente decisão do STF em favor da união civil de cidadãos do mesmo sexo representa um avanço em nosso país, mas os questionamentos sobre a execução de Bin Laden não estão contemplando o fato de que foi o mandante assumido de um massacre religioso que produziu 2.982 vítimas inocentes em 11 de Setembro de 2001.

Devido à explosão dos fanatismos estamos sendo expelidos de um século que parecia dedicado à razão, à tolerância, e remetidos ao passado remoto dominado pelo obscurantismo e intolerância. Nosso empenho em humanizar o Outro, incluir, desarmar conflitos e construir alianças humanitárias é permanentemente confrontado pelos demônios da exclusão.

Confronto de fundamentalismos

Na véspera do 63º aniversário da criação do Estado de Israel, a questão do fundamentalismo torna-se crucial, magnificada por vetores opostos, igualmente irracionais. De um lado, facções político-militares como Al-Qaida, Hamas e Hizbullah, dedicadas a varrer o país do mapa, e, do outro, a coligação político-religiosa que domina a jovem nação e a empurra para um perigoso isolamento no exato momento em que o Oriente Médio começa a beneficiar-se de uma primavera política.

A criação do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948, tornou-se possível graças a uma histórica decisão da ONU do ano anterior que optou pela partilha da Palestina em dois estados, um árabe e outro judeu. Não importa que a criação do Estado árabe tenha sido impedida pelas monarquias do Egito, Transjordânia (hoje Jordânia), Iraque e pelas repúblicas da Síria e do Líbano, que não admitiam a existência de um Estado não-islâmico naquele território sagrado.

Os direitos dos palestinos

O que preocupa neste exato momento é que Israel, filho da ONU, não aceite a existência de um Estado previsto na mesma ocasião e pelas mesmas circunstâncias. O fato de ter vencido três guerras contra aqueles que queriam arrasá-lo (a tomada de Suez em 1956 não se inclui como guerra de defesa) não dá a Israel o direito de negar aos palestinos os benefícios de uma decisão que permitiu e legitimou a sua existência.

Aqui entra a inflamação teocrática: no passado, a direita israelense também não admitia a partilha da Israel bíblica, mas era uma minoria, enquadrada (inclusive militarmente) pela maioria trabalhista/social-democrata com a presença simbólica de uma pequena agremiação religiosa-operária.

A velha direita israelense, hoje engrossada pelo fanatismo religioso, não consegue pensar política ou estrategicamente, como aconteceu em 1979, quando Menachem Begin aceitou devolver a península do Sinai ao Egito de Anuar Sadat, reduzindo drasticamente as tensões regionais.

Sem carisma e grandeza, apostando na esperteza, o premiê Benjamin Netanyahu tornou-se refém de um delírio religioso que não prega a guerra santa, mas compartilha do mesmo irracionalismo dos fanáticos adversários.

Bin Laden foi o símbolo da exaltação religiosa. Melhor seria prendê-lo e julgá-lo. Não deu: foi derrubado pela onda de ressentimentos que ele próprio gerou. Hora de repensar as religiões. Ou apenas em Deus.