‘Esses são os principais trechos da palestra de ontem do jornalista Fernão Lara Mesquita:
Há algum tempo apresentei algumas idéias sobre as relações entre Ética, Informação e Controle, quando estávamos ainda num mundo bipolar, onde as duas grandes forças atuando sobre a política mundial moderavam-se uma à outra, o capital obedecia a controles muito mais rígidos e a principal ameaça contra a liberdade individual vinha, em geral, do abuso do poder do Estado. Hoje deparamos com os Estados nacionais enfraquecidos, a economia global pautada por uma competição predatória, uma tendência de açambarcamento da economia por grandes corporações e um perigoso jogo de cooptação entre elas e o poder político.
Entre as funções da imprensa, a principal é atuar como neutralizadora do poder político. Daí se segue que a detenção dos órgãos de comunicação pelo poder político invalida a sua própria razão de ser. Isso elimina também a fiscalização do comportamento ético da mídia pelo Estado, que deságua na censura. Continua sendo essencial, portanto, que a imprensa esteja nas mãos de particulares.
Eu propunha então a fiscalização pelo público leitor que é, segundo minha experiência de 30 anos de jornalismo, quem mais eficazmente cobra bom comportamento ético da imprensa. E também um esforço da própria indústria para revigorar o senso de responsabilidade dos jornalistas – institucionalizado por códigos de ética. A ameaça de aliança entre conglomerados gigantes e esquemas de poder político num ambiente pouco propício a vozes independentes é o perigoso inimigo a ser combatido.
Todos temos saudades dos tempos em que havia limites para o crescimento das corporações e em que o dinheiro, pelo menos admitidamente, não era a única medida das coisas. A ‘corporatização’ da imprensa nos Estados Unidos é causa e conseqüência da ‘corporatização’ da economia americana e, por contaminação, da ‘corporatização’ da economia global.
Só a economia daquele país tem peso para arrastar para seus padrões de desenvolvimento todas as outras economias do mundo. E só aquela sociedade contava com uma democracia suficientemente forte e organizada para deter esse avanço. Mas a imprensa tornou-se parte interessada no processo, traiu sua função original e se omitiu da obrigação de alertar o cidadão para o que estava acontecendo e suas conseqüências.
O quadro brasileiro, onde nunca existiram leis de limitação da propriedade da mídia, é uma antecipação em miniatura do que apenas começou a acontecer nos EUA depois do relaxamento dessa legislação. A instrumentalização da mídia num ambiente que não favorece a diversidade de opiniões é um fator insidioso de subversão da moral pública que se aprofunda e auto-alimenta. Se esse processo não puder ser revertido a tempo lá, se transformará num padrão mundial que virá a ser conhecido como o grande turning point que desviou a humanidade novamente para um rumo de servidão… (…) Lições brasileiras para os EUA Se continuarem desmontando a legislação que limitavam a propriedade cruzada dos meios de informação, os americanos, meros aprendizes em relação aos brasileiros em matéria de concentração da propriedade da mídia e, principalmente, de ligações perigosas entre ela e o poder político, vão se transformar, nesse quesito, num grande Brasil. Pois é pela falta de uma legislação do gênero, que proteja os interesses dos consumidores sobre o dos detentores desses meios, que estamos há anos mergulhados ‘no sensacionalismo, no escândalo e na simplificação’ crescentes na programação das mídias de massa e submetidos, em vários Estados do País, ao ‘coronelismo eletrônico’ dos oligarcas. Autopresenteando repetidoras da Globo ou de outras redes nacionais, que realimentam com verbas oficiais de seus próprios governos, eles conseguem monopólios regionais de informação e opinião pelos quais se eternizam no poder.
Contagem não muito recente mostrou que os políticos controlam diretamente um quarto das emissoras comerciais de TV do Brasil: 60 de um total de 250. E esse número se refere apenas aos veículos que detêm concessão governamental para gerar programação. A Rede Globo tem 21 filiadas pertencentes a políticos, o SBT tem 17, a Bandeirantes, 9. Como 50% do faturamento das repetidoras é carreado para as matrizes, explica-se por que as televisões brasileiras, em mercados infinitamente mais pobres que o norte-americano, conseguem sustentar a produção em casa de toda a grade de programação, um dos fatores que explicam por que a indústria da produção independente, em franca explosão em todos os países do mundo, nunca decolou no Brasil.
É preciso somar a isso o resultado da multiplicação em metástase das redes de telecomunicações sustentadas por igrejas das ultimas duas décadas. Foi-se o tempo em que as novas confissões nasciam antes. Hoje forma-se primeiro a rede de comunicação e, em cima dela, cria-se a confissão religiosa que irá sustentá-la. Cada uma dessas redes ‘religiosas’ acaba, assim que se consolidada como potencial fabricante de candidaturas, criando também o seu braço político.
Essa distorção criou máfias políticas virtualmente indestrutíveis. Nos mercados publicitários incipientes do Norte e do Nordeste do País, onde não circulam verbas suficientes para sustentar, de fato, mais do que umas poucas estações de rádio, pululam as redes de rádio e TV do esquema do ‘coronelismo eletrônico’ e das novas igrejas. Elegem os governadores e prefeitos que anunciam preferencialmente apenas nos seus próprios meios de comunicação, matando a concorrência de inanição. Calam, assim, todas as vozes dissonantes e se tornam ‘donos do pedaço’. E se, por acaso, alguma onda ética ameaçar varrer um ‘coronel eletrônico’ do cenário político, ela não chegará aos telespectadores, ouvintes e leitores locais, que ficarão sabendo do que se passa apenas através das lentes cor-de-rosa dos meios de comunicação dos próprios acusados. Por isso, todos eles escolhem, rapidamente, o caminho da renúncia, tendo a reeleição como certa.
Nos períodos eleitorais, aliás, entrará, nos intervalos desses ‘noticiários’, o ‘horário eleitoral gratuito’ – espécie de prêmio de consolação concedido aos políticos ou candidatos a políticos ‘sem mídia própria’, para uso em véspera de eleição. Nesses períodos, os veículos eletrônicos de massa ditos independentes estão proibidos de veicular qualquer tipo de informação sobre os candidatos que possa ser interpretada como uma opinião contra ou a favor de algum concorrente ou mesmo notícias que possam parecer (ou ser julgadas como) favoráveis a determinados postulantes a cargos eletivos. As notícias devem ser anódinas, como as do Diário Oficial. Mesmo que conheçam fatos desabonadores, os comentaristas das emissoras terão de se abster de revelá-los e até de explicar determinados assuntos. Mesmo os entrevistados dos programas de rádio e TV deverão ser ‘policiados’, para não manifestarem suas preferências eleitorais ou partidárias.
Por cima de tudo isso, existe, finalmente, o vasto aparato da imprensa admitidamente oficial, que também inclui todos os tipos de suporte. Cada ramo de média importância dos três poderes tem hoje o seu canal próprio de televisão. Nos Estados, a coisa se repete. E há ainda as rádios e TVs educativas e, diariamente, a Voz do Brasil. O numero de jornalistas contratados pelo Estado é, enfim, provavelmente maior do que a soma dos empregados em todas as redações privadas. E destas, apenas as voltadas para o jornalismo escrito – acessível somente a 15% das pessoas que não são afetadas pelo analfabetismo funcional — podem ser de fato independentes, se quiserem sê-lo.
Mas, no front empresarial, estarão circunscritas a disputar as migalhas de um mercado açambarcado por uma única rede que, graças aos expedientes descritos, detém, em média, bem mais que 50% da audiência nacional (chega a mais de 80% em determinados horários e locais) e de 70% do bolo publicitário, e aviltado pela presença de diversas mídias que vivem apenas subsidiariamente de verbas publicitárias privadas e, assim, podem praticar preços vis para disputá-las.
Licenças – Não existe, por outro lado, nenhuma restrição à propriedade cruzada de diferentes meios de informação numa mesma praça ou em âmbito nacional para empresas a quem são dadas ‘licenças’ tão radicalmente diferentes de abordagem do mercado. Essas questões, aliás, são definidas entre ‘sócios’ das empresas afetadas, detentores de mandatos legislativos. Pelas normas por eles estabelecidas, proprietários de redes de TV aberta podem ser donos, também, dos carregadores de TV a cabo ou por satélite, e sem a obrigação de carregar concorrentes, escândalo proibido em todo o resto do planeta. É esta a segunda parte da explicação de por que não temos uma indústria de produção independente. A política para o cabo, aqui, de exclusiva responsabilidade de quem detém a outorga do sistema de carregamento, é de torná-lo caro para os consumidores e inacessível para inúmeros canais, de modo a que não prejudique os interesses monopolistas das grandes redes. Podem, igualmente, ser donos de jornais e rádios nas mesmas praças que atingem com suas TVs e subsidiar-se mutuamente em práticas que claramente caracterizam ‘dumping’, tanto nos preços que cobram pela publicidade que veiculam quanto na publicidade cruzada que se oferecem mutuamente, em detrimento dos concorrentes.
O Brasil não se libertará jamais de suas mazelas e nem se transformará numa verdadeira democracia antes de sanear o universo das indústrias da informação e do entretenimento. O instrumento para isto são leis simples e objetivas como as que estão sob ameaça nos Estados Unidos. A solução do problema não virá de tentativas de controlar diretamente o conteúdo de cada mídia, mas de um esforço competente e objetivo para regular a sua propriedade e o seu alcance de forma a garantir a maior diversidade possível. Com essa diversidade garantida, o resto acontece sozinho.’
O Estado de S. Paulo
‘Seminário discute marco regulatório para a imprensa’, copyright O Estado de S. Paulo, 22/05/04
‘No segundo dia de debate sobre o papel da imprensa como quarto poder, no 4.º Seminário Internacional de Comunicação, em Brasília, representantes de empresas de comunicação, de ONGs e acadêmicos discutiram temas como a necessidade de criar um marco regulatório para o setor e o reflexo dos programas de entretenimento no noticiário jornalístico.
O diretor da BBC Brasil em Londres, Américo Martins, defendeu um amplo debate com a sociedade e os meios de comunicação sobre a criação de mecanismos de auto-regulação do setor. Ele explicou que na Grã-Bretanha há instituições não-governamentais que fazem o controle posterior da mídia impressa e eletrônica. ‘Mas não se trata de censura.’
O representante do Conselho de Administração do Estado, Fernão Lara Mesquita, acredita que a regulação deva passar pela propriedade da mídia e o seu alcance. ‘A limitação da propriedade de meios é fundamental para a democracia e para a saúde social’, disse. ‘Acho que a regulação tem de ser nesse nível e não no conteúdo.’ Segundo ele, a falta de regulação tem levado à formação de monopólios nas mãos de políticos e de instituições religiosas, ‘que também criam seus candidatos e os elegem’.
O diretor da Escola de Jornalismo da Universidade da Carolina do Norte (EUA), Richard Cole, disse que a concorrência com o chamado ‘info-entretenimento’ levou a uma queda na qualidade dos programas jornalísticos. ‘Os verdadeiros noticiários não são apreciados pelos jovens’, disse. Para o professor do Departamento de Mídia e Comunicações do Goldsmiths College, em Londres, James Curran, a mídia de entretenimento tem que ser pensada como algo fora do jornalismo sério.
O jornalista Fernão Lara Mesquita participou do seminário ontem, com uma palestra sobre a ameaça da ‘corporatização’ da mídia.’
Tela Viva News
‘Receita da Globopar cresceu R$ 458 milhões em 2003’, copyright Tela Viva News, 18/05/04
‘A Globopar divulgou o seu balanço financeiro referente ao ano de 2003. Os números, apesar de antigos, mostram alguns resultados do esforço do grupo Globo após a concordata, em outubro de 2002. O mais relevante foi o crescimento das receitas do grupo e do EBITDA das diferentes empresas. O prejuízo também se reverteu, resultado de um saldo cambial favorável em 2003. A dívida do grupo, entretanto, segue elevada e em processo de reestruturação. A comparação entre os anos de 2002 e 2003, contudo, é difícil porque mudaram os critérios de alocação dos resultados das diferentes empresas. Os auditores contratados pela Globopar (Ernst & Young) seguem bastante cautelosos em sua avaliação sobre a viabilidade financeira da companhia.
Basicamente, os resultados da Globopar consolidados trazem os números da TV Globo, Net Serviços (proporcional), Sky (proporcional), Globosat, canais Telecine e USA (proporcional), Globo.com, Editora Globo e gráfica, além da própria holding.
Em 2003, a Globopar teve receita líquida consolidada de R$ 4,123 bilhões, contra R$ 3,665 bilhões em 2002. O EBITDA consolidado foi de R$ 720 milhões em 2003, contra R$ 24,9 milhões negativos em 2002. O resultado líquido consolidado da Globopar foi de R$ 47,5 milhões em 2003, contra uma perda líquida total de mais de R$ 5 bilhões em 2002. A diferença acentuada nos números se deve à variação cambial e novos critérios para alocação dos resultados das empresas, mas também à melhora na situação financeira das diferentes companhias consolidadas no balanço da Globopar, sobretudo as empresas de TV paga. A dívida total garantida por Globopar e TV Globo é de US$ 1,4 bilhão. Somando-se ainda a participação proporcional do grupo nas dívidas das demais empresas e os juros devidos, o total do endividamento vai a US$ 1,927 bilhão. A Globopar fechou 2003 com R$ 388,2 milhões em caixa.’
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‘TV Globo teve receita líquida 19,6% maior em 2003’, copyright Tela Viva News, 18/05/04
‘A TV Globo segue como a principal fonte de receita do grupo Globo, respondendo por cerca de 70% dos resultados. Segundo os resultados de 2003 da Globopar (holding da família Marinho), a receita líquida da TV em 2003 foi de R$ 2,976 milhões (já descontadas comissões de agência), o que significa um crescimento de 19,6% em relação a 2002. O EBITDA da TV Globo em 2003 foi de R$ 336,3 milhões. Apesar do aumento de receita, o resultado líquido foi de R$ 120,8 milhões, contra R$ 220,2 milhões em 2002. A diferença se deve ao aumento de vários custos, sobretudo custos de produção e direitos, que saltaram de R$ 1,531 bilhão em 2002 para R$ 1,772 bilhão em 2003. A TV Globo destaca ainda que teve audiência média de 54% em 2003, chegando à média de 59% no horário nobre. O balanço não faz mais referência à participação que a TV Globo tem do mercado publicitário, como em outros anos. Esse percentual girava em torno de 78% tradicionalmente, mas tende a ter aumentado em 2003 dado o crescimento acima da média de mercado do faturamento da emissora no ano passado. A partir do segundo semestre de 2003, os resultados da Globo.com passaram a ser incorporados à TV, que absorveu integralmente as atividades da empresa de Internet.
Permutas
Interessante notar que a TV Globo, em 2003, celebrou uma série de permutas com alguns bancos. Estas permutas permitiram a conversão de algumas dívidas em horários de exibição de publicidade. Bradesco (R$ 11,6 milhões), Santander (R$ 24,7 milhões) e HSBC foram beneficiados com esse tipo de negócio. O uso desse espaço publicitário está programado para 2004.’