Quer me parecer tacanha a maneira dúbia com que a Justiça Eleitoral fiscaliza a cobertura política na mídia. Na prática, tanto no interior dos estados como nas capitais, é nitidamente diferente o tratamento dado à mídia eletrônica do facultado à impressa.
O horário eleitoral gratuito na televisão sofre vigilância ferrenha. O conteúdo dos jornais na TV e no rádio é analisado minuciosamente, no escrupuloso intuito de detectar inclinações políticas que poderiam construir ou destruir a imagem pública de um candidato qualquer. Para não serem punidos, os jornais da televisão se cercam de cuidados para não levar ao ar matérias que mostrem mazelas sociais (ou um simples buraco na rua) de um bairro no período eleitoral, ou que demonstrem a participação de algum candidato em ato criminoso, seja ele qual for – mesmo que seja verdade –, assim como é evitado divulgar as benesses de uma boa administração, temendo o risco de a matéria ser interpretada como tendenciosa em favor de candidato que ocupe cargo de administração pública. O fato de a televisão ser o mais poderoso instrumento político da história, aliado ao preconceito de que ‘televisão é feita pro povão e jornal é pra elite’, fomenta um sentimento altruísta na Justiça Eleitoral, levando-a a se julgar na competência de esclarecedora do povo.
Muitos jornalistas de televisão podem acabar traumatizados pela perseguição, vivendo uma situação semelhante à que se viveu nas redações de jornais do país no regime de ditadura – nos jornais impressos, ou em suas versões para a internet, a liberdade para prejudicar ou fortalecer a imagem de um candidato é explícita. Muitos cronistas, colunistas e editorialistas são verdadeiros cabos eleitorais de certos candidatos.
Maniqueísmo pobre
Ao contrário do que acontece, por exemplo, com o New York Times, identificado com os republicanos, e o Washington Post, com os democratas, nossos jornais não limitam sua preferência política aos editoriais. As matérias publicadas na editoria de política, geralmente, têm objetivos muito claros e precisos. Se muitos donos de jornais se definem eleitoralmente com certa timidez, os que postulam um cargo no Executivo ou no Legislativo fazem panfletagem expressa, abertamente, embora com o mesmo manto de neutralidade, imparcialidade.
Engessados, os jornais televisivos se tornam cada vez mais insípidos e superficiais. Uma das conseqüências é que se cria um clima propício para a rápida proliferação de certos tipos de juízes ou promotores que exageram no rigor, inclusive os que transformam o destaque conseguido com uma atuação espalhafatosa em trampolim para pularem de ponta em candidaturas no pleito seguinte. A cilada da mídia eletrônica é dificílima, pois uma mesma notícia é interpretada de diferentes maneiras por cada juiz, assim como por cada eleitor. Mas o que há de mais negativo nessa vigilância atroz é permitir que verdadeiras raposas da política se safem de denúncias que manchem sua imagem. Ora, se o candidato foi julgado e condenado por um crime que cometeu, é do interesse do público a informação sobre o fato. Se fulano roubou, é mais do que merecido e justo que sua imagem seja maculada. Ilícito e imoral é o ato de tentar esconder tais informações.
Na verdade, tanto a ‘imparcialidade’ da mídia eletrônica quanto o ‘engajamento’ da mídia impressa partem de pressupostos questionáveis. A falsa idéia de que os meios de comunicação prestam um serviço público neutro prevalece sobre o fato de que estes meios pertencem a grupos privados e atendem aos interesses de pequenos grupos de sócios, de anunciantes ou seja lá o que for. A idéia de isenção, por mais que o tempo passe, parece não desaparecer nunca, vítima de um maniqueísmo muito mais pobre do que a subjetividade da palavra. Jornal, impresso ou eletrônico, tem de ter opinião, sim, e capacidade de sustentá-las com argumentos.
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Jornalista