Uma das obsessões da Folha de S.Paulo, quando tratava de restringir cada vez mais o componente opinativo nos textos de sua redação, foi a de impor a complementação das notícias com estatísticas e mais estatísticas, como se a multiplicação de tabelas conferisse cientificidade e rigor ao jornalismo, em detrimento da emoção do repórter que presencia os acontecimentos e das conclusões que eles lhe inspiram.
Os dados estatísticos, ademais, deveriam ser apresentados com destaque nas notícias, o que as tornou extremamente tediosas, robotizadas. Brasileiro não quer saber se o jogador do Corinthians acerta 58,97% dos passes ou 26,49% dos chutes a gol. Prefere uma descrição envolvente do gol de placa que ele marcou ou do passe milimétrico que deu ao artilheiro do time.
Discussões de média de desempenho fazem parte da mentalidade dos anglo-saxões, que passam a semana discutindo o percentual de erros e acertos dos jogadores de beisebol. Nós outros nos fascinamos com os grandes lampejos dos craques, com os momentos (cada vez mais raros) de arte e beleza, nos esportes e na vida.
Discussão desfavorável
A Folha nos quis fazer ainda mais colonizados do que já somos. E, de quebra, impor uma camisa-de-força aos jornalistas, de forma a que seu espírito crítico, sua ânsia por justiça, não pudessem mais extravasar para os textos.
Bem, já que a Folha gosta tanto de estatísticas, eis algumas interessantes, que me dei ao trabalho de levantar.
A utilização em editorial do termo ‘ditabranda’ para qualificar o nefando regime militar de 1964-85 e os insultos proferidos em nota da redação contra os ilustres professores que criticaram tal neologismo foi o assunto mais enfocado nas mensagens recebidas nas últimas semanas pelo ‘Painel do Leitor’.
Na semana de 15 a 21 de fevereiro, 13% das mensagens de leitores da Folha, conforme levantamento publicado pelo próprio jornal, se referiram ao Caso Ditabranda. Coerentemente, das 60 notas publicadas no ‘Painel do Leitor’, 13 (21,6%) foram relativas à principal preocupação dos missivistas.
Já na semana de 22 a 28 de fevereiro, a proporção de mensagens sobre a ‘ditabranda’ até cresceu, para 20%. O que diminuiu foi o interesse da Folha em destacar uma discussão que se tornava cada vez mais desfavorável a ela.
Presunção ridícula
Portanto, dentre as 69 notas que saíram no ‘Painel do Leitor’, míseras quatro (5,8%) abordavam o assunto que, para o público do jornal, era o mais importante do período, à frente até do ‘governo Lula’ e da ‘crise econômica’, sobre os quais apenas 6,4% e 5,3% dos leitores, respectivamente, sentiram-se compelidos a escrever à Folha.
Insisto no que já cobrei da Folha em carta (ver aqui) enviada no dia 25/02 a seis membros do seu conselho editorial, inclusive o diretor de Redação, Otavio Frias Filho, e por nenhum deles respondido, com o que acrescentaram a falta de civilidade à consciência de estarem em posição indefensável:
‘Se a Folha agora quer ter rabo preso com a extrema-direita, que, pelo menos, o assuma francamente. Caso contrário, que reconheça, também francamente, ter incidido em excessos que não definem sua verdadeira posição.
O que não pode é, simplesmente, encerrar de forma unilateral um debate que desnecessariamente provocou e agora se voltou contra si, deixando de dar satisfações e esclarecimentos aos leitores que se sentiram atingidos por seus textos.’
Reitero: a Folha continua devendo ‘aos brasileiros um editorial esclarecendo exatamente qual é a sua posição sobre a ditadura dos generais, pois um assunto de tamanha gravidade não pode ser tratado de forma tão apressada e superficial como o foi no editorial de 17/02 e nas notas da redação de 19/02 e 20/02’.
Reitero: a Folha continua devendo ‘desculpas aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides, pois é simplesmente ridícula a presunção de que, antes de se pronunciarem sobre a ditadura que vitimou seu país, eles seriam obrigados a um posicionamento público sobre os regimes políticos de outras nações’.
Perda de credibilidade
A moção de solidariedade aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides já tem mais de 5,6 mil signatários.
O Movimento dos Sem-Mídia promoverá ato de protesto diante da Folha na manhã do sábado (7/02).
Cada vez mais pessoas tomam conhecimento do sórdido colaboracionismo da Folha com a ditadura, à qual chegava emprestar viaturas para a captura e transporte de resistentes, além de facilitar a detenção dos profissionais da casa e publicar noticiário sintonizado com os interesses da repressão.
Quanto mais a Folha, qual avestruz, enfiar a cabeça na areia para fugir às verdades desagradáveis, mais a onda crescerá.
Foi assim, perdendo a credibilidade, que a Veja começou a decair. Não parou mais de despencar ladeira abaixo.
Jornalista, escritor e ex-preso político, mantém blogs aqui e aqui