Decisão estratégica: era preciso conquistar os melômanos ou melófilos paulistas. A Folha de S.Paulo sabia que os amantes da música clássica estão mais ligados ao Estado de S.Paulo (desde os tempos da velha Rádio Eldorado) e percebeu que precisava pegar uma carona na nova onda de brindomania que alcançou até mesmo a imprensa européia de qualidade.
O resultado é a coleção de CDs que a oferece aos domingos, há 21 semanas, por 10,90 reais, uma pechincha de razoável qualidade para o neófito.
Os marqueteiros internacionais reconhecem que, acabada a coleção, são irrisórios os ganhos residuais em matéria de venda em bancas ou assinaturas. Mas, em compensação, há uma vantagem de médio e longo prazo: a moçada ligada à internet precisa saber que existe uma coisa chamada jornal – mesmo servindo de embalagem para uma coleção de qualquer coisa. [Sobre o assunto ver o The Economist, 21 de janeiro, edição latino-americana, pág . 58]
Uma coisa são as estratégias das empresas jornalísticas, outra é a cultura de uma redação. Ou da agência de publicidade que prepara os anúncios das suas promoções.
‘Arte menor’?
A Folha ainda não conseguiu desencarnar da sua fase contracultural e no último domingo (22/1), quando todos os grandes jornais do mundo lembravam com fartura de espaço os 250 anos de nascimento de Wolfgang Amadeus Mozart (que transcorre nesta sexta-feira, 27/1), desancou o compositor e a sua música com um irascível e delirante artigo na contracapa do caderno ‘Mais!’.
Com todos os seus recursos e diante de uma efeméride para qual todos os jornais de qualidade se prepararam com meses de antecedência, o jornalão não conseguiu convocar nenhum crítico ou musicista nacional ou internacional capaz de escrever algo sensato ou pelo menos didático sobre a música de Mozart.
A Folha escolheu Norman Lebrecht, que não gosta de Mozart por causa dos bombons com o seu nome lançados na Áustria. A argumentação chega às raias da boçalidade. A associação do nome de Bach com um bar pode desmerecer a qualidade do gigante da música?
Lebrecht não gosta dos maestros, não gosta da comercialização da música clássica, deu um jeito de enfiar a baía de Guantanamo no texto sobre um músico nascido em 1756 e, aparentemente, não gosta de música clássica porque está incomodado com a sua divulgação. Ao que tudo indica só gosta de Dmitri Shostakovich (1906-1975), cujo centenário também se comemora em 2006. Esta fúria iconoclasta já passou da moda há algumas décadas, a palavra de ordem hoje é recuperar, redescobrir, reencontrar. Não para o editor encarregado de fechar a tapa a contracapa do caderno de idéias.
E ao servir-se do ressentimento de Lebrecht que relega Mozart à condição de ‘Rei da Muzak’, além de cometer uma das maiores impropriedades em matéria cultural, investe contra a própria empresa que gastou uma fortuna para promover os CDs oferecidos aos seus encantados leitores.
Piotr Tchaikovsky (1840-1893) não foi usado e abusado pelos programadores de música-ambiente? E a Serenata de Franz Schubert (1797-1828), a Carmen de Georges Bizet (1838-1875) e o Aleluia, de George Friedrich Haendel (1685-1759)? O teto da Capela Sistina deve ser considerado ‘arte menor’ apenas porque algumas de suas imagens são usadas e abusadas pelos programadores visuais?
Sites de interesse
No mesmo domingo, o Estadão deu um show em matéria de Mozart: chamada no alto da primeira página, linda charge de Baptistão, capa e mais cinco páginas no caderno ‘Cultura’ – Amadeus para todos os gostos, inclusive para os que detestaram o filme de Milos Forman. Auto-explica-se a preferência dos melômanos pelo Estadão.
O pior é que a agência que produziu os jingles de rádio para promover a coleção da Folha designa a música clássica como ‘musiquinha’. Se Mozart é o Rei da Muzak e a coleção de CDs da Folha é considerada depreciativamente, para que tanto esforço e recursos para chegar aos ouvidos e corações dos amantes brasileiros da chamada música clássica?
Quem salvou a Folha foi o seu colunista Marcelo Coelho, que na ‘Ilustrada’ de quarta-feira (25/1) respondeu com elegância e bravura ao lixo contracultural que o jornal exibiu dias antes. ‘Mozart, um aniversário sem bombons’ está à altura do que melhor se escreveu sobre Mozart ultimamente no Brasil, inclusive no concorrente.
Despertada por Marcelo Coelho, a direção da Folha reabilitou Mozart instantaneamente (quinta, 26/1), com uma página dedicada ao Ano Mozart onde se destacam os textos de Artur Nestrovsky e Irineu Franco Perpétuo.
O título dá a entender que a matéria publicada no domingo não faz parte do ano comemorativo. Antes assim.
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Para os internautas mozartianos aqui vai a relação de sites especializados, publicada no caderno ‘Babélia’ do diário espanhol El País (sábado, 21/1):
www.classical.net/music/comp.1st/mozartwa.html
www.geocities.com/Vienna/Strasse/2915
www.classicalarchives.com/mozart.html
www.mozartproject.or/related_sites/mozart.html
http://w3.rz-berlin.mpg.de/cmp/mozart.html
http://classicalmidiconnection.com/cmc/mozart.html
www.kunstderfuge.com/mozart.htm