Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo



CHARGES POLÊMICAS
Editorial

Censura Religiosa

‘A publicação de charges retratando o profeta islâmico Muhammad originou ruidosa onda de ataques à liberdade de expressão na Europa que desafia fundamentos da democracia republicana.

Apontando ofensa ao princípio que proíbe a idolatria e, em conseqüência, a representação da imagem de seu profeta máximo, muçulmanos em diversos países defendem a censura às charges, editadas em setembro por um jornal da Dinamarca e reproduzidas por outras publicações européias nos últimos dias.

Em razão dos protestos, o editor-executivo do jornal ‘France Soir’, que publicou os desenhos, terminou demitido, enquanto a imprensa britânica preferiu não reproduzi-los.

Ainda que algumas das charges sejam de gosto duvidoso, não se pode acatar argumentos que levem à interdição prévia de imagens ou temas sob a justificativa de que ferem suscetibilidades desta ou daquela religião.

Na tradição iluminista, há um elenco de valores que aspiram à universalidade. Entre eles estão o direito à livre expressão de idéias e o direito à liberdade de culto. Este último é concebido como uma garantia que as Constituições modernas asseguram ao indivíduo, e não aos sistemas de crença. Sempre que a liberdade individual de culto estiver ameaçada, o Estado deve ser chamado a intervir.

Ora, no caso, não há indício de que as charges constranjam a prática religiosa dos muçulmanos naqueles países europeus. O que os desenhos transmitem são críticas -que, por se filiarem ao gênero humorístico, tendem ao exagero mordaz- ao que seus autores consideram um uso desvirtuado do islamismo por terroristas adeptos de ataques suicidas.

Para tanto, os cartunistas se valeram da figuração do profeta, o que, por tratar-se de interdito religioso no islamismo, ofendeu parcela dos fiéis daquela religião. Ou seja, o conflito se dá entre um direito que aspira à universalidade, de um lado, e uma ofensa que apenas ganha sentido dentro de um sistema religioso, de outro. Não há dúvida de que, nesse caso, as democracias devem optar pela defesa do valor mais importante -a liberdade de expressão-, mesmo que isso signifique contrariar uma comunidade religiosa.

O caso das charges evoca a sentença de morte proclamada contra o escritor Salman Rushdie como punição por sua narrativa ficcional em torno do profeta Muhammad. A ‘fatwa’ contra Rushdie proveio da ‘justiça divina’ do aiatolá Khomeini, então a principal liderança do Irã, que viu blasfêmia contra o islamismo na obra do autor anglo-indiano.

Não há exemplo melhor para exprimir o contraste radical que surge da comparação entre o sistema legal vigente no Irã e o das modernas democracias ocidentais. A revolução de Khomeini trouxe a religião de volta para o centro do poder temporal. A iluminista a expulsou de lá.’

Fábio Victor

Charges enfraquecem islamismo moderado, diz editor de jornal árabe

‘O ‘Al Quds al Arabi’ é o maior jornal em língua árabe fora do mundo árabe. Produzido em Londres e impresso em mais três cidades -Nova York, Frankfurt e Jerusalém-, tem tiragem diária de cerca de 100 mil cópias.

Em entrevista à Folha, o diretor e editor-chefe da publicação, Abdel Bary Atwan, um palestino de 55 anos radicado há 30 na capital britânica, analisou a revolta gerada no mundo muçulmano pela publicação, em diversos jornais europeus, de charges do profeta Muhammad. Ele afirma que a ‘provocação’ das charges depõe contra a busca por um islã moderado e será combustível para ações de ‘lunáticos’. Define a reação muçulmana como ‘extremamente civilizada’.

O ‘Al Quds’ tem 50 jornalistas, 25 em Londres. Espécie de Al Jazira de papel, embora sem o poderio nem a fama da TV do Qatar, já publicou cartas atribuídas a Osama bin Laden.

Folha – Qual a raiz dessa crise?

Abdel Bary Atwan – Isso acontece porque desde o 11 de Setembro há uma campanha contra o islã. Desde então o islã é usualmente associado ao terrorismo. Veja que há duas grande guerras hoje e em ambas o povo muçulmano está sendo morto. Há uma humilhação deliberada de árabes e muçulmanos. Essas charges são completamente provocativas. Foram publicadas primeiro em setembro e depois republicadas em dezembro. Significa que estão deliberadamente insistindo em insultar os muçulmanos.

Folha – Mas é possível identificar um culpado por isso?

Atwan – Para ser honesto, foi um erro estúpido. Eles não entenderam o tamanho do prejuízo que causaram aos muçulmanos. Somos 1,5 bilhão de pessoas. Todos pedem um islã moderado, querem isolar os radicais. Mas esse tipo de coisa cai na mão dos radicais, não dos moderados. Isso pára nas mãos da Al Qaeda, de Osama bin Laden. Ele usa isso para reforçar a campanha contra o Ocidente. Com base nisso ele vai trabalhar para recrutar lunáticos que se oferecerão para ataques contra o Ocidente, o que tornará a situação muito ruim. Há pelo menos 10 milhões de muçulmanos na Europa. Por que provocá-los?

Folha – E quanto aos que dizem que isso tem de ser visto como liberdade de expressão, não como provocação?

Atwan – Liberdade de expressão é boa em assuntos políticos, mas, quando chega ao campo religioso, é um tema muito delicado. Se amanhã eu escrever um artigo dizendo que o Holocausto não aconteceu, vou ser processado neste país. Anti-semitismo não é aceito. Eu não posso publicar, por exemplo, uma charge caracterizando o papa como um homossexual. Você acharia de mau gosto. A BBC não mostraria, diriam que é inaceitável. Se eu argumentar que é liberdade de expressão, vão me mandar para o inferno. Há limites nessa liberdade, coisas que você não pode fazer, que são contra a ética. Todo jornal tem seu código de ética e sua moral.

Folha – No ‘Al Quds’ há um código de ética?

Atwan – Não publicaríamos nada que insultasse os cristãos ou o cristianismo, ou qualquer outra religião. Respeitamos a religião dos outros e queremos que respeitem a nossa.

Folha – Como isso terminará?

Atwan – Até agora, a reação dos muçulmanos tem sido extremamente civilizada. Nenhum dinamarquês se machucou por causa disso, não houve ataques contra europeus, nenhuma embaixada foi queimada. É uma reação pacífica do povo muçulmano.

Folha – O sr. acha que esse caso pode abrir um precedente para que, em nome da liberdade de expressão, outros veículos ocidentais repitam isso?

Atwan – Que tipo de liberdade de expressão? Qual é a questão aqui? Pense comigo. Se há um problema acontecendo no mundo hoje e você é impedido de escrever sobre ele, ok, você pode dizer que é contra a liberdade de expressão. Mas estamos falando de história. Volte 1.400 anos no tempo e caracterize o profeta Muhammad com um turbante como um terrorista. É ridículo, o homem morreu há 1.400 anos.

Como se quer ter um islã moderno insultando o seu profeta? Como se quer ter cooperação insultando o sentimento religioso dos outros? Esse caso pode ser um marco, porque, se as pessoas perceberam a gravidade disso, não vão repetir no futuro.’

Folha de S. Paulo

Embaixadas são incendiadas na Síria

‘Manifestantes atearam fogo ontem às embaixadas da Dinamarca e da Noruega em Damasco, na Síria, em protesto contra as charges do profeta Muhammad publicadas por um jornal dinamarquês e reproduzidas por várias outras publicações européias. A Dinamarca pediu que seus cidadãos deixem imediatamente a Síria.

O fogo causou sérios danos ao prédio da representação dinamarquesa, no qual também funcionam as embaixadas da Suécia e do Chile, mas foi dominado pelos bombeiros e não deixou vítimas.

Pouco depois, milhares de manifestantes se deslocaram para a embaixada da Noruega, que também foi incendiada. A polícia teve de usar canhões de água e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão. A ação policial, no entanto, não impediu que a embaixada fosse incendiada.

Aos gritos de ‘Deus é grande’, eles primeiro invadiram a embaixada da Dinamarca, queimaram a bandeira do país e a substituíram por outra, com os dizeres ‘Nenhum Deus, mas Alá. Muhammad é seu profeta’. O representante do Instituto Dinamarquês em Damasco, Jorgen Nielsen, disse à BBC que o prédio estava vazio no momento do ataque porque o protesto já era do esperado. Em seguida, o mesmo repetiu-se na embaixada da Noruega.

Os protestos dos últimos dias, deflagrados pela publicação de charges que reproduzem o rosto do profeta Muhammad, algo proibido pelo islã -algumas associando-o a atos terroristas- continuaram ontem em várias partes do mundo islâmico, como Turquia e Paquistão, e na Europa, onde houve manifestações em Copenhague e Londres.

Na faixa de Gaza e na Cisjordânia, centenas de palestinos saíram às ruas e queimaram bandeiras dinamarquesas. Homens armados tentaram invadir o escritório da União Européia em Gaza, mas foram contidos pela polícia.

Em entrevista a um jornal italiano, Mahmoud al Zahar, líder do Hamas, grupo terrorista que saiu vitorioso nas recentes eleições palestinas, ressaltou o comedimento dos muçulmanos e disse que os responsáveis pelas charges merecem a morte. ‘Deveríamos ter matado todos aqueles que ofenderam o profeta e aqui estamos, protestando pacificamente’, disse Al Zahar ao ‘Il Giornale’.

O Vaticano condenou a publicação das charges, que considerou uma ‘provocação inaceitável’. ‘A liberdade de pensamento e expressão, confirmada na Declaração de Direitos Humanos, não pode incluir o direito de ofender sentimentos religiosos dos fiéis’, disse o Vaticano em um comunicado divulgado ontem.

Com agências internacionais’



TV DIGITAL
Daniel Castro

Emissoras e teles duelam por TV digital

‘A movimentação em Brasília na última semana de representantes dos três sistemas de TV digital escondeu a verdadeira ‘guerra’ que está sendo travada nos bastidores: a disputa entre as redes de TV e as empresas de telefonia pelo modelo econômico que será adotado no país com a nova tecnologia.

Hoje, na TV analógica, para transmitir um único sinal as redes precisam de uma freqüência com a largura de 6 MHz. Com a digitalização e a compressão dos sinais, caberá muito mais informação (vídeo, áudio, dados) nesses mesmos 6 MHz. Assim, em vez de um só sinal, as emissoras poderão irradiar quatro simultaneamente. Em outras palavras, uma emissora pode virar quatro.

As teles não querem o ‘monopólio’ das TVs sobre o espectro de UHF e VHF e travam uma guerra para tirar um pedaço dele, que usariam para explorar internet de banda larga, telefonia e venda de vídeo sob demanda.

O modelo econômico é que definiria se as TVs manterão seus 6 MHz ou se perderão parte deles para novas emissoras e para as teles, na chamada convergência. Dependendo do modelo, a TV digital poderá movimentar no Brasil até R$ 100 bilhões nos próximos anos, segundo empresários.

TVs e teles são as grandes forças no tabuleiro da TV digital. As primeiras têm poder político. As segundas, poder econômico (faturaram R$ 100 bilhões em 2004, 14 vezes mais que as redes, e são grandes financiadoras de campanhas eleitorais). Fornecedores de tecnologia (japoneses, americanos e europeus) e fabricantes de equipamentos são atores secundários nessa questão, que começa a ser concluída na próxima sexta-feira, quando o governo federal deverá divulgar relatório final com estudos sobre TV digital.

Além de aspectos econômicos e tecnológicos, a definição da TV digital tem implicações político-eleitorais. Está em jogo a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo analistas ouvidos pela Folha, se Lula fizer o que as TVs querem -ou seja, optar já pelo padrão japonês e limitar o acesso das teles ao espectro de TV digital-, ele terá a gratidão das emissoras, que retribuirão com uma cobertura generosa na campanha.

‘O governo se move no sentido de que uma aliança com a Globo significa uma campanha mais tranqüila. De outro lado, isso pode ter conseqüências terríveis’, afirma Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações), entidade que faz parte do conselho consultivo do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital) e que defende o compartilhamento do espectro por canais públicos (como TV Senado), comunitários e universitários.

A TV digital provocou um racha no governo. De um lado, está o ministro Hélio Costa (Comunicações), que defende abertamente o padrão japonês, em oposição às teles. ‘O sistema japonês é o melhor para a TV aberta brasileira. O modelo de negócios da TV digital será o mesmo do da analógica. Não estamos discutindo telefonia digital, mas televisão digital’, disse Costa em entrevista à Folha.

O grande ‘rival’ de Costa entre os quatro ministros que mais têm poder de influenciar Lula nessa decisão é Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) -os outros são Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil). Furlan é visto pelos donos de TVs como aliado das teles e defensor do padrão europeu ou americano. Furlan não quis dar entrevista.

A forma como o governo vem conduzindo as discussões sobre TV digital é criticada por quase todos os ‘atores’ envolvidos na questão -menos as redes. ‘A maneira como o Ministério das Comunicações foca a discussão está equivocada. A discussão sobre tecnologia no momento é irrelevante’, afirma Marcos Magalhães, presidente da Philips para a América Latina. Para Magalhães e Schröder, antes de discutir qual o padrão, o país deveria definir o modelo econômico (quais serviços terá, qual será o modelo de negócios, qual a inserção global?).

A opção por definir antes o padrão tecnológico pode favorecer as TVs. A decisão agora (o governo promete a definição para este mês) daria vantagem ao padrão japonês, porque ele, segundo as redes e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, que fez testes nos três padrões, seria o único que oferece alta definição e recepção em veículos e celulares na mesma faixa de 6 MHz das emissoras de TV. Mas, em pouco tempo, todos os padrões deverão ser equivalentes. Por que não adiar? ‘Se a decisão for adiada para o ano que vem, as TVs terão muito menos poder’, esclarece João Carlos Saad, presidente da Bandeirantes.

Por 2006 ser ano de eleições, parte do governo (e todas as redes) tem pressa em definir a tecnologia. Articula-se um grande espetáculo para inaugurar a TV digital em 7 de setembro: um jogo da seleção brasileira de futebol transmitido em alta definição para telões instalados nas maiores cidades do país. Um gol de placa.’



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Para redes de televisão, só padrão japonês impede avanço das teles

‘Para as redes de TV, somente o padrão de modulação do sistema de TV digital japonês (o BST-COFDM) proporciona hoje as funcionalidades que lhes assegurarão sobrevivência nos próximos dez anos. Essa tecnologia lhes permitiria bloquear o acesso das teles e de novas emissoras ao espectro da TV digital, mantendo o ‘monopólio’ do ar.

Um sistema de TV digital completo inclui o padrão de modulação (seu ‘coração’), o padrão de codificação (as redes querem o MPEG-4) e o ‘middleware’ (algo como um Windows do sistema, que ‘roda’ os aplicativos).

As TVs entregaram ao presidente Lula, no último dia 18, uma carta em que pedem a adoção do BST-COFDM, a possibilidade de elas transmitirem em alta definição (HDTV) e em definição standard (SDTV), com recepção simultaneamente em televisores fixos, móveis (em veículos) e portáteis (celulares) usando 6 MHz.

Segundo as TVs, só o padrão japonês permite isso -o que os outros sistemas negam. Assim, elas poderão transmitir para telefones celulares (desde que o aparelho seja de terceira geração e tenha um chip especial) sem passar pelo tráfego das operadoras de telefonia móvel. As teles, que querem gerar receitas com o tráfego de vídeo, obviamente são contra.

Para as emissoras, principalmente a Globo, o padrão americano não é interessante porque ele ainda não é robusto o suficiente. Testes da Universidade Mackenzie em São Paulo mostraram que o padrão, desenvolvido para um país quase todo cabeado, não funciona numa nação em que 93% da população só vê TV pelo sinal aberto, pelo ar. Os televisores não ‘pegariam’ seu sinal.

Já o europeu também não interessa porque, apesar de permitir alta definição, foi desenvolvido e seria direcionado para um modelo em que as teles são dominantes.

Na Globo, o padrão japonês é visto como a única forma de assegurar um diferencial de qualidade para a TV aberta (a alta definição) e de impedir o avanço das teles.

Apesar de o sistema permitir a multiprogramação (quatro canais simultâneos), a idéia é transmitir o máximo em HDTV. A definição standard só seria usada em ocasiões especiais, como numa Olimpíada: a emissora se dividiria em dois canais quando o Brasil estivesse simultaneamente disputando uma medalha na natação e outra no vôlei, por exemplo. Dividir seus 6 MHz em quatro não interessa às redes: encarece custos (terão que produzir ou comprar mais conteúdo), pulveriza a audiência e não necessariamente atrai mais verba publicitária.

‘A alta definição é a única chance de a TV aberta se manter competitiva’, diz um alto executivo da rede. Na alta definição, a imagem é melhor do que a do DVD. Há uma sensação de profundidade muito maior. A funcionalidade, no entanto, encarece a produção, porque capta detalhes que a TV standard oculta, como fissuras em cenários. Devem-se gastar 25% a mais em produção.

No raciocínio da Globo, as teles querem forçar as TVs a serem clientes delas ou impedir seu avanço de qualidade, pela tecnologia ou pelo modelo econômico.

Para a Globo, se escolher o padrão americano, o Brasil criará uma ‘reserva de mercado’ para as teles. Isso porque o modelo dos EUA ainda não permite transmitir para televisores fixos e celulares usando a faixa de 6 MHz das TVs. É necessário uma freqüência extra, a ser operada por uma tele.

Diz a Globo ainda que o padrão europeu já transmite para televisores e celulares, mas, quando isso ocorre, o sinal do aparelho fixo perde qualidade. Representantes do consórcio europeu negam. Além disso, as TVs abertas da Europa não têm alta definição, o que cria um filão para as teles distribuírem conteúdo em HDTV via internet de banda larga.’



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Teles admitem que querem distribuir conteúdo de TV

‘As grandes companhias de telefonia negam que queiram produzir conteúdo, mas um documento que elas enviaram a dez ministros na última segunda-feira mostra que as teles querem, sim, entrar no mercado de televisão. Não como produtoras, mas como distribuidoras de conteúdo pago.

A carta é assinada por Cesar Rômulo Silveira Neto, superintendente-executivo da Telebrasil, entidade que representa as teles fixas e móveis e fabricantes de equipamentos de telefonia. A Telebrasil é a porta-voz das teles para assuntos de TV digital.

‘Atuar como canais de distribuição que aumentem as alternativas disponíveis tanto para os consumidores quanto para os produtores de conteúdo é a vocação natural dos segmentos congregados pela Telebrasil’, diz a carta, reivindicando espaço no espectro digital para as teles.

No documento, a Telebrasil sugere que o modelo econômico adotado pelo Brasil seja o da ‘convergência de tecnologias’.

Contratado pelo governo para consolidar em documentos uma série de pesquisas sobre TV digital, o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações) elaborou três cenários possíveis de cadeia de valor com a nova tecnologia.

No primeiro, que chama de ‘incremental’, há apenas um ganho de qualidade. As atuais redes recebem um canal digital e o usam para transmitir em alta definição. O segundo cenário, o ‘diferenciado’, permite tanto a alta definição como a standard -é o que mais se aproxima do que reivindicam as redes.

No terceiro cenário, o da ‘convergência’, há uma significativa ruptura com o atual modelo de televisão. Nele, não há alta definição e as redes perdem os 6 MHz a que têm direito na TV analógica e passam a competir com novas emissoras e com empresas de telefonia. Na convergência, o telespectador passa a ser usuário e o televisor, a ser um terminal de acesso (um microcomputador).

No modelo da convergência, os atuais 59 canais do espectro de UHF e VHF virariam 236 canais standard. Os atuais 59 canais não podem ser totalmente usados porque o canal 7 interfere no 8 e assim sucessivamente (só podem ser ‘vizinhos’ os canais 4 e 5 e 13 e 14). Com a TV digital, isso não ocorre, e todo o espectro pode ser ocupado. Por ser público, o espectro tem de ser utilizado plenamente por seus concessionários.

Se for adotado o modelo ‘incremental’ ou o ‘diferenciado’, não haverá espaço para novas emissoras em cidades como São Paulo. Isso porque, durante o período de transição do analógico para o digital, que deve durar dez anos, cada rede atual terá dois canais (um analógico e outro digital). Em São Paulo, já está tudo ocupado ou reservado.

Cesar Rômulo Silveira Neto, da Telebrasil, defende o modelo da convergência como forma de promover a ‘inclusão digital’ (internet grátis, bancada pelo Estado).

‘A televisão digital é instrumento de inclusão digital porque quase toda a população tem TV. Além disso, é necessário aumentar o número de programadores [de conteúdo]. Tem de aumentar a competição’, diz Silveira Neto.

O executivo defende que, após a reserva de canais para as atuais redes e para as TVs públicas, universitárias e comunitárias, os que sobrarem sejam leiloados.

Para as TVs, no entanto, não é possível competir com as telefônicas. Elas pertencem a grupos multinacionais e faturam 14 vezes mais que as redes (que arrecadaram cerca de R$ 7 bilhões em 2004). As teles têm receita ‘garantida’ porque vendem serviços; as TVs são altamente suscetíveis a crises, porque dependem da publicidade -e novas tecnologias não influenciam no crescimento do ‘bolo’ publicitário. Os anunciantes, no máximo, migram lentamente de uma mídia para outra.

‘Não é na TV aberta, que é gratuita, que vai surgir a tão esperada diversidade de fontes de informação e entretenimento. É na TV paga’, diz João Carlos Saad, da Band. Pare ele, as redes atuais não sobreviverão nos próximos dez anos no cenário da convergência.

A convergência implica ainda a mais complexa mudança regulatória. Para vigorar, entendem especialistas, teria que ser mudada até a Constituição, que impede mais de 30% de capital estrangeiro votante em empresas jornalísticas e de radiodifusão -e as teles, de controle de multinacionais, teriam de ter as mesmas limitações que elas. No cenário diferenciado, seria necessário também mudar a legislação, para permitir que uma mesma rede opere dois canais na mesma cidade.’



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‘Não discutimos telefonia digital’, diz ministro

‘O ministro Hélio Costa afirma que o padrão japonês é ‘o melhor para o Brasil’. E diz que as teles não têm direito a usar o espectro de TV digital para explorar serviços. A seguir, trechos de entrevista que ele concedeu à Folha.

Folha – Como será a composição do Sistema Brasileiro de TV Digital?

Hélio Costa – É uma decisão que depende do relatório final do CPqD [Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações], que nesses últimos dois anos ouviu a comunidade científica, a indústria, as empresas de comunicação. Vamos encaminhar ao presidente os resultados e ele vai decidir com seus ministros. Há algumas imposições no decreto [que criou o sistema brasileiro]. A primeira: que seja uma TV livre e aberta. Esperamos que a TV digital dê acesso a melhor qualidade de imagem, de som e que tenha portabilidade e mobilidade.

Uma vez que temos que ter um sistema que contemple a TV de alta definição, a interatividade, a mobilidade e a portabilidade, você acaba excluindo algumas propostas que não atendem a esses ingredientes, que têm de ser contidos em um canal de 6 MHz.

Folha – Quais propostas?

Costa – Não foram necessariamente excluídas porque estamos ouvindo os principais concorrentes: americanos, japoneses e europeus. Se todos oferecessem o que precisamos, ficaríamos apenas na questão comercial.

Neste momento, não temos esse quadro. Quem transmite realmente essas quatro operações dentro de 6 MHz são os japoneses. Isso é importante porque, se você tiver que fazer a mobilidade e a portabilidade em um canal extra, as pessoas terão que pagar.

Folha – Quais são as contrapartidas oferecidas até agora?

Costa – Os europeus e japoneses ofereceram financiamento de até 300 milhões. Os americanos oferecem US$ 150 milhões.

Folha – Royalties pesam na balança comercial? São relevantes?

Costa – Essa questão foi muito importante, a tal ponto que os japoneses abriram mão 100% dos royalties. Os europeus se propõem a investir os royalties em pesquisa no Brasil. Os americanos estão falando o mesmo. A melhor proposta ainda é a japonesa.

Tem uma coisa importante ainda. Nesses dois anos de estudos, principalmente na USP, no Mackenzie, na PUC-Rio e na PUC-RS, tivemos o desenvolvimento de algumas ferramentas. Os japoneses imediatamente aceitaram incorporar nossas inovações. Os europeus dizem que vão estudar. Outro ponto importante é a robustez. Os japoneses tiveram a preocupação de vir a São Paulo e fizeram testes com a Mackenzie. Eles conseguiram com 10% da potência do transmissor cobrir 30% da cidade. Isso vale pontos. Nós vamos fazer aquilo que atenda à TV aberta grátis no Brasil.

Não estamos comprando um sistema montado como um todo. Podemos pegar a modulação de um padrão, o sistema de compressão pode ser outro e o ‘middleware’ [sistema operacional] pode ser nosso. Agora é hora de tomar a decisão.

Folha – O sistema japonês não leva desvantagem em preço por ser um mercado menor?

Costa – Isso não existe. O aparelho de TV digital é o mesmo para os três sistemas, exceto pelo ‘front end’ [equipamento que lê o sinal enviado pelo modulador], que custa de US$ 8 a US$ 14. No ‘set-top box’ [caixa decodificadora], 90% dos componentes são os mesmos.

Folha – Dá para colocar a TV digital no ar em 7 de setembro?

Costa – Dá, está tudo pronto. As TVs já captam digitalmente. Só falta trocar o transmissor.

Folha – Para isso ocorrer, a decisão tem que sair até quando?

Costa – Não podemos forçar o presidente a tomar decisão. Até o final de fevereiro, ainda dá tempo de fazer experiência em junho e entrarmos comercialmente em setembro. Se decidirmos depois de fevereiro, vamos atrasar. Precisamos de seis a sete meses.

Folha – As teles querem entrar nesse mercado. O sr. acha justo as teles terem espaço no UHF e VHF?

Costa – As teles já têm espaço. A interatividade só será possível com linha de retorno, que é delas.

Folha – Mas elas querem oferecer serviços usando o espectro da TV.

Costa – Isso não tem jeito. Porque são empresas de telecomunicação, não de radiodifusão. Elas podem se enquadrar numa Lei Geral de Comunicação de Massa, que vamos discutir no ano que vem, que irá criar um regulamento para novas ferramentas. Estamos falando no momento de TV digital, não de telefonia digital.

Folha – Como será definido o Sistema Brasileiro de TV Digital?

Costa – Em um decreto que vai dizer qual o padrão de modulação, o sistema de compressão, os aplicativos.

Folha – O sr. apostaria que o padrão japonês será o escolhido?

Costa – Apostaria que é o que melhor atende às necessidades brasileiras.’



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Gugu vê mais chances de ter canal próprio

‘O sonho do apresentador Gugu Liberato, do SBT, é montar uma rede nacional de televisão que tenha ‘audiência, prestígio e faturamento’, nas palavras do próprio.

Liberato já tentou comprar uma concessão em Cuiabá (MT), mas a operação, em 2002, foi anulada pelo Ministério das Comunicações.

O apresentador ainda prioriza a aquisição de canais analógicos (‘Tenho recebido ofertas’, diz), mas vê na TV digital ‘uma possibilidade futura’.

Como a digitalização, em tese, abre espaço para novas emissoras, ele espera conquistar seu pedaço no megalatifúndio do ar que se formará.

Para Liberato, as atuais redes de TV não temem a entrada de novos ‘players’ como ele, porque não teriam ‘grande impacto’ no ‘bolo’ da publicidade. O grande inimigo das redes, diz, são as teles. Bingo.’



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Preço de televisor preocupa fabricantes

‘No aspecto comercial (e não técnico) a eventual escolha do padrão japonês divide os radiodifusores, assim como opõe os ministros Luiz Fernando Furlan a Hélio Costa. A principal preocupação é o custo do televisor e do ‘set-top box’ (nome técnico da caixa decodificadora) ao consumidor.

Comparado com os Estados Unidos e com a Europa, dizem empresários, o Japão é um ‘pequeno’ parceiro comercial do Brasil. Teme-se que a opção pelo padrão japonês encareça o televisor ou que o aparelho vendido no Brasil deixe de baratear na mesma proporção que, com a economia de escala, deverá ocorrer em mercados gigantes como o dos EUA e da Europa. Ou seja: nesses mercados, os aparelhos poderão ser mais baratos do que no Brasil e no Japão. E, sem televisor barato, a TV digital vai fracassar no país.

Os defensores do padrão japonês afirmam que apenas US$ 3 em componentes separam o sistema dos demais. Dizem que o único equipamento que diferencia os três sistemas é o ‘front end’, onde ficam os chips que fazem a sintonia e a demodulação dos sinais digitais. Esse equipamento, segundo a Universidade Mackenzie, responde por apenas 2% do custo de um televisor digital.

O problema seria a produção em escala. O padrão japonês só foi adotado no Japão, país que vende 10 milhões de televisores por ano -mesma quantidade que o Brasil atingiu no mercado doméstico em 2005, um recorde histórico.

Os entusiastas do Japão acreditam, no entanto, que, se o Brasil escolher o padrão oriental, outros países da América Latina o seguirão, criando-se, assim, um grande mercado de escala de produção. O Brasil exporta de 15% a 20% de sua produção de televisores (foram 2 milhões de unidades de um total de 12 milhões em 2005), a maioria para a América Latina.

‘Para as televisões, o padrão japonês é o melhor. Mas tenho dúvida se é o melhor para o Brasil’, afirma João Carlos Saad, da Band, a ‘ovelha negra’ dos radiodifusores (é o único que discorda das posições das demais, lideradas nessa questão pela Globo).

Saad diz que não defende o sistema japonês completo (o ISDB), mas a adoção de um modulador que faça o que o do Japão já faz. E acredita na evolução dos sistemas americano e europeu: ‘Não existe problema tecnológico. Blocos ou países que mandam pessoas e máquinas para a Lua não têm problema tecnológico. É um jogo comercial, de poder, de forças preestabelecidas e políticas’.

‘Os padrões ATSC [dos Estados Unidos] e DVB [Europa] atendem a mercados grandes, com escala. Para a indústria [fabricante de televisores no Brasil], ambos representam acesso a ampla gama de fornecedores de componentes. Já os chips dos ‘front end’ japoneses só têm dois fabricantes. A indústria vai ficar engessada, será um desastre para o país’, diz Marcos Magalhães, presidente da Philips para a América Latina.

A Philips é defensora do sistema europeu. Integra a ‘Coalizão DVB Brasil – Sistema Brasileiro, Padrão Mundial’, ao lado de Siemens e Nokia, entre outras européias.

A ‘coalizão’ foi lançada há duas semanas para mostrar que o padrão europeu ‘é um caso inconteste de sucesso internacional, já adotado em mais de 50 países’.

Para Magalhães, outro fator contra o padrão japonês é que no Japão não existe ‘set-top box’, a caixa decodificadora que permite que o sinal digital seja captado, com melhor qualidade, pelo televisor analógico. Lá, os televisores já chegam às lojas com o decodificador integrado, dentro do aparelho. No Brasil (onde 85% dos televisores vendidos são ‘populares’, de 14 a 21 polegadas), a TV digital não vai vingar sem os ‘set-top’, porque a grande maioria dos consumidores não tem dinheiro para comprar um televisor novo.

‘O interesse dos radiodifusores brasileiros no padrão japonês é para manter o monopólio do espectro’, afirma Magalhães.

Outro segmento que tenta participar da decisão da TV digital é o das TVs pagas. O setor reivindica a produção de ‘set-top boxes’ comuns tanto para a TV aberta quanto para a paga. Teme perder audiência caso o telespectador/usuário tenha que manipular dois controles remotos e duas caixas decodificadoras para mudar de uma rede aberta para um canal pago.’



JK NA GLOBO
Marcelo Coelho

‘JK’ pede mudança de ares

‘Já se passaram mais de 50 anos, em menos de cinco semanas, mas a sensação ainda é de que aconteceu pouca coisa em ‘JK’. José Wilker substituiu Wagner Moura no papel de Juscelino, e uma Marília Pêra cheia de tremeliques vocais assume o posto de dona Sarah no lugar de Debora Falabella. O novo casal continua a representar cenas e mais cenas de afeto e compreensão, ao som do tango de sempre. Licurgo, o furibundo coronel-lobisomem vivido por Luís Melo, já morreu, e um Carlos Lacerda cadavérico (José de Abreu), sem o poder de sedução que tinha o personagem real, ocupa a função de vilão da vez.

A segunda metade da década de 50 foi um dos períodos mais tensos da história republicana. Quem sabe a partir de agora as emoções políticas vençam a pasmaceira doméstica que caracteriza a minissérie. Embora a atuação de JK como prefeito e governador se tenha caracterizado pelo dinamismo administrativo, do ponto de vista dramático não havia muito o que contar até agora. A minissérie deu a impressão de passar pela política como quem anda sobre brasas: Vargas, a UDN, o PTB aparecem meio por ouvir dizer, como ecos ouvidos entre a sala de estar e o quarto de dormir.

Os focos de interesse da minissérie se deslocaram para aquilo que pertence à rotina do gênero: cenas de felicidade e miséria conjugal. Verdade que, com isso, ilumina-se um ponto que não pode faltar nas análises do período: por volta dos anos 50, o Brasil não apenas se industrializava e urbanizava, mas também conhecia um processo de modernização dos costumes, liberando-se aos poucos do moralismo católico.

Uma jovem puritana de direita (Bety Gofman) faz discursos a favor de Lacerda, na mesma pensão onde a vedete Dora Amar (Débora Bloch) celebra a aventura de viver. O poeta Augusto Frederico Schmidt (Antonio Calloni) declama versos apaixonados para uma mulher fria (Alessandra Negrini). Entre os pólos do puritanismo e da vida noturna, das indiferenças de alcova e dos ardores insatisfeitos, JK e Sarah representam a felicidade matrimonial a que toda novela deve tender. Os personagens ficam tanto tempo entre quatro paredes que vão se beneficiar de uma mudança de ares. Brasília não seria má idéia.’



TELEVISÃO
Laura Mattos

Galinha dos ovos de ouro

‘Depois das loiras, quem canta de galo com a criançada é Júlio, um garoto de seis anos que mora na fazenda e é amigo de galinhas. Ele é protagonista do programa ‘Cocoricó’, da TV Cultura, fenômeno entre o público infantil.

A série com bonecos completa uma década neste ano, mas o ‘boom’ do sucesso é recente, resultado de uma reformulação no formato iniciada em 2003 e do lançamento de DVDs com histórias e clipes musicais -11 títulos em menos de dois anos. Em 2005, o ‘Cocoricó’ atingiu o topo da lista dos DVDs televisivos mais vendidos (dados da empresa de licenciamento Log On fornecidos pela Cultura). Foram 216 mil cópias, acima de ‘hits’ enlatados, como o desenho ‘Bob Esponja’ (183 mil) e a série ‘Friends’ (165 mil).

Sem investimento em divulgação, ‘Cocoricó’ se disseminou entre os pais pelo boca-a-boca. Ganhou comunidades de fãs na internet e virou tema de festa infantil, ao lado de personagens da Disney e do canal pago Cartoon.

Internautas com filhos de até quatro anos, o público-alvo do programa, contam que ‘Cocó’ foi a primeira palavra pronunciada por seus bebês (depois de papai e mamãe, claro!). E que os DVDs viraram ferramenta para segurar as crianças, especialmente na hora de comer. ‘Meu filho de dois anos, o Matheus, só fica quieto se colocamos o DVD do ‘Cocoricó’. Quando desligamos, ele reclama e temos de dizer que o Júlio foi nanar’, conta à Folha o biomédico Jaime Ferreira Neto, 44, para quem o programa ‘é educativo e melhor que os outros infantis’.

Para a Cultura, as galinhas Lôla, Lilica e Zazá, personagens da série, botam ovos de ouro. No ano passado, os produtos licenciados do ‘Cocoricó’ renderam R$ 1 milhão, o que representa 70% do faturamento com licenciamento na emissora (mantida majoritariamente por verba do governo paulista). São artigos para festa, linha de higiene pessoal, jogos e bonecos, entre outros. E logo as lojas terão roupas, lençóis, toalhas de banho, sucos, CDs e novos DVDs.

Animada, a Cultura negocia a criação do parque temático Cocoricó no Playcenter, elabora sua versão em desenho animado e planeja um longa-metragem, revela Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta (que administra a Cultura). ‘O ‘Cocoricó se transformou em um ‘case’ [jargão publicitário para histórias de sucesso]’, afirma.

Além de dinheiro, a turma da fazenda traz prestígio à rede. Em 2004, ‘Cocoricó’ foi a melhor série num festival infantil da Venezuela, e em 2003, premiada no Chile na competição Prix Jeunesse Iberoamericana, uma das mais respeitadas na área de TV para criança. São troféus que valem ouro nessa fase em que a Cultura é criticada por popularizar parte da programação, especialmente com a estréia de ‘Silvia Poppovic’.

O ibope do ‘Cocoricó’ está longe dos áureos tempos do ‘Castelo Rá-Tim-Bum’, mas é um dos maiores do canal. Na semana retrasada, marcou 3,4 pontos na edição vespertina e chegou a cinco no dia 27. No mesmo período, o ‘Bom Dia & Cia’ (só desenhos apresentados por crianças), do SBT, teve 8,7 e ‘Xuxa’, na Globo, dez (cada ponto equivale a 52,3 mil domicílios na Grande SP).

Esses dois e o ‘Sítio do Picapau Amarelo’ (Globo) são, aliás, os únicos concorrentes do ‘Cocó’, já que a TV aberta decidiu não mais investir em programas infantis.

Cotidiano infantil

A alavancada do ‘Cocoricó’ tem base em uma produção bem cuidada -a custo de R$ 45 mil por episódio. Os bonecos, que antes ficavam atrás de um balcão, agora aparecem de corpo inteiro, andam, correm e dançam, o que exige uma técnica apurada de manipulação. A equipe se tornou audaciosa na elaboração dos clipes (que já geraram dois DVDs).

Um exemplo é ‘Iara’, no qual a galinha fantasiada de sereia deveria aparecer dentro d’água. Em vez de optar por filmar um aquário com o boneco atrás, o que seria mais óbvio e barato, os produtores decidiram mergulhar literalmente. Colocaram o boneco, o manipulador e o cameraman dentro da piscina de uma escola de mergulho. Ficou ótimo.

Por trás do ‘Cocó’ está Fernando Gomes, 45, diretor do programa e profissional da Cultura há 20 anos (participou do ‘Bambalalão’, ‘Rá-Tim-Bum’, ‘Castelo’ e dirigiu o ‘Ilha’). Ele criou a maioria dos personagens, confecciona os bonecos de espuma, manipula o Júlio e faz sua voz, conhecida pelo bordão ‘puxa, puxa, que puxa!’. O foco do programa são os assuntos do cotidiano das crianças (escola, amizade, boas maneiras, brincadeiras etc). Mas não deixa de explorar temas que costumam ficar fora dos infantis.

É famoso entre os fãs o episódio da ‘História do Cocô’ e o clipe em que um ‘cocô’ canta (‘Eu sou cocô, eu nasci assim… Eu existo porque vocês são bichos que gostam de comer…’). ‘Para os adultos, esse assunto é um tabu, mas nas crianças exerce uma certa atração’, analisa Gomes.

O ‘Cocó’ já falou da morte, num episódio em que o cachorro do Júlio morre e é enterrado pela turma. ‘Eles ficaram tristes, mas depois superaram a perda.’

Outro ponto forte são as músicas, criadas pelo compositor Hélio Ziskind, 50 (fundador do grupo Rumo e ganhador de prêmios Sharp por canções infantis). Algumas letras são longas e complexas. ‘As músicas não são simples, têm muitas assimetrias e, mesmo assim, vejo crianças de dois anos que já conseguem cantar. A complexidade é construtiva para o universo infantil’, diz Ziskind.

Outro diferencial: a trilha sonora não idolatra os próprios personagens. ‘Não há música para dizer que o Júlio é legal, que a Lilica é engraçada.’ Bem diferente da turma da Xuxa, aquela que ia ‘arrepiar e estourar a boca do balão’.’



***

Júlio fala em entrevista sobre TV e política

‘Apesar do estrelato, Júlio é um garoto simples. Não tem celular nem videogame e prefere brincar com bichos. Em meio à gravação do ‘Cocoricó’, ele falou à Folha.

Folha – Como é seu nome e quantos anos você tem?

Júlio – Meu nome é Júlio e tenho seis anos.

Folha – Onde você nasceu?

Júlio – Eu nasci na cidade grande, né, mas mudei aqui para a fazenda do vovô quando eu era pequenininho ainda, né. Eu vim, na verdade, passar umas férias. No começo eu achei tudo muito chato aqui na fazenda, até que eu conheci as galinhas, né. E eu vi que as galinhas falavam, eram muito legais, e elas viraram minhas melhores amigas. Logo depois eu conheci o Alípio e todo a turma, aí pedi para ficar morando aqui.

Folha – Por que não mora com os seus pais?

Júlio -Ah, por isso, porque meus pais moram na cidade grande, e eu queria morar no campo. Eles trabalham lá, não podiam vir pra cá, e eu fiquei na casa do vovô.

Folha – Quantas horas de TV você assiste por dia?

Júlio – Eu assisto pouco, porque eu fico o dia inteiro brincando. Quando eu não estou na escola, fico brincando com as meninas ou com o Alípio ou o Astolfo, então assisto muito pouco à TV. Mas eu gosto muito de um programa que ensina arte para crianças, então fico assistindo para fazer depois.

Folha – Você assiste à ‘Xuxa’?

Júlio – Nunca vi. Eu sei dela, conheço, mas não vi ainda, não pega aqui em Cocoricolândia.

Folha – E o Barney?

Júlio – Também não pega aqui. A TV aqui de Cocoricolândia é bem pequena.

Folha – E a novela das oito?

Júlio – Também não pega. Aqui só pega a TV municipal de Cocoricolândia.

Folha – Para que time torce?

Júlio – Mostro bem pouquinho [no programa], aparece às vezes uma coisinha preta e vermelha. Eu sou Flamengo.

Folha – Você já tem celular?

Júlio – Não, mas já existe celular. Não tenho porque sou muito pequeno, mas o vovô tem.

Folha – Já pediu um celular de presente?

Júlio – Ah, não. Eu não quero, vou usar pra quê?

Folha – Você pode ligar para o seu amigo que se mudou para…

Júlio – Não, eu tenho telefone de lata. Você já viu telefone de lata com cordão no meio? Pois é, eu uso bastante.

Folha – Tem videogame?

Júlio – Já tive, mas eu não acho engraçado. É mais legal brincar com as galinhas.

Folha – O que ganhou do Papai Noel no último ano?

Júlio – Ganhei uma coleção de livros. Mas ganhei do galo Galileu um computador, e isso é muito legal, estou começando a aprender a mexer agora.

Folha – Sabe o que é política?

Júlio -Hum… Sei um pouco, porque tem política em todo lugar, né. Política eu conheço mais ou menos. Tem os políticos de Cocoricolândia, eu sei que é um negócio bem complicado para a gente entender. Uma hora eles são legais, outra hora são os vilões… Eu não entendo muito bem.’

Bia Abramo

‘BBB6’, ou a falta que faz a literatura

‘É a esta altura que os ‘Big Brother’ costumam começar a pegar -mas, por ora, não há sinais de que isso possa chegar a acontecer nesta edição. Há quase um mês no ar, com três participantes já eliminados e à beira da quarto paredão, o programa parece estar fazendo água.

Não por falta de tentativa, algumas, dizem por aí, incentivadas pela produção do programa. Até agora, o ‘reality show’ já teve dois namoros -protagonizados pelo mesmo bonitão- e dois ‘rompimentos’, várias bebedeiras, acompanhadas do habitual descontrole afetivo-sexual decorrente do excesso de álcool, muita nudez física e muita mesquinharia, burrice, mediocridade, estupidez desnudadas diante das câmeras.

Os personagens parecem um pot-pourri de outras edições: entre os 14 deste ano, detectam-se com mais ou menos facilidade tipos que já estiveram naquele microcosmo. Qualquer um poderia, em tese, embarcar nas convenções que estão em jogo -bem contra o mal, relações intensas nascidas da adversidade, o pobre que vira rico como que por encanto, o espertalhão que faz todos de bobos e se dá bem, a pérfida criadora de cizânia.

Ou seja, os elementos todos estão lá, mas o roteiro empaca. Não vai. Pelo menos por enquanto, ainda não foi.

Embora todos os participantes estejam perfeitamente familiarizados com o programa e sua história (no site da Globo.com dedicado ao programa, entre os tópicos que fazem o perfil dos participantes há o ‘BBB favorito’, ou seja, o participante-modelo das edições anteriores), eles hesitam.

O sucesso de um BBB, a julgar pelos que precederam esse sexto, depende muito da capacidade de seus participantes engendrarem uma narrativa coletiva. Chama-se ‘reality show’, a coisa se apresenta em forma de um jogo com um prêmio gordo ao final, mas a capacidade de encantar -e atrair muita audiência- reside em um lugar muito diferente tanto da ‘realidade’ quanto da competição. Claro que ambas têm papel muito importante na construção ficcional, mas a história que se pretende contar nos BBBs, quando existe, vai além disso.

Na maioria das vezes, alguém puxa para si o papel de ‘autor’ dessa narrativa, em torno do qual se organizam os outros ‘personagens’.

O ‘autor’ emerge de uma dupla condição: a personalidade com algum relevo e um repertório ficcional, mínimo que seja, que permite tecer os fios da trama.

Desta vez, não parece haver nenhum autor entre os 14 que iniciaram. O monge é falso, dos pés à cabeça. Assim como a psicóloga, embaraçada por demais em suas platitudes. Os pobres simpáticos são pobres e simpáticos, mas já longe demais do realismo ‘genuíno’.

O resto é gente sem história, sem memória, sem dimensão alguma para além daquelas conferidas pela malhação.’

Paulo Sampaio

‘A diligência me atropelou’, diz Mario Prata

‘Por um momento, o escritor Mario Prata, autor da novela ‘Bang Bang’, das 19h, se sentiu o cocô do cavalo do bandido. ‘A diligência passou por cima da minha cabeça, tronco e membros.’ Quase recuperado do massacre, ele conta como recebeu as críticas devastadoras à história, que se passa no Velho Oeste -e tem personagens com nomes em inglês, participação de Pedro 2º, uma cozinheira baiana e uma prostituta japonesa. Prata, 59, escreveu livros, novelas, peças, crônicas e roteiros. Em Florianópolis, onde mora, falou da tendinite que o impossibilita de digitar, da dificuldade de administrar os colaboradores de ‘Bang Bang’, inclusive seu filho, Antônio, e do futuro.

Folha – Por que deixou a novela?

Prata – A Globo me pediu 24 capítulos para estrear, eu fiz. Mas a minha intenção era chegar a 30. Acontece que, depois de três dias escrevendo 16 horas em cada, fui pegar uma garrafa, ela caiu da minha mão. Não tinha força no braço. Já era a tendinite.

Folha – O que você fez?

Prata – Me convenci a duras penas de que seria como pedir demissão de um emprego, e comuniquei à Globo.

Folha – Como eles reagiram?

Prata – A única divergência foi quando disse que iria a um spa médico. Spas, para eles, eram aqueles de emagrecimento. Tiveram medo de abrir precedente.

Folha – Sentiu-se culpado?

Prata – E frustrado também. Passei um e-mail para o Ary Moreira, que substituía o Mário Lúcio Vaz [diretor-geral], na época enfartado, dizendo que estava constrangido de continuar recebendo. Ele foi elegantíssimo, disse que cumpriria o contrato até o fim e ainda me colocou médicos à disposição.

Folha – Acha que se queimou?

Prata – Nunca pensei nisso. Meu nome continua nos créditos, e eles ainda me pagam.

Folha – Qual o erro na novela?

Mario Prata – Ficou pop: muita citação, Beatles, ‘Yellow Submarine’, nomes em inglês. O público de TV aberta é a classe D e E, que nem sempre tem informação para entender. Eu não estava acostumado a explicar a piada.

Folha – Ainda a acompanha?

Prata – Sim, a novela e o Ibope. Sou economista, lido bem com isso. Na verdade, são quatro novelas [rindo]: eu comecei com três colaboradores; saí, entraram mais dois; aí, entrou o [Carlos] Lombardi; saiu, voltaram só os colaboradores. Sempre teve em média 28 pontos de audiência. No período do Lombardi, caiu para 26, mas depois voltou.

Folha – Gosta dela atualmente?

Prata – O Lombardi, que eu admiro muito, matou 15 personagens e tirou a camisa de outros. Ele pegou uma novela escrita por outro, é difícil.

Folha – E a repercussão?

Prata – Disseram que eu tinha sido demitido por causa do meu temperamento irascível. E que a Globo não estava fazendo o que eu queria. Ninguém teve a idéia, básica em jornalismo, de perguntar o telefone do meu ortopedista.

Folha – Como recebeu as críticas?

Prata – Eu acho um sucesso ler três páginas da ‘Veja’ falando mal. Eles amam odiar. E a minha é, pelo visto, a novela mais odiada da história. Um mérito.

Folha – Tentou se defender?

Prata – Se eu escrevesse uma carta para o Roberto [na verdade, o jornalista Ricardo Valladares, crítico de TV da ‘Veja’], eles iam me ‘carcar’ mais ainda [rindo]. Agora: a ‘Veja’ sempre foi uma revista séria, e dá informações erradas. Fala que a média de audiência das 19h é 35 pontos, quando na verdade é 30. E que a novela vai sair do ar antes do estipulado, 21 de abril. A data é essa desde o início.

Folha – Sentiu-se intelectualmente depreciado?

Prata – A diligência passou por cima da minha cabeça, tronco e membros. Fui parar em um psicanalista pela primeira vez na vida. Dez sessões.

Folha – Sabia que escrever uma novela era tão desgastante?

Prata – Não escrevia uma há 20 anos. Em ‘Estúpido Cupido’, de 1976, escrevia sozinho; cada capítulo tinha 16 laudas. Agora, são cinco pessoas, e cada capítulo tem 42 laudas. Mais complicado.

Folha – Onde complica?

Prata – Eu não sei administrar tanto colaborador. Acordava às 8h, escrevia três laudas do que eu queria no capítulo, mandava para a Márcia [Prates, uma das colaboradoras], que escaletava [separava cena por cena]; aí ela enviava para os outros colaboradores, que faziam os diálogos. Tudo voltava para mim, eu dava o tom -com atenção para não ferir suscetibilidades. [Rindo] Aí, era meia-noite.

Folha – Você chegou a se desentender com seu filho, Antônio?

Prata – Começou a acontecer algo decorrente da minha desorganização. O Antônio me disse: ‘Pai, eu não escrevo mais se não houver método’. Chegou em casa com seis cartolinas e colou na parede: ‘O capítulo de hoje começa aqui, termina ali’, disse. Só que novela é uma obra aberta. Então, de repente, eu tinha uma idéia que não estava nas cartolinas dele.

Folha – Ainda estão brigados?

Prata – Tivemos uma conversa bonita, ele me disse: ‘Pai, a gente está brigando na vida real por personagens que não existem’.

Folha – Você estabeleceu alguma restrição aos colaboradores?

Prata – Era proibido cena em que a mocinha está deitada na cama, com a música-tema dela, e o galã idem, no quarto dele.

Folha – Quem o chamou para escrever ‘Bang Bang’?

Prata – Essa novela começa há 20 anos. Eu estava fazendo ‘Helena’, na Manchete, e comecei a ‘viajar’: pelas tantas, queria colocar no ar uma picape F-100, em uma história que se passava em 1859. No embalo da piração, escrevi o começo de ‘Bang Bang’.

Folha – Quais os seus planos?

Prata – Posso dizer com letras maiúsculas que nunca mais escrevo novela. Se a Globo topar, faço a sinopse de uma, e a equipe toca.

Folha – Pretende retomar ‘Bang Bang’, caso se recupere?

Prata – Faria os últimos 30 capítulos, mas não sei se me recupero.

Folha – Acha que a emissora vai demorar para ousar de novo?

Prata – ‘Bang Bang’ não é uma ousadia: só uns 10% a mais de abuso. A Globo sabe que está se repetindo. Faz uns dez anos que uma novela não é escalada pela história, mas pelo autor. O Benedito [Ruy Barbosa], que é meu amigo, tem a fórmula. Acontece que daqui a 20 anos, todos (os autores) estarão mortos, inclusive eu. Quem vai escrever?’



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Folha de S. Paulo

Sábado, 4 fevereiro de 2006

CHARGES POLÊMICAS
Folha de S. Paulo

EUA aderem ao protesto contra charges

‘Os Estados Unidos apoiaram ontem os países islâmicos que se sentem ofendidos pelas charges do profeta Muhammad, de início publicadas na Dinamarca e agora reproduzidas maciçamente por outros jornais europeus.

No que a agência Reuters diz ser um pretexto para compensar sua reputação deteriorada no mundo muçulmano, o Departamento de Estado disse que ‘as charges são, na verdade, ofensivas’ àquela comunidade religiosa.

O porta-voz Sean McCormack disse que os EUA reconhecem plenamente e respeitam a liberdade de imprensa, mas ela deve ser exercida com responsabilidade. ‘Incitar o ódio religioso e étnico nessa questão é inaceitável.’

O semanário jordaniano ‘Shihan’ demitiu seu diretor de redação porque ele republicou as charges do profeta Muhammad que haviam aparecido em setembro no jornal dinamarquês ‘Jyllands-Posten’.

O jornalista Jihad Momani argumentou que seu propósito era o de alertar os leitores da ‘extensão das ofensas’ praticadas contra o profeta. Mas admitiu ter cometido um ‘terrível erro’. Em carta de penitência, afirma ter escolhido meios impróprios para ‘se colocar ao lado do profeta e da nossa religião’.

Líderes muçulmanos argumentaram que a publicação representava um precedente no mundo árabe, no qual os jornais ocidentais se baseariam para satisfazer a curiosidade de seus leitores.

Momani foi o segundo diretor de redação a ser demitido em razão das controvertidas charges. Na França, o diretor do ‘France Soir’, Jacques Lefranc, foi afastado pelos mesmos motivos por Ramy Lakah, empresário egípcio proprietário daquele jornal.

As charges têm dois aspectos controvertidos. Reproduzem o suposto rosto de Muhammad, o que o islamismo proíbe por induzir à idolatria. E ainda, em desenho estilizado, dão ao penteado dele o perfil de uma bomba, o que associaria o islã ao terrorismo.

Na França, o ‘Le Monde’ e o ‘Libération’ lideram campanha pela liberdade de imprensa e denunciam campanha de intimidação. O presidente Jacques Chirac apelou à ‘moderação’ para ‘não ofender convicções alheias’.

No mais grave incidente registrado ontem, cerca de 300 integristas islâmicos cercaram e provocaram danos materiais na embaixada da Dinamarca em Jacarta. Não há relato de feridos.

A manifestação mais numerosa ocorreu em Cartum, capital do Sudão, com estimados 50 mil muçulmanos. Bandeiras da França foram queimadas em Damasco, na Síria. Em Teerã, cerca de 2.000 exigiram a punição aos autores das charges. Cerca de 600 pessoas participaram de ato em Bagdá que terminou com a queima da bandeira dinamarquesa. Os manifestantes foram mil em Beirute.

O primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, que, até meados desta semana, se recusava a tomar posição, já que informações da mídia não são em seu país assunto de governo, reuniu-se com embaixadores estrangeiros em Copenhague.

Porta-vozes palestinos disseram que o ministro dinamarquês das Relações Exteriores, Per Stig Moeller, telefonou ao presidente Mahmoud Abbas e disse que seu país ‘não pode aceitar uma operação contra o islamismo’.

Os exportadores dinamarqueses já sentem os efeitos do boicote a seus produtos no mercado islâmico. As charges foram republicadas pelo ‘El País’, da Espanha, e pelo jornal búlgaro ‘Novinar’. Com agências internacionais’



ANOS JK
Oscar Pilagallo

A história do Iseb, de JK à propaganda

‘A história do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) é a de uma organização que, em apenas nove anos de existência, entre 55 e 64, se transformou de candidata a ‘think tank’ em arremedo de ‘agitprop’.

Quando se fala em Iseb, portanto, é preciso perguntar: qual deles? O da primeira fase, até 59, coincidindo com o mandato de Juscelino Kubitschek, se propôs a pensar um modelo de desenvolvimento para o Brasil, com a contribuição de intelectuais de diferentes matizes ideológicos. O da segunda fase, o ‘último Iseb’, esteve dominado por comunistas, cuja militância os colocou na mira dos golpistas de 64.

A cisão está refletida em ‘Intelectuais e Política no Brasil – A Experiência do Iseb’, uma reunião de artigos de pessoas ligadas à história do instituto. Os autores divergem até sobre a própria existência de uma burguesia nacional nos anos 50, sem o que não faria sentido o projeto nacional-desenvolvimentista.

Hélio Jaguaribe, líder da primeira fase e defensor de um modelo capitalista de desenvolvimento, identificava uma burguesia nacional. O Partido Comunista Brasileiro também, e pregava sua aliança com a classe trabalhadora. Já o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, citado por Jaguaribe, discordava: para ele, o Brasil tinha uma burguesia internacionalizada que usava o nacionalismo apenas com fins retóricos para justificar vantagens e proteções. O sociólogo Jorge Miglioli, que participou da segunda fase, explica a diferença entre burguesia brasileira e nacional: a brasileira é apenas a que detém capital; a nacional está envolvida com a defesa dos interesses do país. Havia uma burguesia assim? ‘Se ela existia, então aderiu inteiramente às forças do golpe’, conclui Miglioli.

Outro debate travado pelos autores é sobre a encampação do projeto isebiano pelo governo JK. Para Jaguaribe, foi isso o que aconteceu, ‘quase que formalmente’. Já para a pesquisadora Alzira Alves de Abreu, houve uma defasagem: o projeto nacionalista chegou quando os tecnocratas de JK já tinham outro projeto, baseado na cooperação internacional. ‘Os integrantes do Iseb não perceberam a política econômica de Kubitschek como uma política em contradição com (suas) idéias. Foi a partir de 1958 que ficou mais claro que a política de Kubitschek era desenvolvimentista, mas não nacionalista.’

O livro sofre com a irregularidade típica do formato. Além da excessiva redundância, há artigos estilisticamente pedregosos, como o de Candido Mendes, que destoam do tom mais coloquial dos depoimentos interpretativos. A ausência de um conjunto, porém, é compensada pelo resgate de idéias de um período efervescente.

Oscar Pilagallo, jornalista, é editor das revistas ‘EntreLivros’ e ‘História Viva’ e autor de ‘A História do Brasil no Século 20’ (Publifolha)

Intelectuais e Política no Brasil – A Experência do Iseb

Organização: Caio Navarro de Toledo

Editora: Revan

Quanto: R$ 38 (264 págs.)’



INTERNET
Folha de S. Paulo

Lucros menores derrubam ações da Amazon

‘As ações da Amazon, maior varejista on-line mundial, tiveram queda ontem nos pregões europeus e dos EUA após o anúncio da empresa de que as vendas do quarto trimestre de 2005 ficaram aquém das estimativas dos analistas e de os investidores terem ficado decepcionados com a projeção dos lucros anuais divulgada pela companhia.

Na Alemanha, as ações da Amazon caíram para US$ 39,03, num recuo de 8,7% em relação aos valores de quinta-feira no pregão composto Nasdaq. Nos EUA os papéis recuaram 9,9%, para US$ 38,50, a maior retração desde outubro do ano passado.

O lucro líquido do quarto trimestre de 2005 caiu 43%, para US$ 199 milhões, em relação aos US$ 347 milhões do mesmo período de 2004.’

TV DIGITAL
Ernane Guimarães Neto

Governo já pode escolher padrão de TV digital, dizem especialistas

‘O processo de decisão sobre o padrão da TV aberta digital no Brasil não está sendo conduzido às pressas, de acordo com pesquisadores da área ouvidos pela Folha, apesar de o governo ainda ouvir apresentações sobre o tema e de a Câmara falar em atraso na decisão.

Três modelos de tecnologia -o dos EUA, o japonês e o europeu- disputam o mercado brasileiro. A opinião dos cientistas é de que a discussão atual prioriza a negociação comercial entre as partes interessadas em lançar a TV digital na simbólica data de 7 de setembro. Afinal, o governo já investiu em pesquisa para comparar os sistemas.

‘Tudo isso está consubstanciado nos documentos que foram entregues ao governo’, declarou o professor Marcelo Zuffo, da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo).

Zuffo foi um dos cerca de 1.500 pesquisadores que participaram do projeto do sistema brasileiro de televisão digital, que analisou os modelos existentes e propôs adaptações brasileiras.

‘Acredito que a discussão já foi suficiente’, disse Cleidson Cavalcante, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina. Ele também lembrou o investimento que culminou com a entrega de protótipos para o modelo brasileiro em 2005.

Eles participaram anteontem de um seminário na USP sobre projetos voltados à União Européia.

Paulo Lopes, da Direção Geral para Sociedade da Informação da Comissão Européia (o Executivo da União Européia), participou do evento. Questionado sobre deficiências técnicas atribuídas ao padrão europeu, como a limitação do número possível de canais quando usada a interatividade com canal de retorno, ele disse que as objeções ‘são erradas’. ‘Isso foi mostrado na reunião com as autoridades brasileiras.’ Uma representação européia reuniu-se na quarta-feira com ministros brasileiros em Brasília.

Outro problema atribuído ao padrão europeu é a tecnologia de modulação para aparelhos móveis e celulares. Lopes disse que representantes do padrão europeu vão esclarecer as questões oportunamente.’

ILUSTRAÇÃO
Folha de S. Paulo

Folha lança terceiro concurso de ilustração

‘Estão abertas até o dia 15 de fevereiro inscrições para o 3º Concurso Folha de Ilustração e Humor. A intenção é revelar novos talentos do desenho e selecionar colaboradores para o jornal.

O concurso está dividido em seis categorias: ilustração livre, ilustração científica, ilustração infantil, charge/cartum, quadrinhos e retratos. Os candidatos podem participar em quantas categorias desejarem, com até cinco trabalhos (em tamanho ofício, 216 mm por 355 mm) em cada categoria -com exceção de quadrinhos, em que o limite é de dez trabalhos.

Os três primeiros colocados de cada modalidade terão seus trabalhos publicados em edições dominicais da Folha e o vencedor do concurso será convidado a colaborar com o jornal durante um período de experiência de até três meses.

A comissão julgadora será formada pelo cartunista Laerte, pelo ilustrador Orlando -ambos colaboradores da Folha- e pelos jornalistas Marcos Augusto Gonçalves (editor da Ilustrada), Massimo Gentile (editor de Arte), Fábio Marra (editor interino de Arte) e Luciana Sugino (editora de Arte da Revista da Folha).

Vencedores

Esta é a terceira vez que a Folha incentiva o trabalho de novos talentos. Em 1985, em um concurso semelhante, o jornal revelou o chargista Spacca e o quadrinhista Fernando Gonsales. Em 1999, foi premiado o chargista Jean, que se tornou colaborador regular do jornal na página 2.

Gonsales era um veterinário recém-formado que gostava de desenhar animais. Ganhou o concurso do jornal com seu anti-herói urbano, o rato Níquel Náusea.

Spacca tinha 21 anos quando venceu o concurso. Na época, trabalhava em publicidade. Jean foi premiado aos 27 anos, quando se preparava para prestar vestibular para o curso de história.

Além dos três, outros selecionados passaram a trabalhar para o jornal após ser revelados pelo concurso, como o ilustrador Clayton Luiz Camargo Júnior e Fabio Zimbres, que assinou a tira ‘Vida Boa’ na Ilustrada.’

TELEVISÃO
Folha de S. Paulo

‘Lost’ estréia amanhã na Globo

‘Com o sucesso de ‘24 Horas’, a Rede Globo continua o investimento em seriados norte-americanos. A bola da vez é ‘Lost’, que estréia amanhã na emissora, após o ‘Big Brother’, e, na semana, depois do ‘Jornal da Globo’.

‘Lost’ é conhecida dos brasileiros pela TV paga -teve sua primeira temporada exibida no ano passado no canal AXN.

O seriado, um dos maiores sucessos do gênero nos últimos anos, começou a ser exibido nos EUA em 24 de setembro de 2004. A série é das maiores audiências da rede ABC e vai ao ar nos Estados Unidos toda quarta-feira. A segunda temporada, que estreou em 21 de setembro nos EUA, está em seu 12º episódio no país -aqui, a série deve voltar ao AXN apenas em 6 de março.

‘Lost’ chega à TV aberta brasileira em momento de alta -o programa ganhou o Globo de Ouro de melhor série dramática no mês passado. Além disso, gera subprodutos rentáveis, como uma revista bimestral, games e livro de crônicas. Misticismo, mistério, um clima tenso e uma atmosfera extraterrestre à la ‘Arquivo X’ são os ingredientes que temperam a trama do seriado.

Um problema no vôo 815 da Oceanic Air faz com que o avião se quebre ao meio em cima do Pacífico. Parte cai numa ilha, e algumas pessoas sobrevivem. A queda é filmada com uma câmera claustrofóbica, em ritmo frenético, e essa agilidade segue para mostrar a vida pós-acidente.

As dezenas de sobreviventes logo descobrem que a ilha não é apenas uma ilha e que ela não é tão desabitada quanto parece -nada nem ninguém é o que parece, esse é o charme de ‘Lost’.

Além dos problemas enfrentados na ilha, a ação se desenrola em flashbacks -por meio da memória de cada um dos personagens principais, ficamos sabendo de suas histórias e de seus mistérios anteriores ao vôo 815.

Há, por exemplo, o médico e mocinho Jack (Matthew Fox), a bonitona Kate, o latino Hurley, um casal de coreanos, o misterioso Locke, o malvado Sawyer… Além de um urso polar, de javalis, de um monstro enorme e de uma francesa que já estava na ilha…

Filmado no Havaí, ‘Lost’ é criação de JJ Abrams (de ‘Alias’), Jeffrey Lieber e Damon Lindelof. Além do site oficial (http://abc.go.com/primetime/lost/), os endereços www.lost-tv.com e www.lost-media.com são boas fontes de informação.

Lost

Quando: amanhã, às 23h40, episódio de duas horas de duração; todos os dias, após o ‘Jornal da Globo’, na Rede Globo’

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