No último domingo (19/5), uma parte dos assinantes dos dois jornalões paulistanos recebeu o seu exemplar duplamente descaracterizado. Ou duplamente manipulado. Ambos apresentavam a mesma meia-sobrecapa (anúncio da rede varejista Magazine Luiza) e, como se não bastasse a despersonalização, ambos foram enfiados em idênticos envelopões publicitários pagos pelo consórcio imobiliário Lopes/Cyrella.
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo abriram mão de suas personalidades, abdicaram da imperiosa diversificação – essência da pluralidade democrática – e, sobretudo, resignaram-se à condição de robôs de anunciantes. Mandaram os leitores às favas, lixaram-se para as respectivas imagens e não tiveram pudor em exibir o quanto são iguais.
Empolgados com os resultados divulgados pelo projeto Inter-Meios relativos ao primeiro trimestre de 2008 (aumento de cerca de 24% para jornais impressos contra cerca de 16% do mercado de mídia como um todo), viajam com o piloto-automático rumo ao repeteco.
Esquecem que o projeto Inter-Meios – uma parceria entre o jornal especializado Meio&Mensagem e as principais empresas de comunicação do país – não pode ser comparado com o trabalho ‘científico’ de auditagem fornecido por empresas especializadas. A confiabilidade destes números é simbólica, imagina-se que as maiores empresas jornalísticas brasileiras não cometeriam um haraquiri enganando a sociedade com falsos indicadores.
Tendências indefinidas
Além disso, é preciso prestar muita atenção na qualidade do aumento na receita publicitária. Foi aumento bruto ou líquido? Se uma empresa oferece descontos exagerados aos anunciantes, o aumento é financeiramente nulo ou insignificante. Este tipo de olimpíada exige placares mais detalhados. Um ou mesmo dois trimestres são insuficientes para definir tendências. Sobretudo em tempos de volatilidade econômica.
Para enfrentar as doses maciças de entretenimento televisivo e o caráter fragmentário da informação virtual, a mídia impressa de qualidade só tem uma saída: valorizar suas diferenças. Naquele domingo, a Folha oferecia duas boas atrações: a reportagem ‘O Infiltrado’, contando as experiências de um repórter na pele de um recruta da Polícia Militar carioca e a nova sondagem do Datafolha a respeito das eleições para a prefeitura de São Paulo. Matérias caras, que demandaram tempo e recursos. Dinheiro jogado pela janela porque a meia-sobrecapa do Magazine Luiza encobria parcialmente os dois destaques.
Com matérias menos palpitantes justamente para não desperdiçá-las, o Estadão perdeu o seu último domingo quente de maio, já que o próximo (25/5) será esvaziado pelo feriadão. Na ponta do lápis foi um bom negócio?
Bom negócio em empresas jornalísticas é independência. O projeto Inter-Meios jamais conseguirá aferir esta espécie de ativo. Só independência (ou individuação) traz leitores e credibilidade. Jornais indiferenciados e encobertos por anúncios parecem arapucas. Lembram lobbies.