O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes desapareceu das primeiras páginas dos jornais na sexta-feira (1/6). Folheando a semana para trás, o leitor atento há de ficar atônito. Nem mesmo o ingresso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na polêmica criada com a acusação de Mendes, de que se sentiu chantageado pelo ex-presidente Lula da Silva, foi suficiente para manter aceso o interesse da imprensa no acontecimento bizarro.
Então tudo aquilo não tinha o menor sentido? Onde foi parar, de repente, a absoluta credibilidade do ministro da Suprema Corte?
Em lugar das manchetes ruidosas, os jornais publicam sobre o assunto, além de uma frase de FHC, dita durante palestra a empresários na China, apenas uma declaração de Lula, feita em entrevista a um programa popular de televisão, segundo a qual “quem inventou a história que prove”. Aquilo que era manchete desde a segunda-feira, a partir de uma declaração de Gilmar Mendes à revista Veja, se desvanece no ar.
Os jornais teriam se convencido, de uma hora para outra, de que o ministro da Suprema Corte mentiu, exagerou, equivocou-se? Essa possibilidade transparece no editorial publicado nesta sexta-feira pela Folha de S. Paulo, no qual há uma clara condenação da atitude de Gilmar Mendes.
Criticando genericamente alguns episódios que provocaram crises no Supremo Tribunal Federal ao longo da última década, o jornal paulista afirma que a reunião cujo teor suscitou a controvérsia da semana foi uma impropriedade cometida pelos três protagonistas: o ex-presidente Lula da Silva, o ministro do STF Gilmar Mendes e o ex-ministro Nelson Jobim, anfitrião do encontro.
Mas as palavras mais pesadas caem do lado de Gilmar Mendes: o jornal pondera que ele não deveria ter buscado essa exposição, “em face da conjuntura politicamente aquecida pela vizinhança da CPI do caso Cachoeira, centrada na figura de um senador com quem o ministro Gilmar mantinha relacionamento próximo o bastante para aceitar caronas de avião”.
O que a Folha está declarando, implicitamente, é que o ministro do Supremo Tribunal Federal tem explicações a dar sobre suas relações diretas ou indiretas com o bicheiro e que o entrevero que provocou ao acusar o ex-presidente Lula não o exime dessa responsabilidade.
O jogo virou
Não se pode adivinhar o que a Folha tem em seus arquivos que possa comprometer um ministro do Supremo Tribunal Federal e se sua direção vai ou não autorizar a publicação. Mas, a julgar pelo tom do editorial, pode-se afirmar que essa decisão saiu das mãos do editor de Política do jornal, se é que ele algum dia teve autonomia para tratar desse tipo de assunto.
Como afirmou este observador durante a semana, trata-se de mais um episódio patético que começa em crise e termina em anedota (ver aqui e aqui). Mas, ao contrário de alguns casos anteriores, a imprensa não pode agora simplesmente virar as costas e fingir que nada aconteceu.
O ministro Gilmar Mendes colecionou desafetos em número e valor suficientes dentro do próprio Supremo Tribunal Federal para poder escapar da “insinuação escrachada” no editorial da Folha de S. Paulo sobre suas relações com o senador Demóstenes Torres.
Observe agora o leitor a mudança de rumo na lógica do episódio: se de fato o ex-presidente Lula da Silva tentou negociar um adiamento no julgamento do caso chamado “mensalão” em troca de blindar o ministro do Supremo com relação ao caso Demóstenes-Cachoeira, a própria imprensa tratou de romper o véu e acusar diretamente o ministro Gilmar Mendes – não em declarações de terceiros, mas em editorial! – de manter com o senador acusado “relacionamento próximo o suficiente para aceitar caronas de avião”. Se houve, como disse o ministro do STF, uma chantagem para mantê-lo fora do caso Demóstenes-Cachoeira, o episódio acaba por lança-lo diretamente no fogo.
Virado o jogo, o que fazer, então, dos dias anteriores, que o leitor revisita quando resolve folhear os jornais para trás? Onde foram parar todas aquelas fichas apostadas na versão do ministro, agora que o seu movimento acaba por colocá-lo oficialmente entre os suspeitos de “relacionamento inapropriado” com alguém que é acusado de corrupção, formação de quadrilha e outras delinquências?
Já não se trata agora da credibilidade da imprensa, mas do respeito que se deve à Suprema Corte de Justiça.