Pelo nariz. Era sempre assim que eu começava algum desenho meu na infância. Depois de um ponto na esquerda, um pouco acima do nariz, eu puxava um semicírculo que ia terminar só na outra ponta, do outro lado do nariz. Depois vinham os dois olhos e, por fim, a boca e os cabelos. Estava pronto o rosto. Nada de técnica. E nem de muito talento. Era só um gosto mesmo.
Depois, lembro da praia. Teve um ano que fiz uma série com um tal de doutor alguma coisa. O projeto inicial era desenhar episódios de um desses cientistas malucos com restos de cabelo ao lado da grande careca central. Bem o estereótipo de cientista calvo. Esse tal doutor, então, aparecia vestido de cientista, de surfista, de jogador de futebol, de havaiano, de policial e de Comandos em Ação. Não lembro como isso terminou. Até esses dias eu estava fazendo uma limpeza nas coisas e encontrei esse caderno com aqueles desenhos engraçados. Mas nada de muito talento, não. Todos, invariavelmente, tinham de ter legenda. Sabe como é, facilitava a compreensão.
O tempo passou e comecei a descobrir o desenho feito no computador. Corel Draw. Nossa, era um sonho. Tantas possibilidades, curvas, texturas, cores. Lembro de uma vez em que um vizinho desenhou um aquário na minha frente. Peixes, textura de água, vidros em 3D. Meu envolvimento com a forma começava a se tornar mais efetivo.
Juventude da cor
Hoje minha profissão é basicamente forma. Trabalho com design e não consigo olhar pras coisas sem perceber nelas a cor, o formato, a tipografia, o diálogo entre o texto a forma. É educação para a forma, não tem jeito. Vejo fachadas de lojas e anúncios e logo identifico a fonte tipográfica. As coisas grosseiras e de mau gosto me incomodam mais do que às outras pessoas. E isso, de certa forma, influenciou minha forma de ver e de perceber o jornalismo contemporâneo.
A revista Imprensa, especializada em jornalismo e em mídia, é um grande exemplo de evolução do que se chama design de imprensa. Claro que sem esquecer os casos clássicos de jornais brasileiros que fizeram história por inovar em sua diagramação, em sua forma. Estou com três revistas Imprensa em casa. De três meses seguidos: uma de setembro/outubro, outra de novembro e a última de dezembro. É significativo o avanço de uma edição para outra, por conta de uma reformulação de formato pela qual a revista está passando. A edição de dezembro, com fontes tipográficas menores, nome das editoriais em espaços bem-encontrados, fotos e ilustrações bem dispostas na página, sem atrapalhar o conforto de cada frase e a liberdade que todo texto precisa para fluir com naturalidade. É tudo educação. Sei que nem todos percebem isso, mas uma revista ou um jornal com uma boa forma, feita com estudo e no capricho, tem, inclusive, maior valor editorial pra mim.
Até entendo que uma coisa é uma coisa… mas pra mim é assim e aposto que cada vez mais será assim. Temos nosso mundo cada vez mais apreensivo com a imagem, seja ela visível ou abstrata. Basta prestarmos a atenção no novo caderno ‘Patrola’, do jornal gaúcho Zero Hora. Fontes tipográficas, cores e disposição, tudo voltado para o público jovem, da juventude da cor, da descontração dos formatos e, principalmente, da dinâmica dos textos. Todos eles estão sempre muito bem-acompanhados. Ou num retângulo amarelo, ou dentro de uma ilustração ou coberto por estrelinhas que caem do cabeçalho.
Diálogo imprescindível
Entrei em outra questão, né? A de a forma ser assim ou assado porque é dirigida para um público assim ou assado. Também é muitíssimo verdade. Diário Gaúcho, outro exemplo. Exemplo de jornalismo popular. Mulheres atraentes na capa, receita de bolo no fundo, tudo com bastante cor e diagramas que tornem a leitura bem mais agradável que um dia de trabalho e de um ônibus lotado.
E os textos, reza a atual cultura do imediatismo, não podem ser longos. Se forem, devem estar bem-apresentados. Deve haver um equilíbrio. Não pode haver muita coisa que acabe roubando a atenção, mas não pode ser um cadáver a página. Ela precisa estar viva, ser percebida pelo leitor e fazer com que esse leitor veja que houve dedicação ao se conceber aquela matéria.
Não quero criar teses aqui. São só sentimentos meus. Acabei me educando através da forma e hoje já não consigo ler jornal do mesmo jeito.
E entendo que isso é mais uma dos desafios do jornalismo. Vivemos em época de cibercultura, de hipertextos e de blogs. Esse é cada vez mais o século da imagem, o século do que se vê, e não do que se lê. Há, sim, por mais que insistamos em não admitir, uma desvalorização da leitura do texto longo. Talvez nem tanto porque se quer. Simplesmente porque não se tem mais tempo pra sentar e ler o jornal inteiro. Lê-se o que é mais atrativo, mais bem diagramado. Jornalismo e forma, um diálogo possível e imprescindível.
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Estudante de Jornalismo da Unisinos (RS)