São iniciativas autônomas, recortadas da pauta diária. Isoladas, assustariam bastante; reveladas simultaneamente, oferecem um quadro alarmante.
A matéria de capa da revista The Economist distribuída no fim de semana com a pergunta "Quem matou o jornal?", a agenda de um grupo de trabalho do PT para o segundo mandato do presidente Lula denominada "Democratização da Comunicação", e a pauta do 6º Congresso Brasileiro de Jornais (as duas últimas reveladas pela Folha de S.Paulo na segunda-feira, 28/8) não podem ser lidas separadamente. Óbvio, foram publicadas ao mesmo tempo, mas, além disso, estão intimamente relacionadas.
A imprensa como instituição livre e os jornais na condição de matrizes do pluralismo correm sério perigo. Estão sendo atacados ao mesmo tempo pelos conservadores inteligentes (os piores), pelos "progressistas" profissionais (um perigo para humanidade) e pelos sátrapas da mídia (desnorteados como nunca). Naturalmente secundados pelas máfias de consultores, assessores e lobistas a serviço de qualquer tarefa desde que sejam regiamente pagos.
A ação dos assassinos
A matéria da Economist é um modelo de falta de assunto. Saiu na última semana de agosto, fim das férias do verão europeu, quando as gavetas dos editores já estão vazias, raspadas ao longo de, pelo menos, quatro semanas de abobrinhas e pautas mixurucas.
Cascata sócio-econômica desprovida de qualquer fato novo, repetição do que já vem sendo dito há um par de anos sobre o inevitável fim dos jornais e a sua substituição pela internet. Parcial e preconceituosa do princípio ao fim. Desfibrada pelo calor do verão, a mais inteligente das revistas da atualidade optou pela simploriedade, saiu burra.
O título "More media, less news" – mais veículos, menos notícias – é capcioso e perigoso. Se é constatação, está liminarmente errado (hoje há menos veículos e menos informação). Como proposta é suspeita porque parte do princípio de que é positiva a fragmentação dos meios de informação.
O subtítulo é enganoso: a não ser na utilização das ferramentas de busca os jornais não estão fazendo progressos no uso da internet. E nem poderiam fazê-lo de forma ilimitada, já que os diários são periódicos, necessariamente intermitentes, e a internet funciona em tempo real, em fluxo contínuo.
Mas o que chama a atenção imediatamente é a ambigüidade da palavra newspaper. Como a Economist começou como jornal semanal há 163 anos, continua referindo-se a si mesmo como newspaper. Tem até a palavra newspaper na razão social. Chique, very British.
Mas se os newspapers estão mortos ou sendo mortos como proclama na capa, onde se situa a Economist – entre as vítimas, quase-vítimas ou sobreviventes?
Todas as soluções para salvar a imprensa mencionadas na reportagem são sopradas por consultores e analistas que jamais meteram a mão na massa. Não aparece um único jornalista eletrônico explicando as vantagens da internet sobre os jornais impressos
A internet poderá roubar grande parte dos classificados dos jornalões, mas perderá sempre nos anúncios do tipo display. Os pop-ups dos portais de notícias já foram febre, hoje são praga. Não vendem, afugentam.
Os jornais gratuitos, os metronews, apontados como solução para a crise dos jornais, são formas alternativas de informação impressa destinados à prestação de serviços e noticiário ligeiro. Até agora não conseguiram encontrar a necessária entonação e a imperiosa credibilidade para se transformarem em efetivos mediadores. Descartáveis a partir da sua própria natureza.
Um consultor afirma que os leitores hoje querem informações capazes de fazê-los mais ricos. E um editor brasileiro afirma categórico que os leitores querem mais suplementos de culinária e decoração e menos Hezbollah e terremotos.
Quem matou o jornal (ou a revista)?
Não é preciso ser um Sherlock Holmes para afirmar que os assassinos agiram em bando – são as férias de verão e a irresponsabilidade de publicar qualquer coisa antes do dia 1º de setembro.
Excelência em jornalismo
A segunda ameaça, a agenda para a democratização da comunicação, foi obtida pela Folha. Trata-se de um documento que teria sido preparado por um grupo de trabalho para o segundo governo do PT. Segundo a Folha (28/8, pág. A-4), é um conjunto de "medidas vigorosas para regular e democratizar os meios de comunicação".
O documento menciona mudanças na legislação para "assegurar mais equilíbrio e proporção na cobertura da mídia eletrônica, incentivos econômicos para a formação de jornais e revistas independentes e a criação de conselhos populares que teriam poder sobre as atuais e futuras concessões de rádio e TV".
Mais tacanho do que o projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo, mais discricionário do que a recente tentativa da Fenaj para a regulamentação da profissão de jornalistas, mais stalinista do que as ameaças do SJPDF contra aqueles que questionam abertamente as suas ações, este suposto "plano de governo" carece de sustentação documental. Não pode ser denunciado ou mesmo debatido antes que sua existência e autoria seja efetivamente comprovada.
Por enquanto é uma hipótese remota. Hugo Chávez e João Pedro Stédile não produziriam algo tão infantil e primitivo. Se o PT pretendesse mesmo disciplinar as concessões para rádio e TV não precisaria recorrer à fantasia iraniana-bolchevique de criar conselhos populares. Basta cumprir a Constituição e impedir que parlamentares sejam concessionários de canais que eles próprios concedem.
Se o PT pretendesse mesmo que no segundo mandato do presidente Lula seja iniciado um processo de desconcentração da mídia, bastaria ressuscitar o Conselho de Comunicação Social (CCS) que o presidente Lula, em seu primeiro mandato, sepultou por inspiração do sábio José Sarney e com a esmerada execução do imortal Arnaldo Niskier. Se fossem adotadas as exigências atuais da FCC (Federal Communications Commission) americana – como discutiu-se no CCS – muda-se radicalmente o quadro midiático nacional e estabelece-se um mínimo de pluralismo e diversidade informativa.
O aprofundamento da democracia brasileira não requer do próximo governo o financiamento de jornais e revistas "independentes". Isso seria uma caricatura de independência. O dinheiro que o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras jogaram pela janela para ajudar a "mídia amiga" seria suficiente para revolucionar a capacitação de jornalistas no Brasil se investido em universidades sérias e projetos de excelência em jornalismo. Mas para que isso funcionasse seria impreterível que suas assessorias de imprensa voltassem a funcionar como prestadores de serviço à sociedade. Isso acabou.
O que não foi dito
O tripé de ameaças é completado por outro relato da mesma Folha de S.Paulo (28/8, p. A-7): o programa do 6º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais). O susto começa quando se vê Timothy Balding, presidente da Associação Mundial de Jornais (WAN, nas iniciais em inglês), falando ao lado de Eduardo Tessler, presidente de uma consultoria internacional chamada Inovation International Media Consulting, notoriamente conhecida como braço empresarial da Universidade de Navarra-Opus Dei.
É compreensível que os jornalistas da Economist não tenham percebido que os males do jornalismo contemporâneo sejam originários da hegemonia dos consultores e analistas. Afinal a Economist Newspaper Limited, do Grupo Pearsons, desfruta de sólida situação e toma as suas decisões com base na experiência e qualidade da própria equipe sem recorrer a duvidosa expertise alheia.
Mas causa estranheza a perplexidade do patronato jornalístico nacional diante de tantos desafios. A questão da internet sequer é mencionada no programa do conclave. Também o aprimoramento dos textos, a requalificação das reportagens, o desaparecimento do jornalismo cultural em troca da supervalorização do show business e a excessiva cadernização que tira dos jornais o seu caráter unitário e cósmico.
Na apocalíptica sentença final, a matéria da Economist sugeriu que a indústria jornalística decida nos próximos anos se deve afrouxar a noção de "excelência em jornalismo" ou adotar um enfoque mais inovador e mais empresarial.
Considerado como veículo de qualidade, o semanário inglês pode se dar ao luxo de aconselhar os jornais em vias de extinção a continuar enganando os leitores e as leitoras com um tipo de jornalismo que ignora o Hezbollah e os terremotos (para usar a metáfora do editor brasileiro citado). Quanto mais levianos e ligeiros forem os diários, mais necessárias serão as revistas semanais de qualidade. E se as revistas tipo Time e Newsweek desaparecerem – como as pesquisas parecem indicar – os jornais sairão ganhando.
Isto não foi dito na matéria da Economist, isto não aparece no suposto projeto de democratização da comunicação do PT, isto não está na pauta do congresso dos empresários de jornal.