Li a matéria do jornalista Luciano Martins Costa e gostaria de tecer alguns comentários. A visão da imprensa brasileira acerca do governo, a bem da verdade, é panorâmica, levada por uma preguiça intelectual de restringir a discussão do tema. É bem possível que os jornalistas e articulistas não se importem em avançar em suas análises, por medo de parecerem ridículos, de motivarem debates mais aprofundados, coisas que, em sua concepção não é o objetivo principal do jornalismo. É bom dizer então que não existe tema que seja verdadeiramente estúpido, desde que seja bem trabalhado. Uma boa didática, ao falar de política, não custará nada a ninguém.
Uma abordagem mais valiosa seria tentar aprofundar o assunto de forma contextual e não da maneira linear como é feita hoje. Evidentemente que, para isso, é necessário desfazer-se de ranços históricos o que, convenhamos, não é tarefa das mais fáceis. Talvez o grande problema das matérias veiculadas e das análises na mídia seja o de citar uma fonte de segunda mão fingindo tratar-se da original e daí levar-se à formação de opinião. Um fato irrelevante pode se transformar numa "bomba" jornalística, dependendo da oportunidade, e muitas vezes trata-se de um singelo factóide. Foi o caso dos bonés de Lula.
Em cima dessas teses, surge uma outra questão: quanto tempo é requerido para se analisar a competência de qualquer governo? Menos de dois anos pensa-se que seja caricatural e necessitam de uma visão primorosa de contexto e análise crítica conjuntural para definir o padrão da administração, coisas que passam ao largo em nossa mídia. Uma análise séria e digna em tão reduzido lapso de tempo só é importante em ocasiões especiais, emergenciais,e para, quem sabe, vender o jornal do próximo dia.
Há uma indisposição com relação ao Lula. Isso é fato. Mesmo dentro do PT. Ele tem um projeto político, que se confunde com um projeto pessoal, de mostrar o quanto é possível qualquer cidadão atingir seus objetivos, muitas vezes seguindo por caminhos não tradicionais, na maioria das vezes de onde menos se espera. E ele deseja que o Brasil percorra essa mesma trajetória.
Por assumir essa postura é tachado de demagogo ao requisitar dos governantes do mundo a erradicação da fome no planeta, como diz o brilhante Cony em sua coluna dessa semana. A "intelectualidade" e a "elite dominante", dois monstrengos vivos em nossa sociedade, não admitem que um Zé Ninguém, saído não se sabe de que grotão do planeta, venha a dar de dedo no status quo vigente. E então surgem as opiniões, na tentativa de desqualificá-lo: esse Zé Ninguém acabará por converter-se ao status quo, segundo prevêem alguns, ou é muito petulante, julgam outros. Isso é resquício de nossa condição escravocrata, dando aos negros, e hoje aos pobres, os papéis que se supõem eles mereçam. No caso do Lula, deixaram-no escapar ao controle.
Todos sabemos que o Brasil vem sendo "desconstruído" há centenas de anos. Pela primeira vez, o Terceiro Estado tem condições reais de chegar ao poder e construir uma nação. No entanto, os ônus são muito maiores que os bônus.
Não seria fácil e não será, mesmo que nos próximos anos a política palocciana dê certo, manter-se esse projeto de revigoramento social tantas vezes proposto pelo PT. Contudo, a fulanização que impera na imprensa brasileira fará o papel de advogado do diabo, sem nem ao certo saber o que é ceticismo, mas apenas para cumprir o papel de arauto da democracia, coisa que acha que possui.
Alexandre Carlos Aguiar, biólogo, Florianópolis
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Que recorram à Justiça
[Ricardo A.] Setti revela o comportamento autoritário de quem está no poder. A legitimidade do atual governo se assenta nos princípios constitucionais, democráticos, os quais asseguram a liberdade de expressão, pensamento e imprensa. E prevêem o direito a petição ao Judiciário como forma de reparar os crimes de opinião, quando ocorrem. As falas de José Dirceu e companhia expressam o velho ditado "dê-lhe o bastão e conheça o vilão". Se Dirceu e companhia se acham agredidos, ofendidos, que recorram ao Judiciário. Seria uma conduta até didática de crença no próprio sistema. Ou não ?
Marcel Cheida, Campinas, SP
Vista grossa, uma cultura
Temos uma cultura da "vista grossa". Em toda instituição, por se estar convivendo diariamente e muitas vezes dia e noite, seus funcionários em todos os níveis sabem perfeitamente quem é zeloso como servidor público e quem deixa sempre a desejar no exercício de suas funções públicas. Nos primeiros anos de convívio todos, e em todos os níveis, sabemos quem tem desvio de conduta e quem não os têm. A cultura da "vista grossa" é uma via de mão dupla porque quem a pratica presta favores por ficar calado e recebe favores pelo mesmo motivo ou, pelo menos, fica agradecido por não sofrer respingos pela omissão. Quando o fato vem a público por manchar a imagem da instituição, aí sim surge o momento de dizer: "Vamos cortar na própria carne, punindo o recalcitrante". São 503 anos da permanente cultura da "vista grossa". Se os fatos provam isso, pior para os fatos, já dizia o nosso Nelson Rodrigues.Um abraço.
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