Há exatos cinco anos, um seqüestro chacoalhava a mídia nacional. Um não, dois. Crimes em série. Primeiro, Patrícia Abravanel sumiu; depois, após retornar do cativeiro, o inesperado aconteceu: foi a vez de seu pai, o comunicador Silvio Santos. O circo midiático se estendeu por semanas, não apenas por mostrar a fragilidade na segurança dos famosos, mas também por discutir limites à atuação dos meios de comunicação. Isso porque, no primeiro crime, Silvio Santos chegou a pedir aos veículos que se mantivessem distantes do caso e não alardeassem notícias na tentativa de preservar a vida da filha. Muitas empresas jornalísticas atenderam ao apelo. A Globo, não.
Em agosto de 2001, Ana Paula Padrão – então na emissora do Rio de Janeiro – explicou publicamente de sua bancada no Jornal da Globo as razões para furar o bloqueio do silêncio: ‘Não divulgar só beneficiaria os seqüestradores. Não divulgar é como dar uma aspirina a um doente terminal’. Em alto e bom som: a Globo não negocia com criminosos.
Mas o tempo passa e mudam as vontades. O recente seqüestro de dois profissionais da Globo por criminosos da facção Primeiro Comando da Capital revelou uma nova forma de reagir a esses eventos. A emissora não apenas atendeu à chantagem dos seqüestradores – divulgou um vídeo com reivindicações – como deu pleno conhecimento do que estava acontecendo. Não se furtou a divulgar o fato, mas não demonstrou a onipotência e arrogância, anteriormente exibidas.
Gota d’água?
Se a grande imprensa estava precisando de um pretexto, já não precisa mais esperá-lo. Já tem. Não pode mais ignorar que setores da vida urbana sofrem com práticas terroristas. O assassinato do jornalista Tim Lopes, em 2002, foi tratado como uma ação ignóbil, mas isolada de chefões do narcotráfico. Os constantes ataques à polícia paulista vêm sendo considerados ofensivas orquestradas. Mas parecia estagnar no topo da garganta a palavra ‘terrorismo’.
Agora, com o seqüestro de profissionais da mídia para forçar a divulgação massiva do discurso do crime, a tendência de midiatizar as ações do PCC atingiu um nível inédito. Não porque envolva jornalistas, mas porque force as empresas de comunicação a dar suporte – mesmo sob coação – aos criminosos.
Após a morte de Tim Lopes, a Globo reviu seus procedimentos acerca do uso de câmeras ocultas. Aliás, a morte do jornalista é o clichê mais lembrado quando esses recursos são discutidos. Após os ataques em São Paulo, a polícia alterou sua rotina? E os jornalistas? Com o seqüestro de seus funcionários, muda a postura da Globo frente ao crime? Muda o jornalismo ou muda a empresa? Modificam-se os critérios de cobertura? Os jornalistas ficarão mais distantes dos fatos? Arriscar-se ainda fará parte de suas rotinas? Os princípios da Globo vão se manter os mesmos?
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Professor do curso de Comunicação Social – Jornalismo e do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí; responsável pelo projeto Monitor de Mídia e integrante da Rede Nacional dos Observatórios de Imprensa (Renoi)