Foi apenas um apagãozinho. Mais um: felizmente sem vítimas fatais. Funcionou como exercício de estoicismo, preparação dos usuários do transporte aéreo para as drásticas peripécias que nos aguardam nos próximos meses e anos.
Tudo previsível: último dia das férias escolares de inverno, tripulações estressadas pelo aumento da demanda, poucas aeronaves de reserva, aeroportos saturados há muito tempo, condições meteorológicas adversas, típicas da estação. O caos instalou-se e concentrou-se na Gol na segunda-feira (2/8) porque a empresa lidera o transporte aéreo barato mas poderia ter arrastado as concorrentes estabelecendo um blecaute de primeira grandeza.
Jornais trombetearam manchetes indignadas, a Gol prometeu comprar aviões maiores (o que só agravará as próximas crises), autoridades prometeram pesadas multas, a charmosa presidente da ANAC, Solange Vieira, deu o ar de sua graça em Congonhas mas nenhuma providência estrutural foi tomada.
Nem será. O sucessor(a) do presidente Lula só tomará posse em 1º de janeiro e até lá teremos que nos preparar para a inevitável sucessão de eventos dramáticos quando começar a temporada de chuvas, nas vésperas ou fim dos feriadões de setembro, outubro, novembro e na temporada natalina.
Prazo e poderes
O problema não se resume à Gol. O problema foi criado há três anos quando o governo recusou-se terminantemente a intervir na Varig para evitar o seu desaparecimento. ‘O BNDES não é hospital de empresas falidas’, ‘O mercado resolverá o problema’ proclamaram ministros e ministras do governo Lula estranhamente travestidos de neoliberais.
A mídia sempre temerosa de intervenções (ao contrário da congênere americana que tem aplaudido as intervenções do presidente Obama na indústria automobilística e no mercado financeiro) aplaudiu a opção empresarial e mercadista do governo.
Assim, a celebrada e quase octogenária Varig foi entregue de mão beijada a uma empresa com apenas seis anos de experiência no ramo da aviação e uma ficha algo estranha em matéria de negócios.
Em 2007, depois da tragédia com o Airbus da TAM e já na condição de ministro da Defesa, Nelson Jobim colocou o dedo na ferida com a sua gauchesca bravura: a aviação comercial brasileira tem apenas um problema – o duopólio.
Foi o mais conciso e acertado diagnóstico sobre a crise no negócio da aviação feito até hoje. A TAM não foi concebida nem jamais conseguiu preencher a função de national carrier ocupada pela Varig (como a Lufthansa na Alemanha ou a TAP em Portugal); e a Gol, oriunda do setor rodoviário, popular, é naturalmente vocacionada para as operações de baixo custo.
Uma intervenção profunda na Varig com prazo limitado e poderes ilimitados teria salvo a empresa e produzido o tertius, um terceiro grande concorrente, capaz de manter o mercado equilibrado e o segmento em saudável expansão.
Lambança
Três anos depois, o ministro Jobim continua no cargo e o duopólio que denunciou continua punindo o usuário de aviões, além de prejudicar o desenvolvimento do mercado e o segmento de empresas médias (Azul, Webjet ou Avianca). Duopólios são tão nocivos quanto os monopólios quando se trata de estrangular a concorrência, sobretudo em mercados como o brasileiro impregnados pelo paternalismo e o corporativismo.
A lambança aeroportuária da segunda-feira é filha do duopólio que continua produzindo apagões, apagõezinhos e, em breve, apagãozões. A entrega da Varig à Gol foi um tremendo gol contra.